segunda-feira, março 02, 2009

2009, ano de Charles Darwin

A atração dos seres humanos para números “redondos” grandes tornou 2009 o ano de Charles Darwin e, por tabela, o ano da Teoria da Evolução. Há 200 anos, em 12 de fevereiro, nasceu a pessoa que teve sua obra principal publicada há 150 anos, em 22 de novembro de 1859, sob o título On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. Há quem diga que essa obra é o marco inicial da Biologia. O título de um ensaio do biólogo ucraniano Theodosius Dobzhansky para a revista The American Biology Teacher, em 1973, diz: “Nada em Biolobia faz sentido exceto à luz da evolução”.[1] Alguns têm interpretado esse título como a afirmação de que a teoria da evolução é essencial para o desenvolvimento da Biologia.

Que parte do conteúdo de A Origem das Espécies é relevante ainda hoje? Qual o tema central da Biologia? Essas perguntas deviam ser respondidas por um grande conhecedor da Biologia em vez de por um professor de Física. A Física, com mais de três séculos de história, trata dos fundamentos de tudo que é fenômeno natural. Na vastidão de conhecimento desenvolvido nesse tempo, qual é a nota dominante? Seguindo a tradição do livro que pode ser considerado o ponto de partida da ciência moderna, o Philosophiae Naturalis Principia Mathemática, de Isaac Newton (ou Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), publicado em julho de 1687, a nota dominante da Física é construir uma teoria com estrutura matemática que explique o maior número possível de fenômenos. Na realidade, alguns sonham com uma teoria do todo. O fato de Albert Einstein ter esse sonho e ter publicado três trabalhos importantes em 1905, tornou 2005 o ano Internacional da Física.

Herdando essa tendência vinda da Física, o tema central da Biologia deve ser construir uma teoria que explique todo o funcionamento do maquinário dos seres vivos e sua interação com o ambiente. Dentro dessa busca, um tema que sempre deve ter intrigado as pessoas foi: Como as características dos ancestrais são passadas para sua descendência? Um resumo da saga dessa busca foi publicado como quadro de um artigo na edição especial da revista Scientific American Brasil de fevereiro de 2009, dedicada ao tema “A evolução da evolução”, em comemoração aos 200 anos de Darwin. Adaptado do artigo de David M. Kinsgsley, “Átomos e caracteres”,[2] temos essa saga em quatro etapas.

1. Nove anos depois da publicação de A Origem das Espécies, Darwin apresentou sua teoria de como a variação de um caracter pode passar de um indivíduo para sua descendência e então para uma população. Partículas muito pequenas, que ele chamou de “gêmulas”, secretadas pelas células levariam a essência das partes do corpo onde se originaram até os órgãos reprodutores, onde seriam absorvidas pelas células germinativas.

2. Os experimentos de Gregor Mendel com ervilhas levaram-no a postular a existência de fatores distintos que carregam a informação dos caracteres. Cada indivíduo devia carregar duas cópias de um dado fator, um de cada progenitor. Embora as duas cópias estivessem presentes em todos os indivíduos, apenas um fator seria dominante produzindo a característica visível nos organismos. As ideias de Mendel publicadas em 1865 só foram redescobertas no início do século 20.

3. Várias pesquisas levaram ao reconhecimento de que o ácido desoxirribonucleico (DNA) era o veículo de informação de caracteres. Outras pesquisas culminaram com o desenvolvimento, em 1953, do modelo da molécula de DNA como dupla hélice ligada por pares de bases complementares de quatro tipos. A sequência de bases agrupadas de três em três constituiria um alfabeto de 64 caracteres para codificar a mensagem genética. Toda vez que uma célula se divide, as moléculas de DNA que constituem os cromossomos da célula são copiadas. Erros de cópia podem introduzir variações nessa informação.

4. Os fatores de Mendel, agora chamados de genes, passaram a ser definidos como trechos de DNA que codificam proteínas. Nas últimas décadas, começaram a ser investigados os trechos de DNA que não codificam proteínas mas podem ser importantes para regular quando e onde um gene é ativado. O aumento de conhecimento nesses processos de regulação com certeza será importantíssimo para a compreensão de como as características externas dos organismos são expressas e como seu funcionamento é controlado.

Dentro desse quadro, qual a real importância do tão celebrado Darwin? Seu mérito talvez seja apenas de inspirar os biólogos a reconhecerem que além das regularidades observadas nos seres vivos, pode-se também considerar sua dimensão histórica. A proposta de Darwin no seu livro famoso é que as linhagens de seres vivos têm suas características mudadas ao longo de gerações e o ambiente pode selecionar as características mais adequadas para um determinado ambiente. Isso explicaria a existência de organismos adaptados para praticamente todos os tipos de ambiente da Terra.

A hipótese de que todos os seres vivos são produto de uma sequência evolutiva a partir de um único ancestral simples ainda não pode ser considerada como comprovada. Ela pode ser compatível com várias observações de similaridades de estruturas corporais e de processos bioquímicos entre os seres vivos, mas a fonte da riqueza de informação contida no material genético de cada ser vivo é mais compatível com um planejamento inteligente inicial do que a obra de mudanças graduais durante os processos de cópia dessa informação e da seleção natural.

(Dr. Urias Echterhoff Takatohi, professor do Unasp, campus São Paulo)

Notas:

[1] Dobzhansky, T (1973). “Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution”. The American Biology Teacher 35:125-129.
[2] Kingsley, D. M. “Átomos e caracteres”. Scientific American Brasil, 81:40-47, 2009.