segunda-feira, março 28, 2016

“Microevolução” é realmente um termo necessário?

Diversificação de baixo nível
Nos últimos anos, no meio criacionista, a utilização de um termo tem chamado a atenção, e particularmente tem me deixado incomodado. Trata-se da palavra “microevolução”. A análise e o uso dessa palavra, o significado do termo, podem nos levar ao contraditório, como veremos a seguir.

“Micro” (milésima parte do milímetro, segundo o Dicionário Aurélio) provém da palavra grega mikros e significa pequeno; “evolução” (transformação gradual e progressiva, aperfeiçoamento, crescimento, segundo o Aurélio) conjunto de modificações em direção a um determinado sentido, que remete a um desenvolvimento gradual e progressivo. Literalmente micro + evolução = evolução em pequena escala. Mas realmente é isso que os criacionistas querem dizer?

Os principais problemas do uso desse termo:

1. Pouco utilizado no meio evolucionista brasileiro. Participo de alguns eventos ligados ao debate criacionismo x evolucionismo, além de acompanhar alguns sites que debatem o assunto com diferentes perfis ideológicos. O termo microevolução basicamente é utilizado em materiais criacionistas (o próprio Michelson explica por que o termo é de baixo uso entre os evolucionistas: confira).    

2. O significado do termo não é de tão fácil explicação. Microevolução é a ocorrência de mudanças evolutivas em pequena escala, como as mudanças de frequências gênicas dentro de uma população, ao longo de um número reduzido de gerações. E essas alterações acontecem ao nível ou abaixo do nível taxonômico da espécie. Os processos microevolutivos se devem a quatro diferentes processos: mutação, seleção natural, deriva genética e fluxo gênico (migração). Ou seja, para realmente compreender e explicar o termo de maneira clara e objetiva, o indivíduo deve possuir um conhecimento básico sobre genética, populações e taxonomia.

3. A mutação e a seleção natural levam a uma evolução? Existem diversas instituições e organizações (sociedades criacionistas, etc.) que debatem esse assunto, com maior propriedade e profundidade. Algumas considerações apenas: como engenheiro agrônomo, utilizo o melhoramento genético (não considerarei a transgenia), as leis de Mendel, na busca de variedades mais produtivas. Quando em uma determina espécie (milho, por exemplo) ocorre o cruzamento dos indivíduos para a criação de uma nova variedade, procuram-se indivíduos que expressem características de interesse agronômico, como tamanho de espiga, peso de grãos, resistência hídrica, resistência a doenças. Normalmente, esses indivíduos perdem outras características. Exemplo: uma variedade altamente produtiva pode ser mais sensível a determinadas pragas e doenças, ou ser mais sensível ao déficit hídrico, ou não possuir a melhor morfologia para a atividade agrícola. O melhoramento genético não está evoluindo essa espécie, apenas adaptando os indivíduos a um determinando ambiente altamente competitivo e para um fim especifico (a produção). Esse raciocínio vale tanto para a produção vegetal quanto animal. No ecossistema, também ocorre a seleção dos indivíduos mais aptos a sobreviver nos diferentes ambientes. Logo, não ocorre evolução, mas, sim, adaptação.  

4. Ipsis litteris. O significado (ou, segundo o Aurélio, o “sentido”, ou “aquilo que uma coisa quer dizer”) do termo. Como citado anteriormente, microevolução = evolução em pequena escala. Os criacionistas acreditam que está ocorrendo essa evolução? Acredito que não! No ambiente de debate que permeia os assuntos sobre criacionismo e evolucionismo, que muitas vezes beira ao passional, os termos utilizados devem ser claros, e preferencialmente objetivos, para não dificultar a relação e o entendimento de indivíduos que creem em visões opostas de mundo/filosofia. 

5. O fator teológico. Os criacionistas que creem no relato literal da criação bíblica em sete dias (ex.: adventistas) acreditam que Deus criou tanto o mundo quanto o ser humano perfeitos, e o pecado degenerou (e ainda está degenerando) o homem e a criação. O ser humano e o planeta Terra só serão restaurados após o retorno de Jesus Cristo. Então, como pode haver evolução (mesmo em pequena escala, ou evolução horizontal e não vertical), se ocorre a degeneração pelo pecado?

Outro ponto a ser considerado é em relação aos membros leigos – um individuo que não tem o conhecimento acadêmico adequado pode acreditar que determinada denominação religiosa que anteriormente tinha o criacionismo como uma de suas crenças agora aceita a teoria evolucionista.

A ciência se desenvolve, mudam-se as nomenclaturas, as definições, etc., mas realmente o termo microevolução tem levantado mais dúvidas e dificuldades do que os termos utilizados anteriormente para o mesmo fim.

Devido aos problemas citados acima, defendo que se faça a substituição desse termo por outras expressões técnicas, como, por exemplo, ADAPTAÇÃO, VARIAÇÕES BIOLÓGICAS ou DIVERSIFICAÇÃO DE BAIXO NÍVEL, expressões que já são utilizadas na literatura acadêmica e que são de fácil compreensão, e são aceitas pela comunidade científica.     

(Jetro Salvador é doutor em Produção Vegetal e mestre em Ciência do Solo. Gerência de Apoio Técnico, Agência de Defesa Agropecuária do Paraná – ADAPAR)