[Meus
comentários seguem entre colchetes e na nota abaixo. – MB] Durante milhares de
anos a humanidade acreditou ocupar o centro do Universo. A Lua, o Sol, os
planetas e estrelas estavam em esferas que orbitavam nosso mundo. Era a
concepção aristotélica do Cosmo, refinada por Ptolomeu, que só começou a mudar
a partir do século XVI, quando o astrônomo polonês Nicolau Copérnico propôs que
era o Sol que, na verdade, ocupava o centro de nosso sistema. Hoje, sabemos que
a Terra orbita uma estrela ordinária no braço de uma galáxia com bilhões de
astros semelhantes, e que a nossa própria Via Láctea é apenas uma entre as
bilhões de galáxias existentes. Todo esse conhecimento, porém, ainda não é
capaz de responder à pergunta que o próprio Aristóteles já se fazia há milhares
de anos: “Por que estamos aqui?” Agora, alguns cosmologistas veem no chamado
multiverso, isto é, na existência de outros universos, uma possível explicação
para o fato de as leis e constantes da física do nosso Universo terem
exatamente os valores que permitem nossa existência. Entre os principais
estudiosos do assunto está o sul-africano George Ellis, que esteve no Brasil na
semana passada como um dos convidados do 17º Ciclo de Cursos Especiais (CCE) do
Observatório Nacional. Segundo Ellis, algumas dessas teorias são válidas por
oferecerem matemática e filosoficamente [grave bem essas palavras]
uma resposta a essa pergunta fundamental, mesmo que nunca possam ser provadas.
“Se
admitimos que há um princípio da incerteza para o muito pequeno da teoria
quântica, devemos reconhecer que pode haver um princípio da incerteza para o
muito grande da cosmologia também”, defende. As teorias sobre a existência de
muitos universos são variadas e foram classificadas em quatro tipos básicos
pelo também cosmólogo Max Tegmark: multiversos de níveis um, dois, três e
quatro, cada um deles abarcando aspectos do nível anterior. Segundo Ellis, o
multiverso nível 1 é praticamente um consenso entre os cientistas:
“Ele
prevê que no nosso próprio Universo há uma parte que podemos ver e outras
partes além do que podemos ver”, conta. “Só porque há um limite até onde podemos
ver, um horizonte para nosso Universo observável, isso não impede o Universo de continuar existindo além dessa fronteira.
É como estar na Terra e ver o horizonte: a Terra não acaba no horizonte.”
[Curiosa essa admissão de que haja realidades além do que pode ser
mensurado...]
Já
os multiversos de nível 2 estão relacionados com o que os cosmologistas chamam
de “inflação caótica”. Nessas teorias, diz Ellis, nosso Universo seria apenas
um entre os infinitos “universos-bolha”, cada qual com seu próprio conjunto de
constantes e leis da física: “Há centenas de versões da inflação e algumas
delas implicam o surgimento dos multiversos, que respondem a essa questão de
por que as leis da física do nosso Universo são favoráveis para a vida existir.
A única explicação que temos é que, se há suficientes variações das leis da
física no multiverso, eventualmente, em
algum lugar, as constantes terão os valores certos.” [Comento isso na nota
abaixo.]
Já
os multiversos de nível 3 estão relacionados com o modo como a teoria quântica
funciona. Nesse caso, cada colapso das funções de ondas quânticas, algo como
decidir atravessar ou não uma rua, criaria um novo universo “paralelo”. “Essas
ondas continuam se dividindo em mais e mais partes, e cada uma corresponde a um
universo diferente, é o multiverso de múltiplas histórias”, ilustra Ellis. “Mas essa visão de que há infinitas cópias
de nós em infinitos universos paralelos me parece mais com um tipo de sonho.
Não entendo como alguns dos meus colegas acreditam que isso é uma boa teoria.”
Por
fim, os multiversos de nível 4 estão relacionados com a Teoria das Cordas –
mais recente tentativa de unificar sob um único arcabouço teórico todas as forças fundamentais conhecidas do
Universo (nuclear forte e fraca, eletromagnetismo e gravidade) – ou nela
inspirados. A Teoria das Cordas implica a existência de dez ou mais dimensões e
nas chamadas branas, diferentes “tecidos” de espaço-tempo, com o choque entre
elas produzindo seu próprio universo.
“O problema é que a
Teoria das Cordas ainda não foi bem testada nem sequer bem formulada”,
diz Ellis. “Assim, não é verdade que os multiversos são um resultado necessário
da física que conhecemos, mas um resultado possível da física que pode ser que
esteja certa.”
Ellis
ressalta, porém, que o grande problema de todas essas teorias é que não podem ser verificadas com observações e
experiências. “Temos que perguntar a nós mesmos: Na ciência é mais
importante ter uma boa explicação ou uma teoria que seja verificável por
observações?”, destaca. “As teorias de
multiversos são todas muito especulativas, então tudo que podemos fazer é
dizer: ‘Não sei o que está acontecendo lá fora, mas conheço a física que vai
nos dizer o que está acontecendo.’ É da
natureza dos multiversos nunca termos qualquer evidência deles. Os multiversos
são uma boa teoria explicatória, mas acreditar neles continuará a ser uma
questão de fé e por isso chamaria estas teorias de filosofia cientificamente
inspirada.”
(Extra)
Nota:
Aparentemente, a teoria dos multiversos visa a convenientemente “explicar” o
fato de o Universo ter as condições ideais para o “surgimento” e a manutenção
da vida (princípio antrópico). Como explicar a origem de um universo
perfeitamente “tunado”, com leis e constantes finamente ajustadas que sugerem a
ideia de que o cosmos parecia já estar esperando por nós? Para fugir à
constatação do óbvio (o Universo foi inteligentemente projetado para conter
vida), apela-se à hipótese (sonho!) de que, em lugar de um, deve haver inúmeros
universos. Então, com tantos universos “à disposição”, num deles, pelo menos,
deve ter havido condições para o “aparecimento” da vida. Só que, como compara
William Craig, em seu livro Em Guarda, imaginar que nosso universo “tunado”
pudesse simplesmente “surgir” seria como acertar com uma flecha uma mosca
pousada numa parede a muitos quilômetros de distância. Pensar nos multiversos
seria como acrescentar muitas e muitas moscas na mesma parede, o que não
resolve o problema, pois o arqueiro teria que acertar a mesma flecha na mesma
mosca, afinal, é o nosso universo que
está configurado para conter vida. Agora, por favor, leia novamente a última
declaração de George Ellis na matéria acima. Note que ele admite que a teoria
dos multiversos não dispõe de evidências e que se deve acreditar nela pela fé.
Curiosamente, tanto o criacionismo quanto a teoria do design inteligente contam com inúmeras evidências de design inteligente e intencional na
natureza. Evidentemente que a ciência experimental não pode afirmar nada sobre
a natureza do Designer (isso pertence ao campo da teologia), mas pode, como
ocorre com a ciência forense, destacar as
digitais do Criador, as evidências da “cena do crime”. No entanto, porque
abraçam a priori o naturalismo
filosófico (não aceitam que exista nada além do natural), cientistas ateus
descartam as evidências favoráveis à ideia de design inteligente enquanto abraçam e
defendem “sonhos” hipotéticos desprovidos de qualquer evidência empírica, como
é o caso da teoria dos multiversos. Entre uma fé e outra, prefiro aquela que
dispõe de mais evidências e maior razoabilidade.[MB]