Um país movido a BBBs e Paollas |
Nos anos
1980, Renato Russo vociferava nas rádios, nos toca-discos e nos toca-fitas
(lembra deles?): “Que país é esse?”, em sua música na qual atacava os desmandos
políticos da nação. “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém
respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é
esse?” Três décadas se passaram (e como passaram rápido!), mas muito pouca
coisa mudou no aspecto político. Houve, sim, um rodízio de cadeiras, mas a
roubalheira continuou. Nosso dinheiro apenas passou a rechear outros bolsos.
Mas, para quem acha que as coisas não podem piorar e que o fundo do poço não
pode ser ainda mais escavado, convido-o a pensar no aspecto moral deste país.
Aí bate o desânimo de vez. Vem outro carnaval aí, e o Ministério da Saúde volta
a espalhar seus conselhos: transe à vontade, tudo é festa, só não se esqueça de
usar a camisinha. Na TV, mais uma das não sei quantas edições do Big Brother
Brasil ganha espaço na mídia, com matérias como esta, no site da maior revista
semanal do País: “São
apenas oito dias de confinamento, mas a carência afetiva já sobe pelas paredes
da casa do Big Brother Brasil 15. Que o
digam Rafael e Talita, que decidiram parar de se segurar e deram início, nesta
madrugada, ao rali sexual da edição 2015 do reality
show, logo após a Festa Árabe preparada pela produção. Com respiração
ofegante, juras de amor e peças de roupas íntimas perdidas, ficou bastante
claro: já rolando de um tudo embaixo dos edredons. Mesmo sem o devido preparo:
a aeromoça teve de solicitar à produção do programa uma pílula do dia seguinte,
para garantir que não venha um rebento com cara de Pedro Bial por aí.”
Bastante instrutivo, não? Mesmo quem não assiste fica
sabendo do que acontece debaixo dos tais edredons. E, para a moçada desta
pátria amada, fica o ensinamento: faça o que você quiser, só não deixe de se
prevenir com preservativo e pílula abortiva, como se houvesse preservativo para
os sentimentos e as consequências inevitáveis de uma vida desregrada. “Que país
é este?”
Nas redes sociais, em lugar de debaterem seriamente a
triste situação da Petrobrás, o risco iminente de que milhões de pessoas acabem
sem água e no caos urbano, a perseguição e a morte de cristãos em países
dominados por radicais islâmicos (imagine que alguém vai dar bola para eles...
Pra que estragar nossa festa, não é mesmo?), o assunto que ganhou destaque,
ficando no topo dos Trend Topics do
Twitter e na boca do povo, foi uma parte anatômica da atriz Paolla Oliveira,
que, fiquei sabendo depois, faz o papel de uma prostituta numa série intitulada
“Felizes Para Sempre”, veiculada na maior emissora de TV do Brasil – a mesma
que usa sua concessão pública para exibir o educativo BBB.
Como levar este país a sério? O carnaval está chegando.
Pode até faltar água, mas não nos tirem o pão, a cerveja e o circo. Podem até
roubar nosso suado dinheirinho, só não nos deixem sem a diversão garantida
pelos BBBs e as Paollas da vida. Queremos distração. Queremos perversão. O
maior problema não será a sede e a sujeira ocasionadas pela falta d’água. O
maior problema é a sujeira moral, do coração, e a fome da alma, que estão ali,
mas todos tentam ignorar, fazendo de conta que não existem.
Que país é este? O pedaço de um mundo à beira do
precipício, a poucos centímetros de cair nele.
Michelson Borges
Obs.: Por que resolvi escrever este texto? Porque o barulho distante, mas irritante, do ensaio de uma escola de samba ou baile, não sei, atrapalhou meu sono.