O
deputado José Mentor colocou um debate interessante. Lembrou em artigo
publicado ontem na Folha que o
Congresso discute um projeto que pode levar à proibição da UFC, essas lutas
violentíssimas que se tornaram o mais novo sucesso na TV. O argumento de Mentor
é o seguinte: se nós proibimos briga de galo, por que não devemos proibir
espetáculos equivalentes entre dois seres humanos? A resposta padrão para essa
pergunta é simples. Consiste em dizer que dois homens adultos, em pleno gozo de
seus direitos, não podem ser tolhidos em sua liberdade, que inclui o direito de
espancar-se até não poder mais. Está no manual liberal. Tenho dúvidas sobre a
proposta de Mentor. Mas esse argumento para liberar o massacre humano em nome
da liberdade individual é complicado.
Ninguém pensa em liberar as brigas de galo. Na Espanha, as touradas, que considero um espetáculo maravilhoso [nisso discordo], estão condenadas. E a farra do boi em Santa Catarina?
Claro que a veterana Sociedade Protetora dos Animais possui um argumento de peso. Nem um galo nem um touro escolheram arriscar sua vida dessa maneira. Isso nos daria, como bípedes, o dever moral de protegê-los.
Concordo com o argumento. Mas se a discussão se encontra no terreno ético, cabe perguntar: Será que não temos nenhum dever moral com a proteção de vidas humanas?
Imagine a cena, que era obrigatória nas crônicas paulistanas dos anos 50 e 60. Um dia você está andando pelo Vale do Anhangabaú, em São Paulo, quando encontra um cidadão – adulto, em pleno gozo de seus direitos – pronto para mergulhar para a morte. O que você faz? São duas atitudes básicas:
a) Você diz: “Vai com Deus, meu filho. A vida é sua.”
b) Você faz o possível para impedir o suicídio.
Estou com a segunda hipótese. Gosto de imaginar que, se isso acontecer, alguém vai chamar o Corpo de Bombeiros, enquanto uma alma solidária ficará distraindo a vítima até que seja possível resgatá-la – à força, se for preciso. Acho emocionante quando vejo uma cena dessas, nem que seja num filme.
Acho que o debate sobre a cracolândia envolve essa mesma situação. Um dia, um cidadão que também estava em pleno gozo de seus direitos teve a triste ideia de experimentar uma droga fortíssima, que gera dependência, e não consegue mais sair de seu inferno.
E agora? Vamos autorizar de braços cruzados e assistir à autodestruição dos dependentes? Assim, numa boa, com um livrinho de algum economista da escola austríaca embaixo do braço?
Essa é a discussão.
(Paulo Moreira Leite,
Época)