[...]
A grande verdade é que nossa imprensa não é laicista, nem laica, não se
ocupa/preocupa com secularismo ou a isonomia no Estado de Direito. Nunca o fez.
Exceto no período 1808-1822, quando, a exemplo de Hipólito da Costa, alguns
jornalistas-fundadores assumiam-se como maçons e, mais tarde, nos albores da
República, quando os positivistas defendiam a rigorosa separação entre Igreja e
Estado. Hoje,
a forte penetração do Opus Dei nos grandes e médios jornais brasileiros, tanto
nos comandos intermediários como na cúpula das entidades corporativas, não
permite nem permitirá que o debate sobre o laicismo possa prosperar e ser
incorporado à agenda para o aperfeiçoamento democrático.
A
prova mais recente foi a cobertura da visita do papa Francisco não apenas
intensa, extensa e pouquíssimo isenta como também nada pluralista. Aliás,
assumidamente devocional e engajada. Quando a mídia não assume os princípios de
tolerância e respeito às diferenças, o Estado adota o mesmo comportamento e
incorpora os mesmos favorecimentos.
Jornais
impressos não são obrigados a ser equilibrados, mas caso pretendam uma imagem
de credibilidade deveriam tentar posturas mais naturais, equidistantes. Porém a
TV, sobretudo a TV aberta, é uma concessão pública, do Estado, e, como tal, não
pode estar atrelada a uma religião, muito menos transmitir cultos religiosos ao
vivo em versão integral.
Não
foi o que aconteceu com a cobertura da homilia do papa na quinta-feira (25/7),
pela GloboNews, transmitida ao vivo de Copacabana com os/as âncoras in loco, tiritando de frio, porém
devidamente aquecidos pela fé religiosa.
Também
a via-crúcis, encenada na mesma Copacabana, foi transmitida integralmente (sem
comerciais) pela Rede Globo, em TV aberta, ao vivo, na noite de sexta-feira. O
único jornalista a registrar o pecado foi Nelson de Sá, da Folha (sábado, 27/7). A Rede Globo não ofereceu explicações. E
ninguém cobrou. Nem a Folha, embora o
jornal tenha sido o único veículo a contestar as estimativas absurdamente
inflacionadas divulgadas pelos organizadores no tocante ao número de
participantes dos diferentes eventos da Jornada.
Ao
contrário do que aconteceu na Copa das Confederações permeada por críticas e
questionamentos, o noticiário geral da JMJ foi energizado pela devoção. Até
mesmo as tremendas falhas de organização e logística da prefeitura do Rio foram
perdoadas. No balanço final apresentado pelo prefeito Eduardo Paes na
segunda-feira (29) ele se autoconferiu a nota dez e ficou por isso mesmo. Assim
se constroem factoides e ilusões.
O
natural entusiasmo dos jovens peregrinos e a emoção dos cariocas extasiados com
a figura benevolente do pontífice foram sutilmente utilizados para maquiar a
imperdoável improvisação. A ausência de acidentes ou incidentes nas colossais
concentrações humanas nas areias de Copacabana não pode ser tomada como façanha
das autoridades. Resultaram da índole de um povo simples, crente, fascinado
pelos espetáculos, atraído por uma intensa, demorada e perfeita cruzada
motivadora.
Seus
autores: a dupla de gigantes da comunicação devidamente irmanados: a igreja
católica e a Rede Globo.
(Alberto Dines,
Observatório da Imprensa)
Nota:
O veterano jornalista Alberto Dines foi ao ponto ao detectar uma tendência
profeticamente crescente (embora eu creia que ele não saiba exatamente o alvo
que atingiu): a união entre Estado e Igreja será novamente restabelecida e a
religião majoritária será outra vez dominante e (ainda que isso espante alguns)
opressiva. É perigoso quando o carisma se sobrepõe e eclipsa a
ideologia, embora ela permaneça lá, firme e forte.[MB]