“Que
proveito tem o trabalhador naquilo com que se fadiga?” Eclesiastes 3:9
Em
uma radiosa manhã primaveril, o filósofo George Santayana interrompeu sua
palestra no meio de uma frase. “Acho que essa frase jamais será terminada”,
disse ele. “Tenho um compromisso com a Primavera.” Ele juntou seus papéis, saiu
do auditório e foi para uma região rural. Santayana era um indivíduo excêntrico
em muitos aspectos, e não seria aconselhável seguir seu exemplo em tudo. Mas
ele nos deixou uma lição sobre o equilíbrio que deve haver entre trabalho e
lazer. Muitos de nós somos escravos do trabalho, e nos afadigamos durante todas
as horas úteis do dia. Não temos tempo para relaxar e observar as coisas belas
e simples da vida. Deus certamente levou em conta essa tendência humana ao nos
criar, e por isso nos deixou um exemplo a ser seguido: “Havendo Deus terminado
no dia sétimo a Sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a Sua obra
que tinha feito. E abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele
descansou de toda a obra que, como Criador, fizera” (Gn 2:2, 3).
Trabalhar
arduamente é bom, pois nos dá um senso de realização e utilidade e nos livra do
tédio. Mas também pode nos manter ocupados demais para perceber que talvez
estejamos correndo atrás do vento. Nosso compromisso com a primavera pode não
ser igual ao do filósofo Santayana, entre árvores, grama e flores. Mas, seja
onde for, é melhor não adiar esse compromisso até que seja tarde demais.
Guilherme
vivia com a esposa Elisa no sopé de uma montanha. De sua casa se descortinava
um panorama esplendoroso, com um lago no meio do vale, lá embaixo. Um dia
Guilherme morreu em seu escritório, onde estava trabalhando até tarde, como era
seu costume. A viúva Elisa se conteve durante o funeral e mesmo durante a venda
de suas muitas posses. Mas perdeu totalmente o controle quando o leiloeiro
anunciou o leilão de um par de cadeiras de balanço. “Uma delas é novinha em
folha”, disse ele com entusiasmo.
Guilherme
havia comprado as cadeiras para ele e Elisa, no verão em que havia aumentado o
alpendre da casa com sua bela vista para o vale. Mas não tirou tempo para usar
a sua. Ele perdeu seu compromisso com a primavera.
P.S.:
A primavera começou ontem.
(Rubem Scheffel, Meditações Matinais 2010, Com a Eternidade no Coração, 22 de Setembro)