terça-feira, março 06, 2012

UFC: massacre autorizado

O  deputado José Mentor colocou um debate interessante. Lembrou em artigo publicado ontem na Folha que o Congresso discute um projeto que pode levar à proibição da UFC, essas lutas violentíssimas que se tornaram o mais novo sucesso na TV. O argumento de Mentor é o seguinte: se nós proibimos briga de galo, por que não devemos proibir espetáculos equivalentes entre dois seres humanos? A resposta padrão para essa pergunta é simples. Consiste em dizer que dois homens adultos, em pleno gozo de seus direitos, não podem ser tolhidos em sua liberdade, que inclui o direito de espancar-se até não poder mais. Está no manual liberal. Tenho dúvidas sobre a proposta de Mentor. Mas esse argumento para liberar o massacre humano em nome da liberdade individual é complicado.

Ninguém pensa em liberar as brigas de galo. Na Espanha, as touradas, que considero um espetáculo maravilhoso [nisso discordo],
 estão condenadas. E a farra do boi em Santa Catarina?

Claro que a veterana Sociedade Protetora dos Animais possui um argumento de peso. Nem um galo nem um touro escolheram arriscar sua vida dessa maneira. Isso nos daria, como bípedes, o dever moral de protegê-los.

Concordo com o argumento. Mas se a discussão se encontra no terreno ético, cabe perguntar: Será que não temos nenhum dever moral com a proteção de vidas humanas?
Imagine a cena, que era obrigatória nas crônicas paulistanas dos anos 50 e 60. Um dia você está andando pelo Vale do Anhangabaú, em São Paulo, quando encontra um cidadão – adulto, em pleno gozo de seus direitos – pronto para mergulhar para a morte. O que você faz? São duas atitudes básicas:

a) Você diz: “Vai com Deus, meu filho. A vida é sua.”

b) Você faz o possível para impedir o suicídio.

Estou com a segunda hipótese. Gosto de imaginar que, se isso acontecer, alguém vai chamar o Corpo de Bombeiros, enquanto uma alma solidária ficará distraindo a vítima até que seja possível resgatá-la – à força, se for preciso. Acho emocionante quando vejo uma cena dessas, nem que seja num filme.

Acho que o debate sobre a cracolândia envolve essa mesma situação. Um dia, um cidadão que também estava em pleno gozo de seus direitos teve a triste ideia de experimentar uma droga fortíssima, que gera dependência, e não consegue mais sair de seu inferno.

E agora? Vamos autorizar de braços cruzados e assistir à autodestruição dos dependentes? Assim, numa boa, com um livrinho de algum economista da escola austríaca embaixo do braço?

Essa é a discussão.

(Paulo Moreira Leite, Época)