O romancista russo Aleksandr Soljenitsyn, falando da derrocada espiritual de seu país, escreveu: “Se me pedissem, hoje, para formular, de modo conciso, a principal causa da ruína que foi a revolução russa, que sacrificou cerca de 60 milhões do nosso povo, eu não poderia explicar mais claramente repetindo que tudo isso aconteceu porque os homens se esqueceram de Deus – foi por isso que tudo aconteceu” (citado por James White, em A Mente Cristã Num Mundo Sem Deus, p. 24). Um bom exemplo do que a intolerância contra a religião é capaz de fazer é a história do pastor adventista Mikhail Kulakov, descrita por ele mesmo no ótimo livro Ainda Que Caiam os Céus. Kulakov foi preso e exilado sob falsas acusações de autoridades soviéticas. Sofreu por causa da intolerância.
Outro dia, uma testemunha de Jeová bateu à minha porta e, como sempre procuro fazer, a recebi com cortesia e conversamos um pouco sobre temas bíblicos. No fim da conversa, o rapaz me entregou um folheto e, quando eu quis retribuir a gentileza, dando-lhe um livreto de minha autoria (Esperança Para Você), ele recusou. Disse que não poderia aceitar e que, se eu insistisse, ele até pegaria, mas não leria. Perguntei por que, mas a resposta definitivamente não me convenceu e me fez pensar na intolerância daqueles que só querem falar e se recusam a ouvir.
Dias atrás, outro exemplo de intolerância ocupou espaço na imprensa. O episódio foi protagonizado pelo apresentador José Luís Datena, da TV Bandeirantes. Comentando dois crimes hediondos, o âncora resolveu criar uma enquete na qual as pessoas deveriam responder se acreditavam ou não em Deus. Datena ficou espantado com o número de ateus e disse absurdos como estes: “Como? Nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia.” “Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades. Pois elas acham que são seu próprio Deus.” “É só perguntar para esses bandidos que cometem essas barbaridades pra ver que eles não acreditam em Deus.” Ele disse ainda que só quem não acredita em Deus é capaz de cometer crimes. Afirmou que ateus são “pessoas do mal”, “bandidos”, “estupradores”, “assassinos”.
Os ateus ficaram indignados, e com razão. Houve manifestações na imprensa. Hélio Schwartsman, editor ateu da Folha de S. Paulo, apontou um deslize jurídico da Igreja Católica no Brasil, tentando, assim, cobrir um erro com outro. Ele escreveu: “É complicado ligar de forma forte virtude a religião. Embora diversas crenças se apresentem como fonte da moral, esse é um vínculo que não resiste às evidências empíricas disponíveis nem à análise da incipiente ciência moral. Se é da religião que vem a moral, deveríamos, como vivamente prognosticou Datena, encontrar nas prisões um grupo desproporcionalmente grande de ateus e menor de religiosos.”
Mas é claro que essa não é a realidade prisional num país de imensa maioria “cristã” (assim mesmo, entre aspas, porque dizer-se cristão e ser cristão são coisas bem diferentes). Logicamente que se deve esperar que a maioria dos encarcerados seja composta por “cristãos” ou mesmo cristãos que abraçaram a religião lá mesmo, na cadeia.
Datena “pegou pesado”. Schwartsman praticamente pagou na mesma moeda. Aonde se pretende chegar com isso? Essa intolerância destrói o diálogo e a boa convivência. Entrincheirados em seus preconceitos, seres humanos não conseguem enxergar além do que veem; não conseguem ver que estamos todos no mesmo “barco” e que precisamos nos amar, com nossas semelhanças e diferenças.
Schwartsman tenta, ainda, explicar a origem da moral a partir do processo evolutivo. Mas como depositar confiança num cérebro que se resume a um amontoado de moléculas amorais e que, portanto, não nos garantem a correção dos pensamentos que gera? Se a visão naturalista estiver correta, nem esta discussão sobre intolerância faz sentido. Quem vai me dizer que o intolerante está errado? Com base em que posso julgar entre o certo e o errado? Esse é um assunto que rende pano pra manga e que não pode ser resolvido com pouco mais de meia dúzia de palavras, como o editor da Folha tenta fazer.
Deixemos a questão da moral para outra ocasião. O fato é que, enquanto ateus e professos cristãos usarem a parte (ruim) para julgar o todo, não se chegará a lugar algum. Schwartsman utiliza as declarações infelizes de Datena e a atitude errada de uma igreja para julgar a religião e sugerir que Deus não faz diferença na vida de Seus seguidores. De sua parte, Datena dispara acusações injustas contra os ateus, esquecendo-se (ou ignorando) que até o diabo “crê” (cf. Tg 2:19), mas que isso não faz diferença, no caso dele e dos “cristãos” (com aspas). Crer é uma coisa; relacionar-se com o objeto da crença é outra bem diferente.
O último exemplo de intolerância que quero mencionar aqui vem do “pastor” Terry Jones, da cidade norte-americana de Gainesville, que teve a “brilhante” ideia de anunciar que iria queimar exemplares do Alcorão no aniversário dos ataques de 11 de setembro. Foi provocação gratuita que deixou muitos muçulmanos irritados, também com razão (só não tiveram razão os milhares de afegãos que numa manifestação pública gritaram “morte aos cristãos”, como se todos os cristãos fossem como Jones). Acho que esse “pastor” merece o Prêmio Intolerante do Ano.
Datena, aquela “testemunha de Jeová”, Schwartsman, Jones e tantos outros deveriam aprender as lições que nos vêm das páginas sagradas da Bíblia: “Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens” (Rm 12:18); “Suportai-vos uns aos outros em amor” (Ef 4:2); “Este é o Meu [de Jesus] mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como Eu vos amei” (Jo 15:12-17). Como Jesus nos amou? Conviveu com e tentou salvar seu traidor; curou gente que nem sequer voltou para Lhe agradecer; deu a outra face aos que O esbofetearam; perdoou Seus assassinos.
Se todos, ateus ou não, seguissem essas recomendações e o exemplo de Jesus (o maior e verdadeiro exemplo de cristianismo), o mundo seria um lugar muito melhor para se viver. Construiríamos pontes em lugar de muros.
Michelson Borges