terça-feira, julho 09, 2013

As “viagens” de Marcelo Gleiser

Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação diligente da razão e, complementarmente, das artes. Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência. Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu que “o homem é o seu maior problema”. Nossas filosofias, ciências e religiões são tentativas de compreender a existência, apesar de nossa miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.

Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões complexas?

Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.

Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição [como, se somos imperfeitos?], a ausência de dor, a imortalidade [que vantagem evolutiva existe nesse desejo pelo transcendente?]; mas, tirando a ficção e a fé, não temos como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e espaciais. Ou será que temos?

Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos? Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso [mais um exercício de futurologia?]. A ciência nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.

Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que, em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas. Caso essas previsões se concretizem - e, a meu ver, já estão ocorrendo -, seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do humano.

Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, um milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada. Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com máquinas [por que elas teriam que depender de máquinas, como nós?]. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos energéticos no espaço.

Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades [ah, sim, esses ETs podem, Yahweh, não!]. Poderiam, por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses, mesmo se não sobrenaturais? [Gleiser prefere acreditar em seres imaginários imateriais a crer num Deus que Se define como “espírito”.]

(Marcelo Gleiser, Folha de S. Paulo)

Nota: Textos como esse me mostram que a única tentativa de substituição da boa teologia somente pode ser provida pela imaginação, já que a ciência se limita ao natural, nada podendo dizer a respeito do sobrenatural – e a Causa primeira não causada, que deu origem ao tempo, ao espaço e à matéria, só pode ser definida como sobrenatural. Gleiser diz que “um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência”. Não creio que a imaginação dê sentido à existência. A imaginação, naturalmente, “viaja” muito, e prefiro mais “substância” sobre a qual fundamentar o sentido da minha existência. Note que mesmo o ateu Marcelo Gleiser não consegue conceber a ideia de origem da vida por acaso e escolhe deuses ETs (será que ele quer “ressuscitar” Von Daniken?). Advoga o design inteligente (quase sem querer), mas foge do Deus bíblico, muito mais razoável. Será que os “deuses ETs” teriam sido criados por outros ETs milhões de anos antes, e estes por outros ETs, num processo quase infinito? E quem teria criado a primeira raça criadora? Pra falar a verdade, essa historinha do Gleiser já foi explorada em filmes de ficção que qualquer trekker poderia recordar. E, finalmente, o paradoxo: criacionistas não têm espaço na mídia para falar de assuntos sérios, mas o físico pop tem uma coluna no maior jornal do país para falar de temas que mais parecem roteiro de filmes de ficção trash.[MB]

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