Não
é de hoje que as revistas de divulgação científica popular cometem equívocos,
revelam preconceito e abordam temas com tremenda superficialidade –
especialmente quando tratam de cristianismo, criacionismo e Bíblia, por
exemplo. Basta você digitar a palavra “Superinteressante” no buscador ali à
direita, no topo do blog, para localizar várias postagens em que denuncio essa
cobertura enviesada dessa revista brasileira. Meu livro Por Que Creio foi exatamente uma
reação à matéria “Eles querem Deus na ciência”, publicada na Galileu em 2002. Na época, a revista
chamava os criacionistas de “anti-intelectuais” e uma entrevistada afirmava
levianamente que os criacionistas são “especialistas autoproclamados”. Dez anos
depois (mas muitas outras vezes ao longo dessa década), Galileu volta à carga com uma reportagem sobre a crença, intitulada
“Por que você acredita em
Horóscopo, espíritos, ETs e religiões?” (confira aqui). O texto merece uma boa análise e ela foi
feita por Luciano Ayan.
Confira[MB]:
“Quando
eu escrevi o texto ‘Os fazedores e os checadores OU A origem da rotina Cético Universal’,
recebi alguns e-mails e comentários de leitores dizendo que o texto era muito ‘difícil’
e não seria assimilado por muitos. Era um feedback
interessante. Em adição àquele texto (para melhorar sua absorção), nada melhor
do que ver essa rotina denunciada sendo executada na prática. E é o que farei
agora.
“Vamos
aos diversos truques de desinformação que existem no texto da Galileu. Antes de tudo, um investigador
de fraudes já consegue mapear o vested
interest, e a Galileu nem foi
inteligente o suficiente para tentar ‘misturar mais’ seus ‘especialistas’. De
uma tacada só ela junta Michael Shermer, Craig
James e o mais humilde (mas não menos militante), o brazuca da turma,
Wellington Zangari (do Departamento de Psicologia da USP; por que não estou
surpreso?).
“Se
Zangari é conhecido por sua participação virtual na qual vivia emulando os
discursos humanistas e cientificistas de Carl Sagan, em relação a Shermer e
James não é preciso investigar muito para saber que ambos são humanistas
confessos. Shermer é ligado a entidades humanistas, ao passo que James é autor
de livros sobre memética, que é um truque psicológico (que enganou muitos
adeptos neoateus achando que de fato era uma teoria científica) criado por
Richard Dawkins.
“O
fato é que o ‘core’ da propaganda ideológica de um humanista é baseado em uma
coisa só: utilizar um conjunto de cinco rotinas para omitir da opinião pública a noção de que
ele é um crente em coisas bizarras, como a crença no homem, no fim da história,
no altruísmo potencializado no governo global e outras coisas do tipo. Para que
a patuleia não perceba que ele está vendendo essas crenças bizarras, surge a
ressignificação poderosíssima, que ‘fecha’ a mente dos populares para o que
realmente está ocorrendo.
“A
técnica é bastante simples e útil. Aqui seguem os padrões básicos para sua
implementação:
“Defina
como ‘crença’ (que na verdade é tudo aquilo em que se pode acreditar) e ‘superstição’
(que na verdade é toda crença não sustentada logicamente) somente aquilo que
for relacionado a paranormal, Deus ou UFOs;
“Se
a plateia não perceber o truque em (1), use até a ciência para dizer que existe
uma forma de subserviência humana às crenças e superstições – é aqui que a ‘inserção’
funciona perfeitamente, pois se todas as crenças e superstições são
relacionadas ao paranormal, Deus ou UFOs, então as crenças injustificadas do
humanista não estarão sob julgamento.
“Caso
o humanista execute (1) ou (2) de forma recursiva, ele poderá vender para o
público a noção de que é uma pessoa sem qualquer tipo de crença não
justificada, pois ele sequer crê em qualquer superstição. Mas a verdade é que ele
tem mais crenças e superstições do que os adeptos da quiromancia.
“É
por isso que as pesquisas tratadas pela Galileu
na verdade serviriam mais para comprometer os humanistas do que para ajudá-los
em sua luta contra os religiosos tradicionais. Só que esses mesmos humanistas
já executaram o truque do autocético, dizendo que, ‘se há uma crença, ela é
relacionada ao paranormal, Deus ou UFOs’. Convenhamos: é uma tacada de mestre!
“Prestem
atenção: a não percepção desse truque já acabou com o debate. Shermer e James
podem vender suas ideias estúpidas e assassinas a partir de agora o momento em
que quiserem, na quantidade em que quiserem, pois a plateia já os percebeu como
‘representantes da ciência’, ‘donos da razão’ e tão céticos a ponto de serem os
‘céticos universais’ e ‘autocéticos’, em suma, pessoas que podem ter suas ideias
aceitas a qualquer momento pelo povo, pois essas ideias já foram filtradas por
eles próprios (no processo de autoquestionamento que eles alegam possuir).
“Se
acham que estou exagerando, vejam a totalidade dos quadrinhos [veja a matéria
no site da Galileu] que dariam
sustentação à reportagem. No segundo quadro, existem até as ‘teorias da
conspiração’, mas somente porque a esquerda hoje em dia popularizou esse termo
contra os conservadores de direita. No restante, somente crenças relacionadas a
UFOs, sobrenatural e paranormal. No terceiro quadro, a evidência se torna ainda
mais cabal, pois todas as oito crenças são associadas a UFOs, sobrenatural e
paranormal. Nenhuma crença como fim da história, ultra-altruísmo do governo
global, ditadura do proletariado está ali.
“Esse
é o truque dos verbos não especificados, pois o objeto de uma oração é omitido.
Assim, ‘Eu viajo para a França’ vira ‘Eu viajo’, ou ‘Eu compro pastéis’ vira ‘Eu
compro’. Note que nas frases ressignificadas alguém que compra apenas um pastel
não pode ser considerado um milionário somente por isso, mas e alguém que
compra tudo? Alguém que viaja para a França não pode ser considerado como
alguém que conhece o mundo todo, mas e alguém que viaja para todos os lugares?
Esse é o efeito psicológico buscado pelos verbos não especificados. Ampliar
suas ações e opções relativas a universais. É aí que surge alguém que não é
cético especificamente em relação ao paranormal, mas em relação a tudo. A ideia
é clara: vender à plateia a noção de que suas ideias já são autoquestionadas,
independentes de quais sejam. A encenação é potencializada quando essa pessoa
que está praticando o truque passa grande parte do tempo se vendendo como ‘o
cético’, questionando ‘todas as crenças e superstições’, mas, obviamente,
nenhuma dessas crenças e superstições questionadas serão as suas próprias, já
que ‘uma crença só é uma crença se ela for relacionada ao paranormal e sobrenatural’
(essa é a mensagem subcomunicada por eles).
“Mesmo
que Shermer e James passem duas horas debatendo com qualquer oponente que tenha
melhor argumentação e fatos que eles, isso de nada adiantará para esses
oponentes, pois a plateia já ‘percebeu’ Shermer e James como pessoas sem
crenças injustificadas. Que a Galileu
esteja endossando esse truque, também não surpreende.
“Enfim,
todas as constatações da matéria sobre as ‘crenças’ e ‘superstições’ valem
muito mais para Shermer e James, e qualquer humanista, até do que para
religiosos tradicionais. Assim como valem muito mais para marxistas e outros
tipos de esquerdistas do que valem para os crentes em UFOs. Ainda assim, a
percepção da patuleia será a oposta. Shermer e James, assim como os demais ‘especialistas’
citados na matéria, terão já convencido o público de que eles são imunes a
crenças não justificadas e superstições.