Soube hoje que as
Igrejas Cristãs Nova Vida, da qual sou o Bispo Primaz, foram notificadas de que
teriam de pagar direitos autorais pela execução de músicas de “louvor” nos seus
cultos. Cada uma de nossas igrejas ficaria, assim, responsável por declarar o número
de membros e a frequência aos seus cultos, para que fosse avaliado o imposto a
ser pago ao Christian Copyright Licensing International (CCLI), sociedade que
realiza a arrecadação e a distribuição de direitos autorais decorrentes da
execução pública de músicas nacionais e estrangeiras. Por sua vez, o CCLI
repassaria o valor devido aos compositores cujas músicas estão cadastradas.
São poucas as
vezes em que me vejo sequestrado por um assunto do momento aqui no blog. Tenho
como norma pessoal não me deixar levar pelas “últimas”. Já há bastante
alvoroço em torno de assuntos efêmeros e não precisam da minha voz para somar à
confusão instaurada por “notícias” e controvérsias. Não obstante essa regra que
tento seguir, não posso me calar ante esse fato. Já deixei passar algumas horas
até que a minha revolta se acalmasse, para que, no seu lugar, pudesse me
expressar com clareza e me reportar às Escrituras como regra. Pois, em meio ao
transtorno, ninguém se contém e acaba por pecar pelo excesso. Isso não quer dizer
que me sinta menos convicto sobre o que tenho a dizer, mas quero realmente
trazer uma perspectiva lúcida.
Comecemos pelo que
constitui o direito autoral e o porquê da sua existência. Seria justo que
alguém lucrasse pelo trabalho, a inspiração e a arte de outro sem que o autor
da obra participasse dos lucros? Certamente que não. Cada emissora de rádio, show ou outro tipo de empreendimento com
fins lucrativos deve prestar a devida parcela do seu lucro a quem ajudou a
produzir essa arte.
Por outro lado, a
Igreja é um empreendimento com fins lucrativos? Não – segundo a definição do
próprio Estado brasileiro. Ela goza de certos privilégios, na compreensão de
que a sua atividade é religiosa, devota e piedosa e, sendo assim, sem fins
lucrativos. Que muitos “lucram” em nome da Igreja ninguém duvida. Mas, em
termos estritamente definidos pela legislação, não é um empreendimento que
tenha como finalidade o lucro.
Louvar a Deus é
uma atividade que gera rentabilidade? Também não. Quando cantamos ao Senhor,
estamos nos expressando a Deus em sacrifício santo e agradável a Ele (se bem
que não caem nesta categoria muitas das músicas que doravante serão objeto de
taxação, por decreto-lei). Mas, para manter o fio da meada desta reflexão,
suponhamos que as músicas adocicadas,
sem fundamento em qualquer real princípio cristão, emotivas e, em alguns casos,
passionais (para não dizer sensuais) sejam realmente louvor (algo que tenho
tentado ensinar a nossa denominação que não são). Cantar essas músicas
traz lucro para a igreja? A resposta é não. A igreja não lucra. Não há um
centavo a mais caindo nas salvas porque cantamos uma música de uma dessas cantoras gospel da moda em vez de Castelo
Forte. É possível fazer um culto fundamentado apenas nas músicas
riquíssimas do Cantor Cristão e da Harpa Cristã (para não falar nos Vencedores
por Cristo, cuja maioria das canções não recai sobre este novo decreto-lei [e
mesmo do Hinário Adventista, acrescento. – MB.).
Esses cantores e
essas cantoras têm o apoio de empresários da fé. Homens que também lucram
absurdamente à custa da boa-fé de pessoas a quem prometem uma vida de lucro
pelo seu envolvimento. Não me surpreende ver a lista de “notáveis” que apoiam
essa iniciativa.
Agora, esses
cantores que se venderam para emissoras de televisão, que ganham fortunas nas
suas turnês “gospel” e pela venda de incontáveis CDs e DVDs, não estão
satisfeitos. Querem mais. Querem “enterrar os ossos”. Tornaram-se mercadores da
fé, e com essa última cartada, suas máscaras caem por terra. Que máscaras? As
que fazem com que acreditemos que eles realmente creem que o culto é para Deus
somente. Para eles, a igreja não passa de fonte de lucro. A igreja não passa de
um negócio. Sim, porque, por essa ação, afirmam não acreditar que a igreja seja
uma assembleia de sacrifício. Para eles, a igreja é uma máquina de dinheiro.
Sua eclesiologia é clara. Suas lágrimas de comoção são teatro. Seus gestos de
mãos erguidas não passam de encenação.
A despeito do meu
repúdio por esse grupo de músicos “cristãos”, fico grato a eles por uma razão. Tenho tentado ensinar a denominação que
lidero a ser mais criteriosa na escolha das músicas cantadas nos cultos.
Por força da popularidade desses “superastros do louvor”, a pressão da
juventude e dos músicos da igreja tem sido quase insuportável. Então cantam as
músicas sem devocionalidade real deles e delas para o enlevo de pessoas que nem
precisavam confessar Jesus para cantá-las com comoção. Graças ao mercantilismo
dos tais, vou emitir uma circular para as nossas igrejas em que instruirei
todas a pagar os direitos autorais devidos, caso queiram insistir em usar as
referidas músicas da moda em seus cultos.
Os que não querem
fazer parte desse mercado de rapina receberão uma lista compreensiva de músicas
que continuam sendo de domínio público, inclusive as que compus e pelas quais
nunca recebi nem quero receber um centavo. Graças a Deus, são os bons e velhos hinos que têm conteúdo e
substância, confissão e verdadeiro testemunho do Evangelho. Há centenas de
hinos antigos que vamos tirar das prateleiras e redescobrir. Podemos
aprendê-los e retrabalhá-los para torná-los atuais aos nossos dias, com
arranjos interessantes. Músicas escritas
por santos e não por crianças. Músicas escritas para a glória de Deus e não
para lucro sórdido. Sim, falei sórdido. Pois os atuais já lucraram com o
que é legítimo. Agora vão atrás do resto. É um gospel de rapina. Sinto-me na
necessidade de tomar um banho, pois essa história me forçou a passear pelo
lamaçal onde esses chafurdam para encher a própria barriga – que é o seu deus,
afinal.
Que bom que já me
acalmei, pois realmente tinha vontade de dizer muito mais.
Nota: O
bispo Walter tem minha aprovação em sua santa indignação. Releia os trechos que
grifei no manifesto dele e me diga se esse problema não é, infelizmente, algo
comum em todas as igrejas (numas mais do que em outras). Deus nos ajude para
que o reavivamento e a reforma que desejamos (ou melhor, que Deus deseja em
nós) alcance também nossa liturgia e nossa música de adoração.[MB]
Leia também: "O poder da música"