segunda-feira, março 10, 2014

O “milagre” duplo da evolução dos morcegos e das flores

Mecanismos interdependentes
A criatividade da natureza não tem limites [!!!]. Considere, por exemplo, o caso do morcego nectarívoro e a trepadeira de floração noturna cujas vidas se entrelaçam nas planícies de floresta tropical da América Central. O Glossophaga commissarisi, um minúsculo mamífero alado de corpo menor do que um polegar, paira entre as flores da Mucuna holtonii, sugando néctar como fazem beija-flores e abelhas. Em troca, ele poliniza a planta. Durante o dia, flores podem ostentar seus atributos através de cores fortes como escarlate e fúcsia. Porem, à noite, quando mesmo os matizes mais intensos esmaecem e ganham os tons prateados do luar, as flores da Mucuna recorrem ao som para se fazerem ouvidas por morcegos nectarívoros. Na Estação Biológica de La Selva, na Costa Rica, uma antiga e resistente Mucuna teceu um pergolado de folhas sobre uma clareira na mata, do qual surgem dezenas de flores em longos e verdes pedúnculos. As flores balançam a uma altura vertiginosa na abóbada de folhas, como lustres em um salão sombrio. Cada inflorescência de um palmo de comprimento é um verticilo amarelo claro, do qual surgem botões em forma de vagem com hastes arqueadas.

No início da noite, os botões da trepadeira se preparam para os morcegos. Primeiro, a pétala verde superior que recobre cada botão abre verticalmente, erguendo-se sobre o botão como um farol brilhante. Abaixo dessa pétala, duas pequenas pétalas laterais se abrem, revelando uma abertura no topo da vagem. A fenda exala um odor leve e sedutor de alho, um sinal de longa distância que atrai os servos alados da Mucuna em sua área de alcance.

Morcegos usam altas frequências como uma ferramenta. Com suas cordas vocais, eles emitem ruídos curtos e rápidos por suas narinas ou bocas, modelando as ondas sonoras e interpretando as mudanças de padrão no som que é refletido de volta até seus sensíveis ouvidos. A informação recebida é processada de forma ágil e contínua, permitindo que os morcegos ajustem seu percurso em pleno voo enquanto perseguem um mosquito ou revoam com velocidade entre árvores floridas.

A maioria dos morcegos se alimenta de insetos e utiliza ondas poderosas e de longo alcance, propagadas a cada elevação de suas asas. Morcegos nectarívoros emitem sons suaves, mas sofisticados, aos quais cientistas se referem como frequência modulada. Essas ondas priorizam os detalhes em detrimento da distância. Com maior eficiência em um raio de quatro metros, elas refletem imagens com informações precisas sobre tamanho, formato, posição, textura, ângulo, profundidade e outras características que só o morcego pode interpretar.

No sombreado salão da Mucuna em La Selva, a pétala sinalizadora em formato de cuia funciona como um espelho, recebendo as emissões dos morcegos e respondendo-as com dados claros e precisos. Com visão, audição e olfato treinados para mirar na pétala, o morcego agarra a flor em um abraço veloz.

O encaixe é perfeito. O morcego posiciona sua cabeça na abertura curva, segura a base da pétala com seus polegares, recolhe sua cauda e ergue as patas traseiras rapidamente. Segurando-se na vagem, ele introduz seu focinho na abertura odorífera. A longa língua do morcego desfere um golpe oculto, explodindo a vagem. Enquanto ele se aconchega no néctar da flor, as anteras antes comprimidas emergem de dentro da estrutura, lançando uma camada de pólen dourado sobre a parte posterior do morcego.

Depois de explodir e esvaziar dez botões, os morcegos se vão. Seu metabolismo de alta octanagem e sua parca dieta à base de água adocicada não lhe permitem delongas: cada morcego visita centenas de flores a cada noite.

Com seu mecanismo explosivo e uma generosa oferta de néctar, a Mucuna holtonii está entre as raras flores que permitem o pouso desses animais (morcegos podem esvaziar as flores de espécies menos opulentas pairando sobre elas por dois décimos de segundo).

As cerca de 40 espécies da subfamília Glossophaginae são a esquadrilha de elite dos morcegos nectarívoros. Elas pertencem à família dos morcegos de nariz-de-folha do Novo Mundo, nativos dos trópicos e subtrópicos do hemisfério ocidental. Os ornamentos apresentados na região nasal oferecem um ajuste fino às sofisticadas emissões de ecolocalização dos animais.

Os morcegos nectarívoros desenvolveram uma parceria benéfica com certas famílias de plantas floríferas, definida por biólogos como quiropterofilia – de Chiroptera, a ordem dos mamíferos a que o morcego pertence, e philia, “amor” em grego. Contudo, essa não é uma história romântica. A razão de ser desse relacionamento não está na paixão, mas sim nas questões básicas da vida: sobrevivência e reprodução.

Trocar néctar por polinização é uma transação delicada e que traz um dilema para a planta. Para plantas de floração noturna, é interessante que a oferta de néctar seja econômica, pois morcegos bem alimentados visitam menos flores. Por outro lado, se a planta oferecer muito pouco, o morcego prestará seu serviço em outro local. Ao longo dos milênios, as plantas polinizadas por morcegos desenvolveram uma solução interessante [sic]: elas driblaram o problema da quantidade (e da qualidade) de néctar ao investirem na maximização da eficiência das visitas dos morcegos.

Assim, plantas que florescem à noite expõem suas estruturas em posições de destaque, acessíveis durante o voo – fáceis para os morcegos encontrarem e se alimentarem e longe do alcance de predadores arbóreos como cobras e gambás. Elas incrementam o odor de suas flores com compostos sulfúricos, um estímulo de longa distância irresistível para morcegos nectarívoros (mas não para humanos – o perfume dessas flores já foi descrito como algo pavoroso, lembrando repolho, couve-rábano e alho, ou ainda o cheiro de umidade, folhas caídas, leite azedo, urina podre, gambá, cangambá, carniça e cadáver).

A trepadeira Mucuna e algumas outras plantas vão mais além. Elas modelam suas flores de modo a se fazerem ouvidas pelos morcegos.

Até 1999, ninguém fazia ideia de que plantas utilizam certas formas que refletem o som para facilitar a visita dos morcegos. Naquele ano, os biólogos alemães Dagmar e Otto von Helversen, da Universidade de Erlangen, estudavam acústica nos morcegos de La Selva. Lá, Dagmar percebeu que a pétala sinalizadora da Mucuna era incrivelmente semelhante a um localizador – um claro sinal acústico, o equivalente sonoro da luz de um farol. Testes em campo com pétalas modificadas da Mucuna confirmaram a teoria.

Depois da observação, os von Helversen iniciaram uma investigação mais abrangente sobre os ecos das flores, usando uma colônia de morcegos de cativeiro em seu laboratório em Erlangen. Sob a supervisão do casal, o então assistente de pesquisa Ralph Simon treinou os morcegos para se alimentarem de néctar em bebedouros de diversos formatos, que foram posicionados aleatoriamente. As formas arredondadas e rasas se mostraram mais fáceis de serem localizadas pelos animais.

Em seguida, Simon descobriu essas formas em flores naturais, incluindo uma espécie com sinalizadores em formato de prato que ele identificou pela primeira vez em uma revista sobre natureza (as estruturas florais rechonchudas, vermelhas e repletas de néctar confundiram os editores, que pensaram se tratar de uma fruta). Intrigado, ele viajou até Cuba, onde a flor havia sido fotografada. Rastejando em uma floresta à noite, sozinho, o entusiasmado cientista viu morcegos bebendo néctar enquanto as flores os recobriam com seu pólen dourando, confirmando suas suposições.

Uma folha em forma de prato realmente ajuda os morcegos a localizarem a flor mais facilmente? De volta ao laboratório, Simon descobriu que posicionar uma réplica da folha em forma de prato sobre o bebedouro reduzia o tempo de busca dos morcegos pela metade. Já a réplica de uma folha plana e inalterada sobre um bebedouro não marcado gerava um aumento relevante no tempo de busca.

“Uma folha plana normal reverbera a onda uma única vez”, explica Simon, “mas a folha em forma de prato retorna ecos mais intensos, múltiplos e em ângulo bastante amplo, enquanto o morcego se aproxima. É como um localizador de verdade, pois seu eco tem um timbre especial, que se destaca tal qual uma flor colorida em meio à vegetação verde”.

Já pós-graduado, Simon foi adiante e construiu uma cabeça de morcego robótica e móvel, instalando um pequeno alto-falante ultrassônico e dois receptores no triângulo formado pelo nariz e orelhas do animal. Ele disparou sons complexos de frequência modulada similares aos do morcego nectarívoro através do nariz robótico, direcionou-os a flores fixadas em um suporte rotatório e gravou seus ecos nas orelhas eletrônicas. Assim, ele colheu as “assinaturas” ecoacústicas das flores de 65 espécies de plantas com flores polinizadas por morcegos. Cada flor testada por Simon possuía uma “impressão digital” única e evidente.

De modo geral, Simon percebeu que as flores visitadas por morcegos compartilham diversas adaptações sonoras [sic]. Todas elas possuem superfícies cerosas altamente capazes de refletir o som e seus tamanhos e formatos são extraordinariamente consistentes de amostra para amostra. Usando as identidades de 36 flores de 12 espécies como base de comparação, Simon (que a essa altura já havia concluído seu doutorado) escreveu um programa que classificou 130 novas flores quanto à sua espécie, baseando-se somente no som. O programa confirmou aquilo que os morcegos já sabiam há muito tempo: algumas flores falam o idioma deles.

Por que as plantas investem tanto na atração e recompensa desses morcegos? De acordo com Simon, “é porque morcegos são os polinizadores mais eficazes”. “Eles valem o esforço”.

Um estudo de 2010 conduzido pelo ecologista evolucionário Nathan Muchhala, na Universidade de Missouri (St. Louis), comparou beija-flores e morcegos e constatou que, em média, a distribuição de pólen realizada pelos mamíferos era dez vezes maior. Além disso, os morcegos carregam o pólen por longas distâncias. Estima-se que beija-flores sejam capazes de distribuir pólen em um raio de cerca de 200 metros. O maior viajante entre os morcegos nectarívoros, o Leptonycteris curasoae busca alimento a até 50 quilômetros de seu abrigo. Para plantas de florestas tropicais, que frequentemente se encontram dispersas, a área de ação do morcego representa uma grande vantagem. Essa polinização de longo alcance vem se tornando cada vez mais importante, à medida que as florestas estão se tornando mais e mais fragmentadas por conta do desmatamento. [Mas como as plantas “souberam” disso? A sobrevivência delas não depende de que seus pólens sejam espalhados longe ou perto...]

Por volta de 1790, o biólogo italiano Lazzaro Spallanzani foi ridicularizado ao sugerir que morcegos usavam sua audição para enxergar no escuro. Um século e meio depois, no final da década de 30, cientistas descobriram como isso acontece. Hoje, passados mais 75 anos, sabemos que, junto à capacidade dos morcegos de “enxergar” através do som, as plantas moldaram suas flores para serem ouvidas [sic], tornando-se tão brilhantes para os morcegos quanto suas coloridas equivalentes diurnas o são para os olhos de seus polinizadores.


Nota: Qualquer um que ler a matéria acima sem a “contaminação” ideológica do naturalismo filosófico darwinista terá que admitir que o processo todo envolve muito planejamento, muito design inteligente. Do contrário, teremos que aceitar o “milagre” do desenvolvimento independente por múltiplas etapas de mecanismos individuais (nos morcegos e nas plantas) perfeitamente compatíveis. [MB]