“As
ideias desenvolvem suas próprias carreiras muitas vezes destrutivas e autossustentáveis
na história. A emoção incontrolável que surgiu na cabeça de Darwin ao ver os habitantes
da Terra do Fogo, ao observar os bicos dos pássaros nas Galápagos e ao ler
Malthus – emoção que permeou quase todas as páginas do Origem – transformou-se para alguns em um veneno vicioso. Sua
predileção pela palavra luta – termo que
empregou dezenas de vezes – foi particularmente desafortunada. Hitler a adotou
e tomou emprestada como título para o seu livro, que era tanto autobiográfico
quanto um programa político, o Minha Luta.
A luta era sadia, era o caminho encontrado pela natureza. E sob seu manto, sob
as sombras da guerra, foi fácil renascer outra palavra muito usada por Darwin: extermínio.
“Uma
vez no poder, Hitler começou um processo que levou a disgenia à sua conclusão
lógica. Entre 1933 e 1939 mais de quatrocentas mil pessoas com problemas
mentais foram esterilizadas na Alemanha nazista. Quando a guerra estourou,
setenta mil desses desafortunados, já incapazes de se reproduzir, foram ‘exterminados’.
Esses programas de extermínio em massa foram o modelo para a eliminação de
raças inteiras de ciganos e judeus, e, caso a guerra tivesse durado mais tempo,
chegaria aos eslavos. É importante destacar que Hitler não foi uma figura
solitária em sua particular visão do darwinismus.
Em sua ascensão ao poder sempre esteve cercado de professores e alunos de
universidades, depois cercou-se do eleitorado alemão em geral. Todos os
biólogos alemães com certo status acadêmico
estavam unanimemente envolvidos no programa da eugenia, e mais de 50% deles
eram membros do Partido Nazista, o maior percentual entre qualquer grupo
profissional. Tanto Himmler, chefe da SS, quanto Goebbels, chefe da propaganda,
estudavam Darwin.
“Na
primeira metade do século XX, a ideia de luta como algo natural e essencial à
melhora da humanidade era uma crença que acompanhava o espectro político. A
devoção que Marx e Engels demonstraram em relação ao Origem ainda na semana de sua publicação foi seguida por um
interesse contínuo entre importantes comunistas, de Lenin a Trotsky, de Stalin
a Mao Tse-Tung, e todos lançavam mão da teoria da seleção natural para
justificar a luta de classes. Era essencial à autoestima dos comunistas acreditar
que sua ideologia era científica, e Darwin oferecia base concreta às leis e à
dialética que criavam ao tomar e reter o poder. Stalin tinha a ‘luta’ e a ‘sobrevivência
do melhor adaptado’ de Darwin em mente ao lidar com os gulags e ao realocar as minorias da Grande Rússia: o extermínio de
grupos deveria ser um evento natural se o partido, redefinido como a elite dos ‘mais
bem adaptados’ politicamente, quisesse sobreviver. Mao Tse-Tung, com sua visão
pessoal de Darwin, enxergou a ‘luta’ nos termos de sua Revolução Cultural,
fazendo com que uma personificação da cultura comunista substituísse outra
menos adaptada e fora de moda. Pol Pot, que foi apresentado por seu professor
Jean-Paul Sartre à ideia da evolução a formas mais apuradas, levou a teoria ao
Camboja, em uma luta urbano-rural que matou um quarto da população [70 milhões
de pessoas]. No século XX, tudo indica que mais de cem milhões de pessoas foram
mortas ou morreram de fome como resultado de regimes totalitaristas infectados
por múltiplas variantes do darwinismo social.”
(Paul Johnson, Darwin
– Retrato de um Gênio [Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2013], p. 116, 117. Johnson é um aclamado historiador, jornalista e
escritor inglês)
Leia também: “Hitler e Darwin”