segunda-feira, setembro 28, 2015

O papa que conquistou o mundo

"Consciência moral da humanidade" 
Quando se fazem experiências no Grande Colisor de Hádrons, o acelerador de partículas ou LHC, a informação gerada e capturada pelos computadores é tanta que os cientistas levam meses e até anos para analisar a montanha de dados. De certa forma, a passagem do papa Francisco pelos Estados Unidos foi como uma tremenda colisão de partículas. Em uma semana, foi gerada tanta informação que chegou a deixar o mundo aturdido. Vai levar um bom tempo para digerir tudo o que aconteceu, tudo o que foi dito.

Na Casa Branca, a convite do presidente Barack Obama que o recebeu no aeroporto, honra concedida a pouquíssimos, o papa Francisco disse que “a mudança climática é um problema que não podemos deixar para as gerações futuras. [...] Estamos em um momento crítico. Estamos a tempo de fazer a mudança de que necessitamos, de criar um mundo sustentável.” Para o papa, somente um governo global poderá dar conta desse desafio.

No dia seguinte, falando no lotadíssimo Congresso norte-americano, aplaudido de pé várias vezes, o primeiro papa a discursar ali disse que é preciso combater o fundamentalismo em todas as suas formas, as polarizações e promover a união pelo bem comum. Com isso todos concordam, embora a maioria ignore as nuances delicadas desse discurso. O presidente da Câmara, o republicano John Bohener, é católico, assim como a líder da minoria democrata, Nancy Pelosi. Bohener derramou lágrimas ao ouvir as palavras do papa. Ao todo, Francisco foi aplaudido 36 vezes.

Na sexta-feira, dia 25, diante dos líderes de 193 nações, enquanto a bandeira do Vaticano tremulava pela primeira vez entre as bandeiras dos países membros da ONU, no gigantesco “templo laico” da democracia globalizada, nunca antes tão repleto de gente, Francisco apresentou outro discurso fortemente aplaudido. O papa falou sobre a necessidade de se deixar de lado ideologias e procurar o bem comum. Ele disse que “nenhum indivíduo ou grupo humano pode se considerar onipotente, autorizado a passar por cima dos outros”.

Mas foi durante a missa em frente ao Independence Mall, na Filadélfia, no último dia de sua visita aos Estados Unidos, que o papa disse aquela que talvez seja a sua frase mais contundente: segundo o líder católico, é preciso que sejam estabelecidas leis para criar “condições mínimas e necessárias para que as famílias, especialmente as que estão começando, possam se desenvolver”. Quem conhece um pouco as ideias e propostas de Francisco sabe que ele já propôs que o domingo seja um dia para preservar a família, além de ajudar a salvar o meio ambiente. É bastante significativo que ele tenha tocado nesse assunto justamente em frente ao prédio em que foi assinada a Constituição Americana, em 1787.

Seria difícil os Estados Unidos aprovarem uma lei que garantisse o descanso dominical? Bem, o recado já foi dado por Francisco. E se levarmos em conta que
31% dos congressistas norte-americanos são católicos, em comparação com os 22% da população do país, e que na Corte Suprema seis dos nove juízes são católicos, parece não ser muito difícil a aprovação de uma lei dessa natureza.

O fato é que a passagem do papa Francisco pela maior nação protestante mostra que ele conquistou o planeta. O jornal El Mundo de hoje traz a manchete: “América proclama Francisco líder moral planetário”, e diz que os Estados Unidos se renderam aos seus pés ao se proclamar líder global.

E na Folha de S. Paulo desta segunda-feira, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Ricupero, escreveu: “Que outro líder mundial seria capaz, em uma semana, de conquistar o homem da rua e os poderosos de dois países opostos em tudo, como Cuba e Estados Unidos? Qual é o segredo de Francisco, única pessoa que consegue ser aplaudida por 193 países da ONU e escutado com respeito pelo mais polarizado e rancoroso congresso da história americana? [...] Em meio a um deserto de líderes, de políticos medíocres, sem grandeza, que erguem muros contra gente desesperada, ele brilha como a consciência moral da humanidade.”

Assim como a superlua foi eclipsada pela sombra da Terra ontem à noite, Francisco vem eclipsando todos os líderes do planeta, submetendo-os à sua influência e conquistando respeito e espaço para contar com todos na aprovação de suas propostas.

Michelson Borges