Na
época em que eu era religioso, aprendi a admirar William Lane Craig por sua
argumentação poderosíssima, lógica e consistente. Se hoje eu não sou religioso
e não creio em Deus, atribuo isso mais à minha falta de fé congênita (como
vocês já devem estar acostumados, eu sou um descrente tanto da religião
tradicional como da religião política). Com certeza não é por causa das
argumentações de William Lane Craig. Portanto, que fique claro: entendo William
Lane Craig como um grande argumentador, e vejo que suas argumentações sempre
deixam os oponentes ateus estirados no chão. Talvez isso se deva tanto à
qualidade argumentativa de Craig como também a ruindade dos adversários. Sam
Harris, Christopher Hitchens e até o covarde Richard Dawkins (que fugiu do debate) não têm bons argumentos e nem
podem ser considerados debatedores decentes. Vencer esse trio nos argumentos é
fácil demais. Só que Craig mostrou superioridade argumentativa diante de
argumentadores até melhores que o trio neoateísta, como Lewis Wolpert.
Seja
lá como for, tenho minhas restrições a Craig, especialmente quanto ao fato de
que ele realmente ganha os debates no aspecto dos argumentos, mas nunca leva o
troféu. Por que isso acontece? Elenquei alguns fatores, e faço questão de
esclarecer que esses são os que vejo como principais. Retirei também da análise
os fatores que estão além do escopo de sua influência. Por exemplo, o fato pelo
qual os neoateus levam vantagem na interação com ele também tem a ver com a
estratégia gramsciana, um preconceito já estabelecido na sociedade contra os
cristãos, apoio dos demais esquerdistas, guerra em rede, etc. Como esses
fatores estão além do domínio de Craig, obviamente não vou considerá-los.
Abaixo
seguem alguns fatores que relacionei. Estes possuem DIRETA RELAÇÃO com William
Lane Craig, ou seja, de acordo com sua ação ele poderá mudá-los. Vamos a eles:
1.
Ele ainda não entendeu que está no meio de uma guerra política.
2.
Ele fica mais na defensiva do que na ofensiva.
3.
Ele não fala a linguagem da plateia, mesmo que tenha ótimos argumentos.
4.
Ele só se preocupa com os argumentos centrais dos oponentes, não com toda a
comunicação.
5.
Ele não orienta aqueles que estão a seu lado a militarem ofensivamente contra
os oponentes.
Vou
falar um pouco de cada um desses fatores:
1. Ele ainda não
entendeu que está no meio de uma guerra política.
Essa é a guerra entre direita e esquerda. A primeira quer um poder balanceado
entre estado e empresários, e a segunda quer um estado inchado. Ou seja, a
segunda vertente (esquerda) depende da crença no homem, que é rejeitada pela
crença cristã. Isso faz com que religiosos em essência sejam oponentes da
esquerda. Por isso, os esquerdistas defendem tudo que os cristãos não gostam,
como casamento gay, aborto, etc. Isso não significa que todos os ateus sejam de
esquerda, pois eu sou agnóstico (e praticamente um ateu fraco) e de direita.
Mas o fato é que o ser humano tende à religião, senão a religião tradicional, a
religião política. Logo, uma estratégia da esquerda é a antirreligião, pois ao
tirar alguém da religião tradicional, há grandes chances de ela aderir à
religião política, e com isso a esquerda leva vantagem.
Todo
esquerdista sabe que mentir é uma estratégia para os que não possuem crença em
valores morais estabelecidos (e não é preciso ser religioso para isso,
novamente reitero), e, portanto, os antirreligiosos, incluindo os neoateus,
sabem que quanto mais mentirem melhor. A única forma de combatê-los nesse
aspecto é identificar suas fraudes intelectuais e expô-los para o público como
fraudulentos.
Infelizmente,
Craig parece que não se apercebeu desses fatos, e trata seus oponentes de
debates como pessoas que “cometeram erros de juízo” ou “erraram logicamente”. É
o oposto: as fraudes dos neoateus são intencionais. Quer dizer, ele continua clicando nos e-mails de phishing
achando que eles vieram por engano. Se alguém não percebe que o outro lado é um
fraudador, e alimenta o autoengano de que o oponente está apenas “com erro de
juízo”, é claro que será vítima de fraudes o tempo todo. No meio corporativo,
pessoas que não são conscientes das fraudes que ocorrem são uma ameaça para
suas organizações.
Por
não entender que está no meio de uma guerra política, e por não ter noção de
que seus adversários praticam fraudes intelectuais de forma intencional, suas
respostas jamais possuem a assertividade que teriam caso ele tivesse essa
consciência. Quando ele responde: “O meu companheiro de debate se enganou ao
dizer que…” ele poderia dizer “Está claro que o meu oponente praticou uma
fraude intelectual”. Isso tiraria seus adversários da zona de conforto.
2. Ele fica mais na
defensiva do que na ofensiva. De acordo com o livro The Art of Political War, de David
Horowitz, no confronto político o agressor geralmente se dá bem. Isso significa
que o ideal não seria ficar “defendendo o cristianismo”, mas atacando o
neoateísmo na maior parte do tempo. O neoateísmo é facílimo de ser atacado,
pois tem uma agenda humanista facilmente ridicularizável, defendendo coisas
bizarras como fim do gregarismo com o fim da religião, ou mesmo no caso da omissão
ao buscarem entender as causas reais dos problemas do mundo (pois, para eles, a
culpa é da religião).
Por
exemplo, Dawkins e Harris se unem contra a Igreja por causa dos crimes de
pedofilia ocorrendo lá. Poderiam ser atacados de volta mostrando que, ao irem
de forma seletiva contra a Igreja, estão se ESQUECENDO das vítimas de pedofilia
fora da Igreja. Só isso já seria o suficiente para se desmoralizar publicamente
os dois neoateus. Isso, claro, se fosse feita uma campanha estrategicamente
direcionada e desenhada de desmascaramento e desmoralização.
Entretanto,
quando se fica na defensiva, os pontos nos quais os adversários podem ser
atacados são esquecidos.
Na
maioria do tempo, Craig está “defendendo a crença em Deus”, “defendendo a
religião”, e se esquece de atacar os adversários. Conclusão: a imagem dos
adversários dificilmente é abalada, pois não há ataques feitos contra eles.
3. Ele não fala a
linguagem da plateia, mesmo que tenha ótimos argumentos.
Craig realmente tem ótimos argumentos, reconheço, mas ele não usa uma linguagem
de fácil acesso, como já fizeram Richard Dawkins e Carl Sagan, no passado. Como
exemplo, por causa disso, dificilmente se criam “memes de Internet” (que não têm
nada a ver com os memes de Dawkins) com um discurso simples feito por Craig.
O
máximo que acaba ocorrendo é Craig ter aceitação perante os cristãos LETRADOS,
ou que estejam acima da linha dos intelectuais. Mas dificilmente o veremos com
aceitação entre os cristãos e anti-humanistas que estejam no povão, e também entre
a plateia dos debates.
4. Ele só se preocupa
com os argumentos centrais dos oponentes, não com toda a comunicação.
Essa é a maior das tragédias vistas no estilo de William Lane Craig, a meu ver.
Se vocês se lembram de meu texto “Os quatro níveis dequestionamento que todo cético político deve dominar”, já entendeu que
em questões políticas não existe apenas um duelo de argumentos, mas um jogo de
comunicação em que há um vencedor e um perdedor, e há muitas técnicas de
controle de frame, alegações de autovenda e outros recursos além da mera
apresentação de argumentos. Com muito pesar, vejo que Craig se preocupa apenas
com os argumentos.
Alguém
poderá objetar: “Luciano, eu aprendi que o bom debate é focado pura e
simplesmente nos argumentos, você não está sendo contraditório?” Na verdade, o
debate envolve não só argumentos formais, como também uma afirmação do tipo “eu
sou o melhor” (autovenda), ou até mesmo o uso de sarcasmo para desmoralizar o
oponente. Não podemos nos esquecer de aspectos não verbais que funcionam como
um truque psicológico para obter a atenção da plateia.
Eu
não digo que se o oponente é desonesto, que devamos sê-lo também, mas qualquer
alegação ou truque do oponente deve ser refutado. Isso porque com um truque de
controle de frame, a plateia simplesmente SUSPENDE a atenção em um dos lados e
passa a ouvir só o outro.
Imagine
que em um debate um neoateu afirme: “Eu sou do lado da razão (1), por isso
estou aqui contra a religião. A ciência nos diz (2) para buscarmos as
evidências, por isso, só acredito em evidências (3). Não existem evidências
para a existência de Deus, e essas evidências deveriam ser empíricas, logo, não
é racional acreditar em Deus (4).”
O
item (1) é uma rotina de frame, em que o neoateu
se “vende” para a plateia como alguém que estaria do lado da razão. O mesmo
vale para o item (3), em que ele tenta implementar a ideia de ser alguém que
está do lado das evidências. Se a mente da plateia se lembrar das expressões
“sou da razão” e “sou do lado das evidências”, o outro lado do debate não será
mais ouvido, a não ser que neutralize essas afirmações. O item (2) é uma
tentativa de dizer que a “ciência” é quem deve responder a questão da
existência de Deus, no quesito de evidência. Diferentemente dos outros dois
itens, não é uma rotina de autovenda, mas ainda assim é um truque de frame,
pois não há um “argumento formal”. Por fim, no item (4), temos enfim o
argumento formal, que é bem fraquinho.
Uma
refutação a la Craig seria assim: “Há
um erro em dizer que a ciência deve definir a questão da existência de Deus, e
apenas através de evidências empíricas. Nem tudo está no escopo da ciência,
incluindo os argumentos metafísicos. Portanto, a ciência não define essa
questão. A não existência de evidências empíricas para Deus não serve para
provar sua inexistência, pois, como já dito, a questão é estritamente
filosófica. O argumento do ateu não serve para provar a inexistência de Deus
nem mesmo sua improbabilidade, ocorrendo apenas um equívoco na inversão de
planos.”
O
problema é que essa refutação é feita em direção ao item 4, e talvez até a um
pouquinho do 2, mas já não tem serventia em termos de vitória no debate, pois o
cérebro da plateia (os neutros, no caso) só vai ouvir o lado que está “do lado
da razão” e “que só acredita em evidências”.
A
refutação de acordo com o modelo de quatro níveis proposto por mim (e é o único
que pode funcionar, segundo a perspectiva da Dinâmica Social), seria assim: “O
debatedor neoateu mente ao dizer que está do lado da ‘razão’. Isso é apenas um
truque de distração dele, pois, como mostrarei aqui, o argumento neoateu nem de
longe é racional. Ele também tenta enganar vocês ao dizer que ‘só acredita em
evidências’. Mostrarei aqui que é o oposto. Ele também afirma que a questão Deus deve ser tratada pela ciência, mas
não apresentou um argumento a esse respeito. Bem irracional a atitude dele.
Como falei, a afirmação dele ao dizer que ‘é do lado da razão’ não passava de
truque de marketing…” E, aí, sim, em
seguida refutar o item (4) através de um argumento.
Nessa
suposta refutação, todas as rotinas de frame, autovenda, alegações e argumentos
foram NEUTRALIZADAS. A partir daí, somente aí, a plateia volta a te ouvir. Por
refutar apenas o argumento central, Craig só é ouvido pelos que já gostam de
seus argumentos, mas a plateia neutra o ignora.
5. Ele não orienta
aqueles que estão a seu lado a militarem ofensivamente contra os oponentes.
Todos os textos de Sam Harris e Richard Dawkins são “chamados às armas”. Por
isso, seus leitores têm aquela sensação que vinha ao final do filme Karatê Kid,
na infância. Após assistir ao filme, queríamos nos inscrever na escola de artes
marciais. Da mesma forma, após terminarem a leitura de Dawkins e Harris, os
leitores já querem sair militando, gravando vídeos na internet, divulgando banners e até metendo ações judiciais.
Ou seja, o material dos autores neoateístas é planejado para estimular a
militância e dar material para os militantes usarem.
Ao
contrário, o material de William Lane Craig é feito para o debate acadêmico,
não para a guerra ideológica. Craig não nos traz subsídios para usarmos em uma
guerra ideológica, e nem sequer há o preparo dos leitores para pensar dessa
forma.
É
por isso que, mesmo com bons argumentos, vemos vários leitores de Craig em
comunidades como “Contradições do Ateísmo” sem as reações imediatas que
deveriam ter se já tivessem entendido que estão no meio de uma guerra cultural.
Isso porque Craig só lhes ensinou refutações formais a argumentos formais, não
como lutar em um terreno de guerra política. Naturalmente, isso é consequência
do primeiro fator que apontei.
Conclusão.
William Lane Craig continua sendo um ótimo argumentador, e entendo que seus
argumentos devem ser excelentes fontes para uso na guerra ideológica que temos
em voga. Entretanto, o modus operandi
de Craig não é adequado, pois ele ganha no duelo argumentativo, mas perde os
debates, por não saber que é parte de uma guerra ideológica, ficar somente na
defensiva, não usar uma linguagem de fácil acesso, e, o mais grave, não se
preocupar com todas as alegações e rotinas que existem do outro lado. Um fator
resultante dos demais, especialmente o primeiro (“não notar que estamos em
guerra ideológica”), é que os leitores de Craig também não estão preparados
para vencer debates.
Porém,
isso não significa que o material de Craig seja inútil, muito pelo contrário.
Os argumentos de Craig dão base para a refutação a um dos quatro tipos de
alegações feitas pelos neoateus, mas é preciso AGREGAR a esses argumentos de
Craig técnicas para VENCER os debates na guerra ideológica, incluindo coisas
como duelos de frame, uso da linguagem popular, presença mais assertiva,
desmascaramento público do oponente e afins.
Em
resumo, os argumentos de Craig são muito bons, mas sua postura não é útil para
a vitória em debates. É preciso um “upgrade”
em relação ao seu padrão de atuação.
Nota:
Esse texto do agnóstico Luciano Ayan deve ser lido com
muita atenção e ponderação. Sou “fã” de Craig, mas tenho que concordar, em parte,
com Ayan, já que, a despeito do poder argumentativo do teólogo/filósofo que põe
gente como Dawkins para correr, os neoateus continuam tripudiando por aí. No
entanto, é bom lembrar que Craig não é apenas um “debatedor”. Ele é um cristão.
E, como tal, aprendeu do Mestre a respeitar os oponentes, ainda que discorde
totalmente de seus métodos e ideias. Acredito que o ataque virulento seria como
rebaixar os cristãos ao nível rasteiro dos militantes neoateus. Os cristãos não
estão neste mundo para vencer debates, mas para salvar pessoas com o
conhecimento de Jesus e Sua Palavra, exibidos em discursos e, sobretudo, na
vida. Se uma pessoa na plateia, tendo analisado a postura educada de Craig e
refletido em seus argumentos racionais em favor da fé, abrir a mente e o coração
para Deus, Craig já “terá levado”. Creio que ele também pensa assim.[MB]
Confira:
William Lane Craig no Brasil