A adoração substituta |
por Michelson Borges
Na
Antiguidade, à medida que se afastava do Éden, a humanidade se distanciava também
de seu Criador. Mas, como foram feitas por Ele e para Ele (Cl 1:16), as pessoas
tinham dentro de si um vazio, um senso de transcendência que precisava ser satisfeito.
Os que continuaram servindo e adorando o Deus verdadeiro desfrutavam a vida que
Ele idealizou, completos nEle. Mas e os outros, os que deram as costas ao Senhor
ou simplesmente não O conheciam? Buscaram paliativos para o vazio do coração. E
assim surgiram os deuses criados à imagem e semelhança dos homens. Aconteceu
com os babilônios, os egípcios, os gregos, os astecas, e outros povos. Mas
hoje é diferente. Vivemos em uma sociedade secularizada, iluminada, desdeificada.
Será mesmo? O fato é que o desejo intrínseco de adorar (algo ou alguém) permanece
entranhado na natureza humana. Alguns se idolatram. Outros idolatram o poder,
as riquezas, o prazer. Outros, ainda, adoram ídolos humanos alçados ao
estrelado pela mídia. Mas e quanto aos deuses? Será que se extinguiram de todo?
Estariam mortos, mais ou menos como na descrição feita pelo filósofo Friedrich
Nietzsche da religião de seu tempo? Não. Os deuses ainda estão por aqui. E
dispõem de uma grande máquina de propaganda para arrebanhar novos fieis e
pregar sua religião.
Hollywood e sua religião
A
pregação dessa nova religião e desses novos deuses é feita de modo geral pela indústria
cultural e, mais específica e eficazmente, por Hollywood, afinal, ela “praticamente
monopolizou o mercado de cinema internacional”, conforme constatou Eric
Hobsbawn, em seu livro Era dos
Extremos.
Mas
“Hollywood adotou a religião de maneira errada. Não é cristianismo, budismo,
hinduísmo, judaísmo ou islamismo. É uma mistura de elementos daqui e dali: um
pouco de reencarnação, uma pitada de espiritismo, um toque de ocultismo, uma insinuação
de Bíblia, uma boa dose de misticismo oriental, uma grande porção de filosofia
de autoajuda e sinta-se bem. Tudo isso é combinado em pacotes de filmes altamente
emocionais e populares. E Hollywood está pregando a sua religião com mais energia
do que muitas igrejas pregam a religião delas”, constatou Gary Krause, em artigo
publicado na revista Sinais dos Tempos de
setembro-outubro de 2003.
De
fato, a doutrina hollywoodiana pode ser agrupada em três grandes áreas: espiritismo,
secularismo e evolucionismo. É bastante fácil se lembrar de produções mais ou
menos recentes que têm como pano de fundo uma ou mais dessas ideologias. No comecinho
dos anos 1990, foi “Ghost, do outro lado da vida”, com seu espiritismo meloso e
uma Demi Moore novinha que encantaram multidões. Depois disso vieram produções
ainda mais espiritamente explícitas, a começar pelos títulos: “Ghost whisperer”,
“Médium”, “Sobrenatural”, “Sexto sentido”, etc. Sem contar os voltados para
crianças e adolescentes, como “Harry Potter” e “Crepúsculo”, exemplos de uma onda
avassaladora que percorreu o mundo popularizando a bruxaria e o vampirismo.
Já
o secularismo (grosso modo, a vida sem Deus) é promovido não apenas pelas produções,
mas pelos próprios profissionais do meio. “Em 1998, uma pesquisa da Universidade do
Texas com atores, roteiristas, produtores e executivos de Hollywood revelou que
apenas 2% a 3% frequentavam cultos regulares em locais de culto, em contraste
com os 41% entre o público geral. Em uma lista das ‘vinte pessoas mais influentes
de Hollywood’, encontrei oito pessoas que expressavam claramente suas visões
ateístas ou agnósticas, mas nenhuma que expressava opiniões cristãs claras” (Steve
Turner, Engolidos Pela Cultura Pop,
p. 218).
O
ator Brad Pitt, criado em uma igreja batista do Sul, disse certa vez: “Quando me
vi livre do conforto da religião, não foi para mim uma perda de fé,
mas a descoberta do eu. Eu tinha fé de que era capaz de lidar com
qualquer situação. Há paz em entender que tenho apenas uma vida, aqui e
agora, e sou responsável por ela” (ibidem, p. 216). E ele não é o único a
abandonar a fé para abraçar a carreira.
Detalhe:
há mais norte-americanos frequentando a igreja do que a academia, mas os filmes
os mostram mais em cozinhas, restaurantes e academias. Esse é claramente um
reflexo do estilo de vida do pessoal de Hollywood. Parece até haver um pacto de
não mostrar religião, a não ser quando for para reforçar certos estereótipos,
como do crente obtuso e fundamentalista. Para ser justo, é bom registrar que
padres e pastores até aparecem em filmes, mas, geralmente, apenas em casamentos
e enterros.
Quanto
ao evolucionismo, basta citar apenas um exemplo: os filmes dos X-Men. Superpoderosos,
eles são considerados Homo superior,
devido a mutações que os tornaram “melhores” que o Homo sapiens. Além desse pano de fundo darwinista, conforme destaca
o pastor e líder de jovens Ericson Danese, “X-Men” é cheio de contextos
escatológicos, como leis e decretos, cadastramento de mutantes, perseguição pelos
“sentinelas” e títulos como “Complexo de messias”, “Dias de um futuro esquecido”
e “A era do Apocalipse”. Seus personagens invertem conceitos bíblicos. Apocalipse
(revelação de Jesus Cristo), nos X-Men, é o pior vilão que quer destruir e escravizar.
Um
dos personagens mais populares do grupo é o Wolverine. Ele bebe, fuma, mata,
bate em quem der vontade e se justifica dizendo que é seu temperamento. É impaciente,
arrogante e violento, e seu último filme tem como título “Imortal”, contrariando
a afirmação bíblica de que somente Deus tem a imortalidade (1Tm 6:16).
Cinema: o novo templo e
seu estilo de vida
Não
bastassem os conceitos antibíblicos difundidos pelas produções hollywoodianas
(trataremos mais disso adiante), o ato de ir ao cinema encerra, em si mesmo,
uma dinâmica que contribui para o afastamento da religião e para a satisfação do
desejo inerente de relacionamento com o humano e o sagrado. Note alguns
paralelos interessantes:
>>
Antes de ir ao cinema, a pessoa se prepara. Coloca boas roupas. Há um verdadeiro
ritual.
>>
O ingresso, cuja compra contribui para a manutenção do local de exibição de filmes
e para a própria indústria do cinema, poderia até mesmo ser comparado ao dízimo
que os fieis devolvem a fim de manter as atividades de sua religião.
>>
No cinema, assim como na igreja, ocorre uma reunião de pessoas diferentes num
mesmo local. Cientistas descobriram que quando realizamos atividades sincronizadas,
como recitar cânticos ou até mesmo caminhar lado a lado, acabamos nos sentindo
mais conectados com as pessoas com quem estamos realizando essas atividades.
>>
No cinema, entramos em contato com ideologias/doutrinas, geralmente de forma
mais acrítica, devido a todo o aparato tecnológico que promove quase uma hipnose.
>>
Existe manipulação das emoções.
>>
Há uma satisfação do desejo de adoração (dos ídolos na tela).
Toda
religião prega também um estilo de vida. Não é diferente com o cinema, afinal,
como diz o título do livro de Richard Weaver, “as ideias têm consequências”. As
ideias disseminadas pela maioria dos filmes de Hollywood levam ao
desregramento, ao hedonismo, à intemperança e ao homossexualismo. E
exemplos disso não faltam.
Segundo
James Sargent, da Faculdade de Medicina de Dartmouth, nos Estados Unidos, a exposição
a álcool no cinema foi responsável por 28% do início do consumo entre jovens e
20% da transição para o uso constante. Mais de 60% dos filmes de Hollywood
exibem o produto de alguma forma. Atores e atrizes famosos volta e meia aparecem
expelindo fumaça e glamourizando o tabagismo.
Além
do cigarro e do álcool, o sexo sem compromisso e/ou deturpado também vem sendo
glamourizado há um bom tempo nas telas. A responsável pela nova onda de perversão
foi a escritora E. L. James, que lucrou 95 milhões de dólares entre junho de 2012
e junho de 2013 com seus livros da série Cinquenta
Tons de Cinza. Somente nos EUA, foram vendidas 70 milhões de cópias em
apenas oito meses. Para quem não leu e tem interesse numa história recheada de
perversões e sadomasoquismo (espero que esse não seja você), vem aí o filme,
cujo trailer foi assistido por
milhões de pessoas na internet, batendo recordes.
Outros
três filmes podem ser mencionados como exemplo dessa perversão cinematográfica:
“Sexo sem compromisso”, “Ted” e “A filha do meu melhor amigo”. O título do
primeiro é autoexplicativo. O segundo, o deputado Protógenes Queiroz ficou revoltado
quando assistiu. Segundo ele, o filme “Ted” – que tem como ator principal um
ursinho de pelúcia – passa a mensagem de que “quem consome drogas, não trabalha
e não estuda é feliz”. Na semana seguinte ao protesto, “Ted” liderou as
bilheterias brasileiras. Cigarro, álcool e alusões a sexo tomam conta da
produção. No caso do terceiro filme, basta ler o subtítulo para ter uma ideia da
barbaridade: “Sexo, traição e escândalo. Sinta-se em casa.”
Frequentemente,
esse é o tipo de conteúdo (em doses homeopáticas ou cavalares) veiculado nas
produções hollywoodianas. Quem assiste pode até inicialmente não concordar com
os conceitos, mas o fato é que “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma
verdade”. Quem disse isso? Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. E
olha que eles convenceram quase toda uma nação a apoiar algo absurdo.
Ideias
têm consequências – para um povo, para uma família, para a moralidade e/ou
espiritualidade de alguém.
Super-heróis: os novos
deuses
A
nova onda de filmes de super-heróis, favorecida pelos modernos recursos de efeitos
especiais, bebeu na fonte dos quadrinhos, e ali a exaltação dos novos deuses já
vinha sendo feita há um bom tempo. Na verdade, alguns títulos de histórias em quadrinhos
deixam evidente a mistura de conceitos bíblicos em suas tramas. Dois deles: “O
Messias”, minissérie do Batman que fez muito sucesso no fim dos anos 1980, e “Kingdom
come” (título que lembra o “venha o Teu reino”, da oração do Senhor), outra minissérie
arrasa-quarteirão, ilustrada por Alex Ross (falarei dele mais adiante) e publicada
em 1996 pela DC Comics. Essa série traz os principais personagens da DC em
pinturas magistrais de Ross, que os trata como verdadeiros deuses.
Está
ali o Capitão Marvel, cujo grito mágico – “Shazam” – é um acróstico que evoca
Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio, igualando o rei bíblico a personagens
mitológicos. Tem também a amazona Mulher Maravilha. Criada em 1941 pelo
psicólogo William Moulton Marston, ela é a embaixadora das amazonas da Ilha
Paraíso (Themyscira), e foi enviada ao mundo humano para propagar a paz.
Numa graphic novel dedicada a ela e
intitulada “O espírito da verdade” (igualmente ilustrada por Ross), Diana
reflete: “Heroína, semideusa, soldado, pacifista – eu sou todas essas coisas em
parte, mas nenhum delas por inteiro.” O filme dela tem lançamento previsto para
2017.
E,
claro, está ali também em “Kingdom come” o maior dos super-heróis: o Superman.
Ele foi o primeiro super-herói dos quadrinhos e hoje é considerado um símbolo
da cultura americana. O herói foi criado em 1938 pelos judeus Joe Shuster
e Jerry Siegel, mas tem uma origem messiânica e inspiração claramente
cristã. Numa graphic novel intitulada
“Paz na Terra”, o personagem aparece como um verdadeiro messias, tentando
acabar com a violência e a fome no mundo. Ele diz: “Pelo menos por hoje eles
vão ver que alguém está olhando por eles. Alguém resolveu agir e, juntamente com
a comida, trouxe esperança de dias melhores.” Numa das pinturas, em página dupla,
o Superman voa com os braços abertos trazendo sobre si um vagão cheio de alimentos.
Abaixo se vê o Rio de Janeiro e o Cristo Redentor, também de braços abertos,
mas imóvel, impotente...
Esse
aspecto messiânico do Superman fica ainda mais evidente quando se analisam
alguns detalhes presentes tanto nas histórias em quadrinhos quanto nos filmes do
personagem. Kal-El (já começa por El,
que é um nome de Deus, em hebraico) é enviado à Terra pelos pais, adotado por
um casal humano e inicia seu “ministério” por volta dos 30 anos. Mas tem mais:
no filme “Man of Steel”, o pai de Kal-El diz à esposa: “Ele será um deus para
eles.” E depois, numa projeção holográfica, diz ao filho: “Você pode salvar
todos.” Em seguida, Superman abandona a nave em que estava e se lança no espaço,
de braços abertos, tendo o planeta Terra ao fundo. Pensa que as “coincidências”
terminam aqui? Nada.
Em
1992, numa grande jogada de marketing
para vender gibis, a DC Comics mata o Superman, cujo corpo é amparado por Lois
Lane numa cena claramente inspirada na Pietá, de Michelangelo. Mas é claro que Superman
(que morreu para salvar o mundo de um poderoso inimigo chamado Apocalypse [!])
não permaneceria morto por muito tempo. No terceiro dia (sim, isso mesmo), ele
ressuscita. Em 2006, vai para as telas num filme intitulado “Superman returns”.
Realmente não é difícil perceber toda a religiosidade por trás de certos
super-heróis. Aliás, o trio mais importante da DC – Superman, Mulher Maravilha
e Batman – é chamado de Trindade!
Há
também os super-heróis demoníacos. Spawn é um agente da CIA que morre, vai
para o inferno, faz um acordo com o diabo e volta cheio de poderes
para combater o crime (mais ou menos como o Motoqueiro Fantasma). Até o
Homem-Aranha já se envolveu com o demônio. Com sua tia idosa baleada e à beira
da morte, Peter Parker resolveu recorrer ao maligno em busca de cura. Após o
pacto com Mefisto, toda a “realidade” foi modificada e fatos importantes da
vida do Homem-Aranha foram completamente alterados. A tia do Aranha foi
salva pelo demônio, mas o casamento de Peter com Mary Jane nunca
aconteceu. O diabo é apresentado como tendo poder de mudar toda a realidade.
Homem-Aranha também tem sido sucesso no cinema há mais de uma década.
“Watchmen”
(2009) é outro filme que fez grande sucesso e é baseado numa graphic novel de Alan Moore e Dave
Gibbons, publicada na década de 1980, sendo considerada um clássico dos
quadrinhos adultos. A história se passa nos EUA de 1985, durante a Guerra
Fria. Mas o que chama a atenção, dentro do propósito deste artigo, é a
declaração do diretor do filme, Zack Snyder: “Permanece a ideia do inimigo em
comum das duas superpotências que estão na iminência de uma guerra nuclear que acabará
com o planeta. E esse inimigo sendo Deus me pareceu uma ideia boa demais pra ignorar.
‘Deus nos traiu’, adoro isso.” Deus é o novo inimigo, os super-heróis são os salvadores
da pátria.
E
quando se fala em deuses e em amálgama de mitos com crenças, não se pode deixar
fora o deus do trovão, Thor, que saiu da mitologia nórdica para as páginas dos quadrinhos
da Marvel e de lá, também, para o cinema. Num anúncio do primeiro filme, podia
ser lida a chamada: “A god is coming” (um deus está vindo). Mas o mais interessante
é a trama: Loki, o deus traiçoeiro, adotado pelo pai dos deuses, Odin, usa de artimanhas
e consegue fazer com que Thor, o filho legítimo de Odin, seja expulso do Céu,
digo, de Asgard. O deus do trovão tem, então, que provar que é digno de voltar para
a cidade dourada. Não parece uma paródia de mau gosto da história bíblica do grande
conflito?
Note
o que disse o ator Tom Hiddleston, que faz o papel de Loki: “Os filmes de super-heróis
oferecem uma mitologia moderna
compartilhada e destituída de religião, por meio da qual as verdades podem ser exploradas. Em nossa
sociedade cada vez mais secular, com tantos deuses e crenças diferentes, os
filmes de super-heróis apresentam um retrato único em que nossas
esperanças, nossos sonhos e pesadelos apocalípticos compartilhados podem
ser projetados” (os grifos são meus).
No
livro Nossos Deuses São Super-Heróis,
Christopher Knowles diz que, “quando vê fãs vestidos como seus heróis prediletos
em convenções de histórias em quadrinhos, você está testemunhando o mesmo tipo
de adoração que havia no antigo mundo pagão, onde os celebrantes se
vestiam como o objeto de sua adoração e encenavam seus dramas em
festivais e cerimônias” (p. 36).
Para
quem ainda duvida da invasão dos super-heróis nas telas e da legião de fãs que
eles estão arrebanhando, fique sabendo que já há lançamentos de filmes programados
até 2020, numa média de até cinco por ano!
Filmes bíblicos
antibíblicos
Além
dos deuses de roupa colada e músculos proeminentes, que resolvem tudo na
pancada, há também os filmes que se aventuram em temáticas (que deveriam ser) bíblicas.
É o caso de “Noé” que, de tão antibíblico, alguns chamaram de “Não é”. Só para
você ter uma ideia:
>>
“Noé” tem sonhos e alucinações que o levam a construir a arca.
>>
O nome de Deus não é pronunciado. É sempre apenas “o criador”.
>>
Anjos caídos são criaturas de pedra que ajudam “Noé” a construir a arca.
>>
Tubalcaim entra na arca e faz conchavo com Cão.
>>
Apenas o primogênito, Sem, leva para a arca a mulher, uma órfã adotada pela família.
>>
Cão é um rapazinho e foge dos pais para arranjar uma namorada para entrar com
ele na arca. “Noé”, que era contrário à ideia, acabou criando uma rebeldia no
filho.
Mas
isso tudo ainda não é o pior. No filme, o “espiritual” é bom e elevado: é lá onde
mora o deus inefável; e o “material” é ruim e inferior: é aqui, onde os nossos espíritos
estão presos em carne material. Resumindo: de bíblico o filme não tem
nada. Ele é gnóstico. E segundo essa visão de mundo, “nada é absolutamente mau;
nada é maldito para sempre, nem mesmo o arcanjo do mal ou, como ele é chamado
às vezes, a fera venenosa. Chegará um tempo em que até ele recuperará o seu
nome e a sua natureza angelical”, segundo Adolphe Franck, no livro The Kabbalah.
A
serpente é que estava certa o tempo todo. Esse “deus”, “o criador” da matéria, um
deus mau, a quem eles adoram, está retendo para si algo que a serpente poderia
lhes proporcionar: nada menos que a própria divindade. Por que será que “Noé”
traz enrolada no braço a pele de uma serpente? O diretor Darren Aronofsky foi
genial: conseguiu levar multidões aos cinemas (incluindo, claro, muitos
cristãos) achando que iriam ver um épico bíblico, quando, na verdade, estavam
tendo contado com ideologia gnóstica.
Falando
em épico bíblico, o que dizer do recém-lançado “Êxodo – deuses e reis”? Apenas
uma informação, para não nos estendermos mais aqui: no filme do ateu Ridley
Scott, as águas que os hebreus atravessaram recuam devido a um tsunami previsto
por “Moisés”! E Scott considera essa versão mais “realista” que a bíblica!
O
que dizer de “Deixados para trás”, que ganhou um remake estrelado por Nicolas Cage? Não existe evidência bíblica
alguma para a ideia da volta de Jesus invisível, nem para o arrebatamento
secreto. Mas quantos dos que assistiram ao filme (ou leram os livros nos quais
ele é baseado) sabem disso?
Cage
parece gostar desse tipo de filme. Em 2009, foi lançado “Presságio”, também
estrelado por ele. Note as curiosidades:
>> No
filme, crianças começam a ouvir “línguas estranhas” e passam a agir como
“profetas”, prenunciando tragédias em número crescente.
>>
O pai de uma dessas crianças, cético e cientista do MIT, descobre uma profecia
numérica cifrada e escrita 50 anos antes por outra criança. Quando a decifra, ele
começa a crer em tudo, como uma espécie de novo convertido.
>>
O personagem de Cage descobre que uma tempestade solar incinerará a Terra e
procura salvar o filho.
>>
Finalmente, descobre-se que os homens misteriosos que estavam enviando as mensagens
aos “profetas” e que davam pistas para salvar essas pessoas são, na verdade, extraterrestres.
>> No
momento da ascensão para a nave claramente inspirada no mecanismo de rodas
mencionado pelo profeta Ezequiel (Ez 1:15-18), os “anjos” extraterrestres até exibem
asas de luz.
>> Os
escolhidos – as pessoas que eram capazes de ouvir a “língua estranha” – são
arrebatados em naves espaciais. Os demais são deixados para trás.
>>
Enquanto bilhões de seres humanos são queimados pelas labaredas solares, uma
parte da humanidade aterrissa num planeta idílico e corre com roupas brancas em
direção a uma... árvore cintilante! (Ap 22:1, 2).
Para
encerrar esta pequena lista, apenas mais um filme catástrofe: “2012”. Um dos
objetivos deste parece ser mostrar que a religião é inútil. Senão, veja só:
>>
O Cristo Redentor é destruído por um tsunami gigantesco.
>>
A cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano, cai sobre fieis que rezam com
velas nas mãos.
>>
Uma rachadura no teto da Capela Sistina separa as mãos de Deus e do homem
na famosa pintura de Michelangelo.
>>
Monges budistas morrem atingidos no alto das montanhas por uma megainundação.
E
no fim das contas, uma parcela da humanidade (a parte rica, evidentemente) se salva
em enormes embarcações (arcas) de metal. Ou seja, o ser humano é quem salva a si
mesmo da destruição “final”.
A religião da Bíblia
Mas,
afinal, qual é a religião que Hollywood tem pouco a pouco desconstruído na
cabeça de tantas e tantas pessoas? Esta: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto,
e não nas coisas terrenas” (Cl 3:2). A verdadeira religião do contato
permanente com Deus. A religião que ajuda o ser humano a se “religar” ao
Divino, ao Criador do Universo. A religião que nos faz ver que esta vida
terrena não é tudo o que nos está reservado, e que viver não se resume a
nascer, comer, crescer, procriar e morrer. Há muito mais do que isso!
A
verdadeira religião nos aconselha a dedicar tempo a “tudo o que for verdadeiro,
tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, [e]
excelente” (Fp 4:8). A desenvolver a “mente de Cristo” (1Co 2:16).
Mas
é importante saber que “Satanás tem mil modos de desassossegar a mente. [...]
Quanto tempo precioso é mal gasto, e que poderia ser empregado em estudar o Modelo
da verdadeira bondade” (Ellen G. White, Mensagens
aos Jovens, p. 271). “O amor sincero à verdade e a cuidadosa obediência às
instruções do Espírito de Profecia serão nossa única proteção contra os enganos
do inimigo, os espíritos sedutores e as doutrinas de demônios” (Testemunhos Seletos, v. 2, p. 69). “As
trevas do maligno envolvem os que negligenciam a oração. As sutis tentações do
inimigo os incitam ao pecado; e tudo isso por não fazerem uso do privilégio da
oração, que Deus lhes conferiu” (Caminho
a Cristo, p. 94).
Lembra-se
do desenhista Alex Ross, que ajudou a revolucionar as histórias em quadrinhos e
contribuiu grandemente para essa nova onda de exaltação dos novos deuses
super-heróis? É ele quem diz: “Na adolescência, você precisa ter ordem em seu
mundo, e os super-heróis têm isso, um senso de ética que nunca muda. [...] Eles
tratam sucintamente com questões morais, de um modo que a religião não
trata. Ou melhor, a religião trata, mas de modo muito
mais complicado e geralmente confuso” (Chip Kidd e Geoff Spear, Mythology: The DC Comics Art of Alex Ross).
Ross
é filho de um pastor protestante. Ao ler essa declaração dele, fiquei pensando
no tipo de religião que lhe foi apresentado e no tipo de religião que tenho apresentado
aos meus filhos. Se Ross chegou ao ponto de achar que os super-heróis tratam
melhor do que a religião as questões relacionadas com moralidade, há algo de muito
errado aí. Quem tem moldado a moralidade e a espiritualidade de nossas crianças
e nossos adolescentes? Você está atento a isso?
Christopher
Knowles faz um diagnóstico triste da situação nos Estados Unidos, que é também
a de praticamente todo o mundo: “Nos EUA, a religião parece incapaz de proporcionar
um mito viável de salvação nesses tempos de crise. Muitas das denominações
tornaram-se pouco mais do que movimentos políticos mal disfarçados, interessados
apenas em dinheiro e poder. Por outro lado, nossa cultura popular secular e exangue
não tem mais espaço para o encantamento. Não é de surpreender, portanto,
que filmes como Harry Potter, Guerra nas Estrelas e X-Men tenham
aparecido para ocupar essa lacuna. Os super-heróis proporcionam uma fuga, mas
de quê e para onde? Da mediocridade entorpecente da maior parte da vida
moderna. [...] O mesmo impulso movimenta a crescente popularidade do Halloween
entre adultos. As pessoas querem entrar no mundo mítico e tornarem-se
outra pessoa, tentando se esquecer de seus problemas cotidianos”
(Nossos Deuses São Super-Heróis, p.
238).
Precisamos
encantar nossos filhos com o verdadeiro cristianismo, mas, para isso, devemos,
antes, vivê-lo no dia a dia. Eles precisam contemplar em nós o resultado da íntima
comunhão com Deus; o poder transformador do evangelho. Precisamos apresentar a
eles o Cristo vivo que enche a vida de sentido, de paz, de alegria. Assim nossas
crianças jamais serão tentadas a se voltar para os deuses de mentira em busca
de algo que está tão perto delas.
Michelson Borges é jornalista,
mestre em teologia e editor da revista Vida e Saúde