sábado, janeiro 17, 2009

Uma pedra no meio do caminho

Quando cheguei à borda do penhasco e contemplei o vale quase 250 m abaixo, senti o sangue gelar. As roldanas já estavam posicionadas no cabo de aço da segunda maior tirolesa do mundo, a jaqueta de nylon protegia do vento frio, o mosquetão, a cadeirinha, tudo estava no lugar certo; segurança total. Mas quem disse que eu conseguia dar o último passo que me faria descer a mais de 90 km por hora, numa viagem de mais de um minuto e meio, com extensão de quase 2 km? O pastor e alpinista Gerson Ritter, líder associado de Jovens da Associação Paulistana da Igreja Adventista, resolveu o impasse: “Você quer descer com emoção ou sem emoção?”, e já vinha para me empurrar. Detesto que me empurrem, e me soltei no ar. Agarrei-me à fita vermelha que unia o mosquetão às roldanas (puro consolo psicológico) e senti o ar gelado castigar as orelhas. O zumbido produzido pelas roldanas no cabo se misturava ao canto dos pássaros nas árvores centenas de metros abaixo. As vacas que pastavam indiferentes pareciam minúsculas. Foi uma mistura de adrenalina e fascinação. A natureza vista dali é linda! A sensação de liberdade, indescritível.

Aos poucos, a velocidade começou a diminuir e cheguei ao fim da viagem. Lá embaixo, o Fernando e alguns jovens do clube de líderes da Igreja Adventista do Riacho Grande, em São Paulo, me esperavam para, de carro, voltarmos ao morro da Pedra Bela, uma rocha escarpada que dá nome à cidade de cerca de seis mil habitantes, a 38 km de Bragança Paulista. A tirolesa foi só o “aquecimento” para os desafios que nos esperavam.


Depois de percorrer cerca de três quilômetros de estrada, voltamos a subir os mais de 200 degraus da escada que leva ao topo da Pedra Bela. Os 20 jovens de Riacho Grande, juntamente com o pastor Gerson, o Fernando e eu iríamos encarar uma tirolesa de 50 m, num paredão localizado uns 30 m à direita da tirolesa. Além da coragem, precisaríamos de força agora, já que, depois de chegar ao sopé do monte, faríamos exercícios de escalada.

Quando minha vez se aproximou, pedi ao Fernando que tivesse a honra de descer antes de mim (lembrei-o de que no salto de pára-quedas, meses antes, eu havia ido na frente). Ele topou. Em seguida, reforcei as energias com duas barras de cereais, tomei uns goles de água e me posicionei na borda do abismo. Depois de uma rápida instrução dada pelo Cassiano, líder de Desbravadores do Riacho Grande, comecei a descida. De início, evitei olhar para baixo. Mas, à medida que fui me acostumando com a situação e pegando o jeito da coisa, me permiti curtir um pouco a paisagem. De um lado e de outro, lindos campos enchem a vista. Aqui e ali, uns lagartinhos passeavam pela rocha, como se estivessem esnobando os humanos que se esforçavam tanto para descer e subir, com suas cordas dinâmicas de dezenas de reais o metro.

Lá embaixo, descansamos um pouco, enquanto o Cassiano e o pastor Gerson posicionavam as cordas para o último desafio: a escalada. Aproveitamos para conversar um pouco sobre as atividades do clube de líderes e os privilégios de fazer parte de uma juventude tão feliz e ativa. O fisioterapeuta Ângelo Breda Filho, líder do clube do Riacho Grande, me contou como as atividades desenvolvidas por eles ajudam os jovens a crescer física, mental e espiritualmente, coisa que pude perceber no rosto e no condicionamento físico do pessoal que conversava animadamente ali naquele pedaço privilegiado da natureza.

Cordas fixadas, começamos a escalada de cerca de 25 m. Decidi não ser o primeiro a subir (nem o segundo, terceiro...). As moças e rapazes iniciaram a escalada do rochedo, de dois em dois – alguns mais ágeis, outros nem tanto. Depois de amarrada a corda de segurança em meu mosquetão, lá fui eu também. O esforço que fiz com as pernas foi enorme e nem sempre era fácil encontrar apoio para os pés e as mãos naquele paredão de mais ou menos 80 graus de inclinação. Quando havia subido uns 15 m, estava ofegante, sentia uma ligeira cãibra na perna esquerda, as mãos arranhadas e não conseguia mais encontrar apoio para os pés. Aproximei o corpo do paredão para descansar um pouco e concluí que não valia a pena prosseguir. “Já sei como é isso e experimentei o bastante para escrever o texto”, consolei-me. Avisei que iria descer, posicionei o corpo e fiz o rapel de volta ao solo. A conversa que se seguiu foi um misto de provocação e incentivo:

– Que é isso?! Vai amarelar? E, depois, vai escrever que não conseguiu subir? – atiçou o Fernando. Em seguida, ele subiu e fez bonito.

– Vai lá, Michelson! Você consegue – animaram-me alguns jovens e o Fernando, com conhecimento de causa.

Olhei para cima e mais uma vez encarei a montanha (o que a gente não faz por uma boa reportagem...). Dessa vez, resolvi ir até o fim sem parar e com passadas mais curtas, para evitar a cãibra. Deu certo. Lá embaixo, pude ouvir palmas e gritos de comemoração. Ainda bem que fui animado pelo pessoal. O gosto da vitória, da superação, é muito bom!

Recolhidas as cordas, posamos para a “foto oficial” e nos despedimos, certos de que havíamos mais uma vez experimentado o prazer de estar vivos e de pertencer a uma família que valoriza a natureza e ama seu Criador.


(Michelson Borges. Texto originalmente publicado na revista Conexão JA)

Leia também: “Mergulho no céu” e “O segredo da muralha”