Culpa da religião ou dos homens? |
Nos últimos dez anos, 101
torcedores morreram em brigas de estádio no Brasil. O número é cinco vezes o de
mortos em ataques de terroristas muçulmanos na França e o dobro das vítimas da
Inglaterra no mesmo período. Podemos então dizer que esporte mata? Que o
futebol provoca violência? Pois é exatamente o que fazemos quando culpamos a
religião pelo terrorismo. A crueldade do ataque aos jornalistas do Charlie Hebdo faz muita gente ligar os pontos e
afirmar que religião causa violência. Gente graúda pensa assim – como Richard
Dawkins, na minha opinião um dos gênios vivos da ciência [na opinião de
Narloch, fique claro]. Também parece haver bons argumentos para essa ideia. As
cruzadas, as carnificinas entre protestantes e católicos nos séculos 16 e 17,
os conflitos entre hindus e muçulmanos na Índia: banhos de sangue em nome da fé
são frequentes na história.
Mas isso é um mito. Religião não
provoca violência, ou melhor: provoca tanta violência quanto qualquer
identidade de grupo. O homem mata em nome da fé, mas também em nome de
ideologias políticas, da nação, de etnias, da escolha sexual, do estilo de
roupas e músicas (como as gangues de Nova York dos anos 80) ou em nome de times
de futebol. O problema não é a religião, mas a tendência humana à hostilidade entre
grupos [portanto, os que matam em nome da religião, pelo menos os “cristãos”, não
estão verdadeiramente seguindo a religião que dizem seguir].
[Depois de um blá-blá-blá evolucionista
em busca da origem da violência, Narloch conclui:] Basta uma olhadela na
história mundial para perceber que boa parte dela se resume a hordas, gangues,
tropas, tribos, times, bandos, exércitos – enfim, coalizões de homens jovens
cooperando entre si – lutando contra outras coalizões de homens jovens. A
religião, nessa história, é mais um pretexto para justificar uma antiga
tendência humana ao antagonismo entre grupos.
Não nego que algumas crenças
incitem os fiéis à violência e sejam mais problemáticas que outras. Mas achar
que guerras e atentados diminuiriam se as religiões acabassem é ser otimista
demais com o homem. Como mostrou o século 20, não é preciso religião para haver
massacres e genocídios.
(Leandro
Narloch, Veja)
Nota:
Faltou Narloch mencionar que os regimes comunistas ateus levaram à morte muito
mais pessoas que a Inquisição, as Cruzadas e todos os atentados terroristas
juntos. Seria certo dizer que o ateísmo provoca violência? [MB]