Fiéis com respeito e amor |
Desde 11 de setembro de 2001, quando um grupo de terroristas
coordenou o ataque às torres gêmeas, o tema do fundamentalismo religioso passou
a ter destaque na agenda mundial. Nas últimas semanas, porém, com o atentado ao
jornal satírico francês Charlie Hebdo
e as execuções brutais do Estado Islâmico, o tema voltou à tona. Milhões foram
às ruas para protestar, líderes políticos e religiosos esqueceram suas
diferenças e se uniram contra o terrorismo, o assunto ocupou manchetes diárias,
os processos de segurança foram reforçados e o medo se espalhou. A maioria dos jornalistas, comentaristas, governantes ou líderes
religiosos tem consciência de que não devemos generalizar ao fazer qualquer
análise. Afinal, a atitude de alguns não pode ser colocada na conta de todos.
Por outro lado, não há como ignorar o aumento do ódio mundial contra essas
pessoas e suas organizações.
Não é a primeira vez que movimentos assim acontecem. Na Idade
Média, a religião cristã dominante também obrigava as pessoas a aceitar suas
crenças e tradições. O pior é que, naqueles dias, o movimento era oficial. A
Bíblia foi retirada das mãos do povo, e muitas cruzadas foram realizadas para
matar impiedosamente os “infiéis”. Quantos foram queimados, assassinados
brutalmente, entregues às feras, enterrados vivos ou mortos por afogamento?
Isso só para lembrar alguns métodos. Quantas famílias foram divididas, cristãos
sinceros silenciados e mentes brilhantes exterminadas? O que vemos hoje é uma
versão moderna das mesmas atitudes.
Todas essas barbaridades, além de provocar um sentimento de
ódio, acabam lançando sementes para iniciativas futuras. A profecia nos indica
que nos últimos dias outra vez haverá perseguição, condenação e morte em nome
da religião. Todos serão obrigados a ser parte de um movimento apresentado em
nome de Deus, mas construído por interesses humanos.
Em meio a tal cenário se aprofunda a confusão entre
fundamentalismo e fidelidade. A questão não é o significado das palavras em si,
mas o comportamento envolvido. Podemos ver os fundamentalistas como pessoas
fiéis às suas crenças, porém, de forma egoísta, fanática e desequilibrada.
Estabelecem seus princípios e os impõem a qualquer preço. Já a fidelidade se
manifesta em pessoas que não negociam princípios, mas também não os impõem.
Creem na verdade absoluta, no Deus verdadeiro e na Palavra revelada, mas
entendem que a crença é uma decisão pessoal.
O problema é que a fidelidade tem recebido o rótulo de
fundamentalismo. Cada vez que alguém diz: “Estou disposto a perder meu emprego,
um concurso ou um ano escolar para permanecer fiel às orientações de Deus”,
aparecem pessoas para dizer: “Cuidado com gente radical! É por causa dessas
pessoas que o mundo está enfrentando todas essas crises.” A confusão acaba em
discriminação contra quem simplesmente deseja exercer seu direito de ser fiel.
Quando olhamos para o exemplo de Cristo, temos uma visão
perfeita de fidelidade e liberdade. Ele foi completamente fiel, mas para isso
não apoiou o uso de armas, não buscou poder, não incitou luta de classes e não
viveu para Si. Sua vida foi usada para demonstrar e compartilhar amor. Morreu
por aqueles que não O amaram nem O aceitaram.
Precisamos seguir Seu exemplo e nos manter fiéis a toda prova,
sem temer pressão ou discriminação. Contudo, vamos fazê-lo com respeito e amor,
sendo um testemunho vivo da real diferença entre fundamentalismo e fidelidade.
(Erton Köhler é presidente da Igreja Adventista para a América
do Sul; Portal Adventista)