Fiquei indignado ao assistir, ontem, ao quadro “Poeira das Estrelas”, no Fantástico. O Marcelo Gleiser poderia, pelo menos, apresentar as coisas em seu devido contexto, mostrando também as dificuldades que certas teorias – como a da evolução – vêm enfrentando. No programa, o físico se referiu ao clássico experimento de Miller-Urey como algo comprovado de maneira incontestável.
Para se ter uma idéia do problema que envolve a abiogênese, transcrevo abaixo parte de um artigo de autoria de Enézio E. de Almeida Filho, publicado na Revista Criacionista nº 70 (1º semestre de 2004):
“A teoria da evolução de Darwin aplica-se somente às coisas vivas. Darwin mesmo nunca propôs uma teoria sobre a origem da vida, a não ser especular como que a vida poderia ter começado num 'pequeno lago quente' (Francis Darwin, ed., The Life and Letters of Charles Darwin, Vol. 2, pág. 202). Foi tão-somente no começo da década de 1950 que Stanley Miller, então aluno de pós-graduação na Universidade de Chicago, realizou um experimento no laboratório de seu professor Harold Urey, iniciando assim a moderna pesquisa da origem da vida.
"No começo dos anos 1950, os cientistas acreditavam que a atmosfera da Terra primitiva consistia principalmente de vapor d’água, hidrogênio e gases ricos em hidrogênio tais como metano e amônia. Miller colocou esses gases num aparato de vidro e os submeteu a uma descarga elétrica simulando relâmpagos. Uma semana mais tarde, ele verificou que o aparato continha uma mistura de moléculas orgânicas que incluía alguns aminoácidos – os tijolos construtores de proteínas. Depois que ele relatou os seus resultados em 1953, o experimento de Miller foi incorporado aos livros texto de Biologia para mostrar que os cientistas estavam começando a entender a origem da vida.
"Todavia, nos anos 1960, os geoquímicos chegaram à conclusão de que a atmosfera da Terra primitiva provavelmente continha um pouco de hidrogênio (que, sendo leve demais, teria subido para o espaço exterior), mas em vez disso consistia de gases vulcânicos tais como dióxido de carbono e nitrogênio. Quando o experimento de Miller-Urey é repetido com dióxido de carbono (CO2), nitrogênio (N2) e vapor d'água, em vez de hidrogênio, metano, amônia e vapor d'água, os aminoácidos não são produzidos. Já por volta de 1980, a maioria dos geoquímicos tinha concluído que o experimento de Miller-Urey era imensamente irrelevante para a origem da vida.
"Apesar de tudo isso, os livros texto de Biologia [e o Marcelo Gleiser] continuam a apresentar o experimento, completo com fotografias ou desenhos do aparato original de Miller, como evidência de que os tijolos construtores podiam ter se formado espontaneamente na Terra primitiva. Muitos relatos do experimento de Miller-Urey nos livros texto não informam os estudantes de que a atmosfera da Terra primitiva era provavelmente bem diferente da mistura de gases usados no experimento, ou que quando o experimento é repetido com uma mistura real ele não funciona. Mesmo os livros texto que tocam nos problemas com o experimento de 1953 tipicamente informam os alunos de que misturas de gases mais reais ainda produzem 'moléculas orgânicas', sem informá-los de que aquelas moléculas incluem elementos químicos tóxicos tais como cianureto e formoldeído, mas não incluem aminoácidos.
"A verdade é que os cientistas estão cada vez mais longe de entender como os tijolos construtores da vida se formaram na Terra primitiva, e mais longe ainda de entender como as células se formaram de tais tijolos construtores. Mas em vez de informar os estudantes de que a origem da vida permanece um mistério impenetrável, a maioria dos livros texto de Biologia dá aos alunos a falsa impressão de que os cientistas fizeram grandes avanços em compreendê-la. Uma vez que eles dão uma versão errônea do significado do agora já abandonado [mas reabilitado por Gleiser] experimento de Miller-Urey, e induzem os estudantes ao erro sobre o atual estado da pesquisa da origem da vida, esses livros textos não podem capacitar os estudantes na 'sua autonomia intelectual e do pensamento crítico' (LDB 9394/96)."
Acho que a poeira está é nos neurônios de alguns...
Nota: Para ler mais sobre o Marcelo Gleiser e seu quadro no Fantástico, clique aqui e aqui.