Galáxia pronta desde o início |
Era uma vez uma galáxia muito, muito
distante, que existia quando o Universo era muito, muito jovem, apenas 400
milhões de anos após o Big Bang. Era uma galáxia muito antiga, a mais distante
jamais observada. Seus raios de luz viajaram pelo espaço por mais de 13 bilhões
de anos – 96% da idade do Universo ou três vezes a idade do Sistema
Solar – até serem coletados pelos observatórios espaciais Hubble e Spitzer. Aquela
galáxia tão distante foi apelidada de Tainá, “recém-nascida”, no idioma aimará,
falado por povos andinos. A análise de sua luz revelou uma galáxia muito jovem
e maciça, compacta e repleta de estrelas gigantes azuladas, uma galáxia que não
deveria existir... pelo menos de acordo com o modelo atual da evolução do
Universo.
Contra fatos e imagens não há argumentos.
Sendo assim, muito embora Tainá não devesse existir, ela existe. Logo, quem
está incorreta é a teoria, que parece precisar de ajustes, de acordo com o
cosmologista madrilenho Alberto Molino Benito, pós-doutorando no Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo
(IAG/USP). Molino colaborou com o trabalho publicado no
periódico The Astrophysical Journal. Seu
pós-doutorado é apoiado pela Fapesp e supervisionado pela cosmóloga
Claudia Mendes de Oliveira, que estuda a formação e a evolução das galáxias.
Apesar do poder tecnológico combinado do
Hubble e do Spitzer, Tainá é tão distante e tão tênue que se torna invisível
mesmo para aqueles poderosos observatórios. “Para detectar Tainá, nosso grupo
teve que recorrer a técnicas sofisticadas, como a lente gravitacional”, um
fenômeno previsto por Albert Einstein na sua Teoria Geral da Relatividade.
Segundo Einstein, a força gravitacional
exercida por um corpo de grande massa, como um aglomerado de galáxias, distorce
o espaço ao seu redor. Essa distorção acaba funcionando como uma monstruosa
lente virtual (ou gravitacional), que deflete e amplifica a luz de objetos
muito mais distantes posicionados atrás do aglomerado que se observa.
“Nós vasculhamos o espaço à procura de
aglomerados de galáxias maciços que possam agir como lentes gravitacionais para
conseguir observar objetos que não deveríamos enxergar de tão tênues”, explica
Molino. No caso, os astrônomos usaram o aglomerado gigante de galáxias MACS
J0416.1-2403, que fica a 4 bilhões de anos-luz da Terra. O aglomerado tem a
massa de um milhão de bilhão de sóis. Essa massa descomunal funcionou como
o zoom de uma câmera, tornando 20 vezes mais
brilhante a luz de Tainá, posicionada exatamente atrás do aglomerado.
Uma vez que Tainá foi detectada, era preciso
determinar sua distância. Para calculá-la, os astrônomos estudaram sua luz por
meio de um recurso chamado “desvio para o vermelho fotométrico”. Funciona deste
jeito: quanto mais distante se localiza um objeto astronômico, menor é a
frequência de sua luz que chega até nós. Em outras palavras, mais avermelhada a
luz fica. Assim, calculou-se que Tainá ficava a 13,3 bilhões de anos-luz de
distância da Terra. Sua luz viajou durante esse tempo todo para chegar até nós.
Vale dizer que observamos Tainá como ela era há 13,3 bilhões de anos, quando o
Universo contava apenas 400 milhões de anos.
A luz de um objeto distante não conta apenas
sua localização, idade e distância. “Seu estudo pode revelar o tamanho da
galáxia, sua massa, quantas estrelas ela possui e qual a proporção de estrelas
jovens e velhas nessa população estelar. Quanto mais estrelas jovens, azuis e
brilhantes a galáxia possui, mais jovem ela é”, explica Molino.
No caso de Tainá, trata-se de uma galáxia
repleta de estrelas gigantes azuis muito jovens e brilhantes, prontas para
explodir em formidáveis supernovas para virar buracos negros. Quanto ao seu
tamanho, Tainá era similar à Grande Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia
disforme que é um satélite da nossa Via-Láctea.
“400
milhões de anos é muito pouco tempo para a existência de uma galáxia tão bem
formada”, diz Molino. “Os modelos mais recentes da evolução do Universo
apontam para o surgimento das primeiras galáxias quando ele era bem mais
velho.” Por mais velho, Molino entende um Universo adolescente de 1 bilhão de
anos – não um recém-nascido de 400 milhões.
Só existe uma explicação para a existência de
Tainá – a mais antiga das outras 22 galáxias muito tênues detectadas
pelo estudo. “Elas só poderiam se formar tão rapidamente após o Big Bang se a
quantidade de matéria escura no Universo fosse maior do que acreditamos”, pondera
o cosmólogo.
Matéria escura é um tipo de matéria que
compõe 80% da massa do Universo. Vale dizer, há cinco vezes mais matéria escura
do que a massa de todos os 100 bilhões de galáxias do Universo observável. O
problema é que esta matéria, como o nome indica, é escura, ou seja, invisível,
ou melhor, desconhecida. Não sabemos do que é feita. Trata-se de uma das
questões mais cruciais da cosmologia atual.
Há várias teorias para explicar o que seria
matéria escura. Porém, como ela não interage com a luz, não conseguimos
enxergá-la nem conhecer sua substância. Sabe-se apenas que a matéria escura
existe devido à sua ação gravitacional sobre as galáxias. Não fosse a matéria
escura, as galáxias já teriam há muito se estilhaçado. Sem matéria escura, o
Universo não seria como o conhecemos. Talvez não existíssemos.
“A única explicação para Tainá existir e ser
como era quando o Universo tinha 400 milhões de anos é graças à matéria escura,
que deve ter acelerado o movimento de aglomeração de estrelas para a formação
das primeiras galáxias”, explica Molino. “Se existe mais matéria escura, as
galáxias podem se formar mais rápido.”
Não é possível pesquisar mais a fundo sobre
Tainá e suas irmãs proto-galáxias no Universo recém-nascido, pois a tecnologia
à disposição foi empregada até o seu limite. “Para saber mais, para enxergar
melhor as primeiras galáxias e inferir a ação da matéria escura, temos que
aguardar até 2018, quando será lançado o sucessor do Hubble, o telescópio
espacial de nova geração James Webb”, diz Molino.
O James Webb terá um espelho de 6,5 metros de
diâmetro, muito maior que os 2,4 metros do Hubble. Esse aumento de tamanho se
traduz em aumento de acuidade. Molino e seus colegas contam com a sensibilidade
do futuro telescópio espacial para continuar contando galáxias distantes e
formar o maior banco de dados tridimensional do Universo. “Só assim poderemos
confirmar como se processou a formação e evolução do Universo.”
O artigo “Young
Galaxy Candidates in the Hubble Frontier Fields”, de Leopoldo Infante e
outros, publicado em The Astrophysical Journal (DOI:
10.1088/0004-637X/815/1/18), pode ser lido em arxiv.org/abs/1510.07084.
(Fapesp)
Nota: Dois detalhes chamam a atenção: (1) a existência de
galáxias “velhas” (já formadas) num Universo “jovem”, o que sugere que elas possam
ter sido criadas para ser o que são, e não passado por longos processos
evolutivos; (2) como não conseguem explicar o fenômeno da atração e
estabilidade das galáxias, os astrônomos propõem a existência de algo puramente
teórico: a matéria escura. Não há evidência alguma para a suposta existência
dessa tal matéria, mas, como ela parece ser necessária, tem que existir. Essa
atração das galáxias me faz lembrar de um texto escrito por uma autora
norte-americana, há mais de cem anos, segundo a qual tudo no Universo gira em
torno de um centro de atração: o trono do Criador. [MB]
Leia também: "Galáxia enigmática desafia astrônomos"