Mitos que ressurgem |
Por incrível que pareça, na era dos ônibus espaciais e dos
satélites orbitais, ainda há gente defendendo uma ideia que parecia superada: a
de que a Terra seria um disco plano. Os defensores disso vêm
sendo chamados de “terraplanistas”. Pior é que, em tempos de redes sociais,
ideias conspiracionistas com sabor sensacionalista como essa se espalham como
fogo em capim seco. Muitos desses ditos terraplanistas chegam a pensar que
estão defendendo a Bíblia, pois supõem que o Livro Sagrado retrata uma Terra
plana. Antes de mais nada, é bom que se diga que o mito da Terra plana é uma
ideia antiga utilizada justamente para desacreditar o cristianismo (confira aqui). À semelhança do mito do
embate de Galileu com a religião (confira aqui), o mito terraplanista
deriva de uma má compreensão – neste caso, da Bíblia e da ciência. Mitos devem
ser contestados com fatos (como aconteceu recentemente com o cinto de castidade), e o que faremos
neste texto é justamente contestar essa ideia com base nos textos inspirados,
na ciência e no bom senso.
O que diz a Bíblia?
“Ele é o que está assentado sobre o círculo da Terra, cujos
moradores são para Ele como gafanhotos; é Ele o que estende os céus como
cortina, e os desenrola como tenda, para neles habitar” (Isaías 40:22). A
palavra “círculo”, no original, é chug (חוּג) e significa somente “abóbada
dos céus”. Ela se repete em citações como Jó 22:14 e Provérbios 8:27. Isaías
fala simplesmente de um Deus atento ao que ocorre no mundo. Seria como se fosse
uma visão da Terra a partir do espaço; o profeta não queria dar aula de
astronomia, mas nem por isso ele disse uma inverdade cientifica. Trata-se de
uma linguagem claramente figurativa em que Deus está assentado sobre o círculo
da Terra (vista do espaço, uma esfera).
“Novamente O transportou o diabo a um monte muito alto; e
mostrou-Lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-Lhe: Tudo isto
Te darei se, prostrado, me adorares” (Mateus 4:8, 9). “E o diabo, levando-O a
um alto monte, mostrou-Lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E
disse-Lhe o diabo: Dar-Te-ei a Ti todo este poder e a sua glória; porque a mim
me foi entregue, e dou-o a quem quero” (Lucas 4:5, 6). Imaginar que com essa
passagem a Bíblia esteja também afirmando que a Terra é plana é pura
insensatez. Satanás pegou um helicóptero em Jerusalém e levou Jesus ao monte
mais alto do mundo? A ida ao monte alto tem um valor mais simbólico, afinal,
Jesus, como rei, estaria em posição elevada a todos os reinos.
“Ele é o que edifica as suas câmaras superiores no céu, e fundou
na Terra a Sua abóbada, e o que chama as águas do mar, e as derrama sobre a
Terra; o Senhor é o Seu nome” (Amós 9:6). Alguns interpretam essa passagem como
se fosse a descrição de um arco sobre um disco plano, mas o texto não fala que
a abóbada é o céu, e sim que Deus fundou sua abóbada na Terra. Mesmo que
fizesse referência direta ao céu, não significaria que o uso da palavra
“abóbada” no versículo seja referência a uma Terra plana com um arco em volta.
O que diz Ellen White?
Ver cristãos defendendo o terraplanismo já é espantoso, mas ver
adventistas enveredando pelo mesmo caminho plano é ainda mais assustador! Os
adventistas do sétimo dia consideram inspirados os escritos de Ellen White.
Muito embora esses escritos não sejam uma segunda Bíblia, eles são muito
importantes, uma vez que a autora recebeu orientação divina para escrevê-los.
Quando o assunto é Terra plana, bastam algumas citações de textos de Ellen
White para refutar a ideia:
“Deus qualificou o Seu povo para iluminar o mundo. Ele os dotou de
faculdades por meio das quais devem eles estender a Sua obra até que ela circunde o globo” (Conselhos
Sobre Saúde, 115).
“Satanás decidiu-se a fazer valer o seu direito de governar o
mundo. Fora bem-sucedido ao estabelecer a idolatria em toda parte do globo, exceto na terra da
Palestina” (O Grande Conflito, p. 514).
“Assim como os raios do Sol penetram até aos mais remotos recantos
do globo, assim é desígnio
de Deus que a luz do evangelho alcance a toda pessoa da superfície da Terra” (O
Maior Discurso de Cristo, p. 42).
Em duas ocasiões Ellen White
disse ter se encontrado com adventistas que defendiam a teoria da Terra plana.
Ela não entrou em debates sobre o formato da Terra, mas tentou mostrar como
essa questão era insignificante diante da mensagem bíblica a ser anunciada
pelos adventistas: “Quando uma vez certo irmão se chegou a mim com a mensagem
de que o mundo é plano, fui instruída a apresentar a comissão que Cristo deu
aos discípulos: ‘Ide, ensinai todas as nações, [...] e eis que Eu estou
convosco todos os dias, até a consumação dos séculos’ (Mateus 28:19, 20).
Quanto a assuntos como a teoria de que o mundo é plano, Deus diz a toda alma:
‘Que te importa? Quanto a ti, segue-Me [João 21:22]. Tenho-lhes dado sua
comissão. Insistam sobre as grandes verdades probantes para este tempo, não
sobre assuntos que não têm relação com nossa obra’” (Obreiros Evangélicos,
p. 314).
Em 1887 e em 1904, Ellen White escreveu duas cartas a respeito de adventistas que defendiam, nas palavras dela, a “teoria do mundo plano”. Os textos podem ser lidos no livro Manuscript Releases, v. 21, p. 412-415 (inédito em português).
Mas essas declarações não significam que Ellen White não tivesse uma posição definida sobre o assunto. Em 1900, ela escreveu: “Deus fez o Seu sábado para um mundo esférico; e, quando o sétimo dia chega para nós neste mundo arredondado, controlado pelo Sol, que governa o dia, em todos os países e regiões é o tempo para observar o sábado. [...] O sábado foi feito para um mundo esférico, sendo, portanto, requerida obediência das pessoas em perfeita harmonia com o mundo criado pelo Senhor" (Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 317).
Em 1887 e em 1904, Ellen White escreveu duas cartas a respeito de adventistas que defendiam, nas palavras dela, a “teoria do mundo plano”. Os textos podem ser lidos no livro Manuscript Releases, v. 21, p. 412-415 (inédito em português).
Mas essas declarações não significam que Ellen White não tivesse uma posição definida sobre o assunto. Em 1900, ela escreveu: “Deus fez o Seu sábado para um mundo esférico; e, quando o sétimo dia chega para nós neste mundo arredondado, controlado pelo Sol, que governa o dia, em todos os países e regiões é o tempo para observar o sábado. [...] O sábado foi feito para um mundo esférico, sendo, portanto, requerida obediência das pessoas em perfeita harmonia com o mundo criado pelo Senhor" (Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 317).
O que diz a ciência?
1. Se (a) a Terra é plana e (b) sempre é dia em alguma parte do
mundo, então não existe nascer do sol nem pôr do sol, exceto, talvez, em
regiões cercadas de montanhas altas. O mesmo se aplica à Lua: ela é sempre
visível em alguma parte da Terra, mas desce abaixo da linha do horizonte em um
momento e emerge do horizonte do lado oposto todos os dias.
2. Terraplanistas afirmam que, independentemente da altitude,
sempre vemos o horizonte plano e à altura dos olhos. Isso seria impossível se a
Terra fosse um disco. Só seria possível se ela fosse um plano infinito. Se é um
plano infinito, então por que não descobrimos muitas terras e/ou mares além da
Antártida?
3. Se a Terra fosse um disco com o Polo Norte ao centro e a
Antártida nas bordas, então, se estivéssemos em um avião a uma altitude de voo
de cruzeiro (ex.: 36.000 pés), poderíamos ver todos os continentes. Seria
possível ver China, Estados Unidos, Europa, África e Austrália,
simultaneamente, ao se sobrevoar São Paulo, por exemplo. Bastaria olhar para o
lado certo.
4. Ao viajarmos de avião sobre o oceano Atlântico ou Pacífico,
suficientemente afastados dos continentes, não vemos terra alguma, o que seria
impossível se a Terra fosse plana.
5. Em túneis sem desvios laterais horizontais e com muitos
quilômetros de extensão, não é possível ver uma entrada a partir da outra. Ao
se observarem as luzes de veículos se aproximando, elas parecem emergir do solo
a certa distância.
6. Em 2008, Fedor Filippovich Konyukhov demorou 102 dias para
circunavegar a Antártida em um barco a vela. Se a Antártida fosse a borda de um
disco de 20.000 km de raio, essa façanha seria inviável.
7. Ao fazer cálculos envolvendo curvatura da Terra, é importante
não usar para grandes distâncias fórmulas que valem apenas para pequenas
distâncias.
8. Ao comparar explicações da Terra plana com as da Terra
esférica, é importante não misturar contextos. No modelo da Terra esférica,
admite-se o fato observável diretamente de que tudo exerce força gravitacional
sobre tudo, o que implica em planos equipotenciais gravitacionais, os quais
definem o conceito de horizontal e vertical. Ao usar argumentos que dizem que
rios precisariam subir e descer antes de chegar ao mar, no modelo da Terra
redonda, essas coisas são sumariamente ignoradas.
9. Independentemente de a força gravitacional que sentimos ser
causada por um aparelho que fica constantemente acelerando o disco da Terra,
esse disco é feito de coisas que geram campo gravitacional, como é possível
demonstrar em experimentos bem acessíveis. Isso causaria um campo gravitacional
adicional que faria com que locais distantes do Polo Norte parecessem
inclinados. Para irmos em direção à Antártida, sentiríamos como se estivéssemos
escalando uma montanha. Além disso, o efeito dessa gravidade sobre a água faria
com que as águas dos oceanos se acumulassem em torno do Polo Norte, formando
uma imensa bolha, submergindo Canadá, Estados Unidos, Europa, Sibéria... Para
isso não acontecer, a Terra teria que ter um formato arredondado para compensar.
10. É importante entender que a teoria atual da Terra plana é bem
recente e foi inventada para ridicularizar o criacionismo.
11. Como é possível que os voos entre América do Sul e Nova
Zelândia, viajando somente no hemisfério Sul, tenham aproximadamente a mesma
duração que voos entre a América do Sul e a Europa?
O que diz o bom senso?
Um cristão que defende a tese da Terra plana acaba dando um grande
tiro no pé. Esse mito foi criado justamente para ridicularizar os crentes
(conforme está claro neste texto já mencionado, relacionado com o
ótimo e esclarecedor livro Inventando a Terra Plana). Atende
bem aos interesses dos inimigos da fé cristã e do criacionismo,
especificamente, a ideia de que os cristãos/criacionistas seriam defensores de
um argumento tão anticientífico. Como se não bastasse isso, defender teorias
conspiratórias como a da Terra plana e tantas outras é pura perda de tempo. É
desviar o foco para bobagens e perder de vista o essencial.
É realmente impressionante como existem pessoas que adoram
propagar teorias conspiratórias sem fundamento, gastam tempo e energia com
isso, enquanto negligenciam coisas infinitamente mais importantes.
Resumindo: o bom senso diz que existem coisas mais importantes
para fazer do que ficar espalhando ideias infundadas que não trazem benefício
algum, muito pelo contrário, atraem o deboche e o escárnio pelo motivo errado.
(Michelson Borges, Eduardo Lütz e Alex Kretzschmar)