Limitações do indutivismo |
(Nota: este é o primeiro texto de
uma série de dez feitos especialmente para este blog e que procuram lançar
alguma luz à pergunta: Como funciona a ciência? Ao longo das próximas cinco
semanas, esperamos que os leitores possam aprender um pouco sobre o
funcionamento de um dos mais importantes empreendimentos do conhecimento feito
pelo ser humano.)
A concepção de ciência que encontramos popularizada no senso comum é
fruto do indutivismo. Para quem o
advoga, conhecimento científico é conhecimento que foi testado e provado. Esse
tipo de saber seria seguro e absolutamente confiável porque começaria e
dependeria apenas das observações e das análises empíricas. Em outras palavras,
qualquer pessoa, empregando seus sentidos de forma rigorosa e utilizando
ferramentas adequadas, pode fazer experimentos e obter um conjunto X de dados
de forma objetiva. Na prática, ela pode perceber que um metal aquecido até a
temperatura X sempre irá derreter ou
que a água abaixo de Yº C sempre irá
congelar.
Com os fatos adquiridos pela observação, o cientista formula leis e
teorias que expliquem aquele dado fenômeno em condições universais, ou seja,
dadas determinadas condições ambientais, o metal sempre irá aquecer e a água
sempre irá congelar. Em tese, o conhecimento da ciência seria assim alcançado somente pela observação. Se os dados
apontam para essa universalização, constrói-se uma teoria que sempre explicará
essas informações. Os dados viriam antes, as teorias depois. Em tese, o que
teríamos hoje como fatos científicos seriam frutos desse processo
observacional, construída sobre fatos e que tem na experiência sua fonte de
conhecimento – sendo, por isso, confiáveis.
Essa forma de descrever a ciência não faz justiça ao método cientifico e
não é válida por várias razões. Um dos motivos é que o principio da indução não
é logicamente válido. Explico: o que caracteriza um raciocínio dedutivo é que dada a veracidade de suas
premissas, a conclusão é lógica e inevitável. Se for verdade que (a) tudo que
começa a existir tem uma causa, e se for verdade também que (b) o Universo
começou a existir, segue-se lógica e necessariamente que o (c) Universo tem uma
causa.
Mas com a indução não funciona assim. Na indução é possível ter
premissas verdadeiras e uma conclusão falsa. Na verdade, é possível até ter um
número X de premissas verdadeiras e uma conclusão aberta. O interessante é que
isso não é uma contradição. Afinal, para estabelecer uma regra geral, o raciocínio indutivo parte
de um grupo particular de observações. E quantas observações seriam confiáveis
a fim de oferecer uma generalização universal? É impossível saber. Depois de
olhar um número significativo de gansos, não é possível dizer que todos os
gansos são brancos. Isso por uma razão simples: nem todos os gansos do mundo
foram observados. Pode existir em algum lugar do Universo um ganso que seja
azul!
Um bom exemplo do por que o método indutivista
não é logicamente válido foi dado por Bertrand Russel (1872-1970). É a estória
do peru indutivista. Diz Russel que, numa “fazenda de perus”, um dos perus recém-chegados foi alimentado às 9h da manhã no primeiro dia. No segundo dia foi
mesma coisa. Terceiro dia, idem. Quarto... Sempre às 9h, sempre pela manhã e
sempre no mesmo
horário. Mas, sendo um indutivista cauteloso, ele decidiu não se apressar em suas
conclusões. Assim, resolveu analisar friamente e sem pressa uma grande
quantidade de fatos.
Depois de observar uma grande quantidade de “dados”, depois de muitos (muitíssimos) dias de observação, o peru percebeu que sempre às 9h da manhã ele era
alimentado, independentemente do dia, mês, tempo ou estação do ano.
Faça chuva, faça sol, quente ou frio, dia útil ou feriado, quando dava 9h,
estava lá o alimento.
Assim, o
peru concluiu corretamente: “Sou alimentado sempre às 9h da manhã.” O problema foi
que na véspera do Natal, às 9h da manhã, ele não foi alimentado, mas degolado. Suas
observações eram corretas, mas sua conclusão não
necessariamente era logicamente válida.
Moral da
história: uma inferência indutiva, ainda que com premissas verdadeiras, pode
levar a conclusões falsas. Na ciência, o método indutivo é importante, mas limitado. Afinal,
quantas observações são suficientes para “justificar” um dado científico? Dez? Mil? Cem mil? E em quantas “condições diversas” é preciso fazer isso para garantir que a
observação X é universal, sempre ocorreu, sempre foi assim e sempre será?
Um
dos pontos interessantes é que, na indução, o contrário também é complicado, ou
seja, uma única observação é capaz de induzir o observador para a conclusão X.
Pense bem: quantas bombas atômicas precisam ser lançadas para concluirmos que
bombas atômicas causam destruição em massa e trazem sofrimento para os humanos?
Não seria inadequado pedir mais de uma? “Ah, mas isso parece óbvio.” Parece. O que é óbvio para uma pessoa
pode não ser para outra. O “óbvio” se baseia, em grande parte, em nossa
cultura, imaginário, conceitos e preconceitos. Ou seja, é algo relativo – não
sendo por isso um guia confiável (afinal, não é obvio que o Sol gira em torno
da Terra?).
Isso
não quer dizer que o método indutivo e a observação não sejam importantes para
o conhecimento cientifico. Eles são. É seguro dizer que a ciência se baseia em
grande medida no método indutivo. Mas ele não é critério de demarcação para
definir o que é ou não é “ciência”.
(Bruno Ribeiro é formando em Comunicação Social [Rádio
e TV] pela Universidade Federal da Paraíba e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação
em Comunicação na mesma instituição)
Referências:
ALVES,
Rubem. Filosofia da ciência: introdução
ao jogo e suas regras. São Paulo, Loyola, 2006.
CHALMERS,
Alan. O que é ciência afinal? São
Paulo: Brasiliense, 1993.
RUSSEL,
Bertrand. Os problemas da filosofia.
Lisboa: Edições 70, 2008.