10 milhões de espectadores na estreia |
Fãs
de histórias com personagens mortos-vivos estão contando os dias para a estreia
de mais uma temporada do seriado The
Walking Dead e sua trama de sobrevivência em meio a um apocalipse
zumbi. O seriado se tornou tão popular que até deu origem a outro, Fear the Walking Dead, que acaba de ter
a estreia com a nota mais alta já dada pelo público na história da TV a cabo
americana. Além disso, o sétimo filme da franquia Resident Evil deve ser lançado no ano que vem. Ou seja, se há
uma coisa que sabemos seguramente sobre os zumbis é que eles sempre voltam.
Ainda não nos cansamos dessas criaturas. E de onde vem esse fascínio? Bem, é
comum creditar o início do culto contemporâneo aos zumbis a A Noite dos Mortos-Vivos, um filme B
feito pelo diretor George Romero em 1968. Na realidade, a produção nunca usa a
palavra “zumbi” e é uma adaptação pouco fiel do romance de terror Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson, na
qual o último ser humano vivo tenta encontrar a cura para o “vírus do
vampirismo”.
Mas
os primeiros filmes de mortos-vivos datam de muito antes. Em 1932, meses depois
da estreia das adaptações da Universal para as histórias de Drácula e
Frankenstein, foi lançada a fita White
Zombie, de Victor Halperin. O filme trazia várias explicações detalhadas
sobre os zumbis para o público americano, transportando para a cultura popular
uma série de crenças vindas do Haiti e das Antilhas francesas, no Caribe. Os
zumbis de hoje são o resultado da transposição e adaptação dessa exótica
criatura das partes pobres das colônias para o centro do império.
Também
se especula que a palavra venha de línguas da África Ocidental –ndzumbi significa “cadáver” no
idioma mitsogo, do Gabão, enquanto nzambi quer
dizer “espírito de um morto” em quicongo, falada no antigo Reino do Kongo e
hoje uma língua nacional em Angola. Era desses lugares que os traficantes de
escravos europeus traziam uma enorme quantidade de africanos para trabalhar nas
plantações de açúcar das Índias Ocidentais, gerando lucros que alimentaram a
ascensão da França e da Inglaterra como potências mundiais.
Os
escravos levaram sua religião para o outro lado do Atlântico, mas a lei
francesa os obrigava a se converterem ao catolicismo. O que surgiu, então, foi
uma série de elaboradas religiões artificiais, que misturam com criatividade os
elementos de diversas tradições, como o vodu do Haiti, o obeah da Jamaica e a
santeria, de Cuba.
E
o que é o zumbi? Na Martinica e no Haiti, ele poderia ser um termo geral para
descrever um espírito ou um fantasma – qualquer presença perturbadora que
assumiria uma miríade de formas à noite. Mas gradualmente foi se espalhando a
crença de que feiticeiros poderiam fazer suas vítimas parecerem mortas –
através de magia, hipnose ou até uma poção secreta – e aí reavivá-los para
servir como seus escravos particulares.
O
zumbi, de fato, é o resultado lógico de ser um escravo: alguém sem vontade
própria, sem nome e preso em uma espécie de morte em vida.
As
nações imperiais europeias ficaram obcecadas pelo vodu no Haiti por um único
motivo: as condições na colônia francesa eram tão horríveis e a mortalidade
entre os escravos era tão alta que uma rebelião iniciada nas camadas baixas
conseguiu finalmente eliminar os senhores de escravos em 1791. Rebatizado como
Haiti, em vez do nome francês Saint-Dominique, o país se tornou a primeira
república negra independente do mundo, depois de uma longa guerra
revolucionária, em 1804.
Desde
então, o Haiti foi sempre demonizado como um lugar violento, cheio de
superstições e morte porque sua própria existência era uma ofensa aos impérios.
E durante todo o século 19, relatos de canibalismo, sacrifício humano e
perigosos rituais místicos no Haiti eram constantes.
Foi
apenas no século 20, depois que os Estados Unidos ocuparam o Haiti, em 1915,
que essas histórias e rumores começaram a rondar a figura do “zumbi”. Forças
americanas tentaram fazer uma destruição sistemática da religião local, o vodu,
o que acabou por reforçar seu poder.
É
interessante notar que White Zombie tenha
aparecido em 1932, bem no fim da ocupação americana no Haiti. Os Estados Unidos
foram ao país para “modernizá-lo”, mas, em vez disso, voltaram para casa
carregando essa superstição “primitiva”. As revistas americanas de pulp fiction das décadas de 20 e 30
se encheram cada vez mais de contos sobre mortos-vivos vingativos, que saíam de
suas covas em busca de seus assassinos. Se antes eles não passavam de espectros
imateriais, agora tinham a forma de corpos apodrecidos que cambaleavam nos
arredores dos cemitérios.
Mas
não foram as revistas as principais responsáveis por trazer a figura do zumbi
para o mundo sobrenatural americano. Dois importantes autores do fim dos anos
20 viajaram para o Haiti e disseram ter encontrado verdadeiros mortos-vivos. Um
deles foi o escritor, jornalista e ocultista William Seabrook, que visitou o
país em 1927 e produziu A Ilha da
Magia contando a viagem. Seabrook era um famoso entusiasta do “primitivismo”,
tendo tentado participar de um culto canibal na África e se iniciado nas
cerimônias vodus haitianas.
Em
um dos capítulos do livro, ele relata seu encontro com zumbis que trabalhavam
nas plantações de cana de açúcar durante a noite. O autor é até hoje creditado
como o responsável por levar o termo “zumbi” para o vernáculo americano.
Outra
que visitou o Haiti naquela época foi Zora Naele Hurston, venerada autora negra
americana que se formou em antropologia e passou vários meses no país caribenho
para se tornar sacerdotisa do vodu. Em seu diário de viagem informal, que
depois foi publicado com o título de Tell
My Horse (1937), Hurston não só afirma que os zumbis existem como
relata seu encontro com um deles, com uma foto para “provar”. A autora sofreu
gozações por causa de sua credulidade, mas hoje acredita-se que se a mulher que
ela capturou com sua câmera não era uma verdadeira zumbi, era ao menos alguém
que tinha sofrido uma morte social, isolada de sua comunidade e sofrendo de uma
grave doença mental. É mais um dos traumas históricos provocados pela
escravidão: uma condição em que uma pessoa fica desprovida de sua personalidade
e de qualquer ligação com outros indivíduos, arrastando-se por uma existência
morta.
The Walking Dead também
ecoa essa história. O seriado raramente destaca seus cenários, mas os vários
grupos de sobreviventes atravessam a Geórgia por terras que já foram
trabalhadas por mãos escravas. Entender a história dos zumbis é entender as
ansiedades que essa figura ainda tenta apaziguar na cultura contemporânea
americana, onde o racismo continua sendo um assunto de suma importância.
Nota:
Levando em conta o contexto do grande conflito entre o bem e o mal, e
recordando que a mentira original pregada por Satanás (usando uma serpente como
médium), lá no Éden, teve a ver com a imortalidade incondicional, fica fácil
perceber que essa onda de apologia à vida após a morte e ao satanismo não se
trata apenas de um fenômeno com origens e implicações sociológicas. É interessante
notar que os EUA (uma nação nominalmente cristã) foram ao Haiti para “resolver
um problema” e acabaram levando o problema para o seu território. Hoje a “onda
zumbi” gestada naqueles países animistas está ganhando o mundo em grande medida
por meio das produções hollywoodianas de um país que se dizia cristão! Cavalo de Troia! Outra
jogada do mestre (das trevas). [MB]