Encanta-me
o entardecer! / Não o das cidades, dos grandes centros urbanos; / mas o das
colinas e campos, / onde sinto a paz crepuscular.
Sempre que posso, gosto de apreciar
o pôr do sol, sobretudo em meio a paisagens naturais. Para mim, constitui um
instante de descanso e êxtase que me conduz à reflexão sobre coisas além deste
mundo passageiro. Fica-me na mente a impressão da eternidade. Eu me deleito diante
de um pôr do sol – tão belo quanto o amanhecer. Ao olhar para o astro-rei e
acompanhar seu lento ocaso, principalmente nos crepúsculos estivais, encho-me
de admiração pelo espetáculo diário pintado na imensa tela do céu. No silêncio
da contemplação, desligo-me da vida apressada imposta pelo materialismo humano.
É quando penso nas palavras do poeta que disse ter a noite mil olhos e o dia
somente um: “a luz de todo o mundo morre com o pôr do sol.”
O astro “nasce” esplendoroso e “falece”
quando sua hora chega. No rápido encontro da noite com o dia, naquele breve e momentoso
instante, a natureza nos revela as duas grandes faces da realidade de todo
vivente: ser e não ser, o percurso do nascimento à extinção. O ocaso nos fala
com dupla linguagem. Ao mesmo tempo em que desperta poesia na alma, traz também
nostalgia e saudade. Anuncia-nos a chegada da despedida, a entrada na escuridão
da noite. Assim é a vida: parece imitar a trajetória do Sol. Um dia teremos a
nossa “hora do pôr do sol”. E aqui não existe encanto, poesia, nem metáforas
suavizantes, mas saudade, separação e pranto. Contudo, há esperança! Esperança?
Exatamente. Quando o manto escuro da noite cobre os céus, podemos discernir os
“mil olhos” brilharem quais diamantes. Eles nos sinalizam que nem tudo são
trevas, havendo luz no negror. As trevas são temporárias, porquanto está
previsto o amanhecer.
A ceifeira cruel, filha do pecado,
é implacável. Com algumas pessoas, ela consegue ser ainda mais cruel.
Apropriadamente, o sábio rei Salomão filosofou ao registrar que “o homem não
sabe a sua hora: Como os peixes que se pescam com a rede cruel, e como os
passarinhos que se prendem com o laço, assim se enlaçam também os filhos dos
homens no mau tempo, quando este cai de repente sobre eles” (Ec 9:12). Daí a
recomendação: “Em todo o tempo sejam alvas as tuas vestes [o caráter], e nunca
falte o óleo [a unção divina] sobre a tua cabeça” (Ec 9:8). Salomão tem motivos
para nos aconselhar em tom grave, porquanto tudo na vida corre para a morte,
lenta ou apressadamente. Morrer faz parte desta existência imperfeita e
infectada pelo mal. No entanto, ao sermos afogados no oceano da noite,
precisamos levar conosco a brancura nas vestes e a aprovação de Deus sobre
nosso ser. Caso contrário, nosso pôr do sol poderá ser eterno e baixaremos numa
noite sem fim, sem contar com a luminosidade das estrelas.
Diante do declinar da vida, muitos
lançam perguntas em todas as direções. É mais desabafo do que um anelo por
explicações. E eu sei que você também indaga, com angústia de alma, o porquê do
“mau tempo” cair inesperadamente. Perguntar é natural, normal e legítimo.
Todavia, “há perguntas que não têm resposta, o que é uma lição dificílima de
aprender”. E por que é tão difícil? Porque
vivemos sob um mistério quase insondável, como bem disse o personagem de um
interessante livro, ao se dirigir a uma jovem: “Minha filha, já vivi cento e
nove invernos e jamais encontrei uma coisa chamada sorte. Há algo de misterioso
no que está acontecendo, mas, esteja certa, se precisamos saber o que é,
saberemos.” E o mesmo personagem, um velho e sábio eremita, arremata: “Eu, que
sei muitas coisas do presente, pouco sei das coisas futuras. Por isso não sei
se qualquer homem ou mulher ou animal, em todo o mundo, estará ainda vivo
quando anoitecer hoje. Mas incline-se à esperança.” E eu completo a fala do
eremita: incline-se à esperança cristã de que “os teus mortos viverão” (Is 26:19).
Não sabemos o momento exato de
nosso ocaso. E da mesma forma como o Sol pode se pôr mais cedo ou mais tarde, a
vida pode terminar na aurora ou um pouco mais adiante. Contudo, inclinemo-nos à
esperança e ao consolo cristão. “Nossos queridos falecem. Encerram-se suas
contas com Deus. Mas conquanto consideremos coisa séria e solene o morrer, devemos,
entretanto, considerar coisa muito mais séria o viver. [...] Devemos encontrar
nosso consolo em Jesus Cristo. Precioso Salvador! Ele sempre Se condoeu da
desgraça humana. [...] Apegai-vos à Fonte de vossas forças” – são as palavras
sensíveis de alguém que experimentou a perda de pessoas queridas e passou pelo
vale da sombra da morte; todavia, pôde afirmar confiantemente: “Eu sei em Quem
tenho crido.”
Não nos esqueçamos de que Deus
também está nas sombras, no momento em que o Sol se põe. Quando chegar o entardecer,
choremos e perguntemos. Tenhamos, entretanto, forças para cantar em meio à dor,
lembrando-nos da terna afirmação de que “preciosa é à vista do Senhor a morte
dos Seus santos” (Sl 116:15). Deus guarda Seus filhos em Sua lembrança; a
memória divina não falha. No tempo indicado pelo Pai, o poder da ressurreição
tomará conta deste mundo e varrerá a morte para sempre da realidade. Basta esperar,
com fé, o cumprimento da promessa e viver em esperança.
Ainda que eu aprecie muito o pôr do
sol, convido você a cantar comigo o trecho de um hino que fala do amanhecer. Cantemos,
então:
“Guarda, vê se muito falta para o
dia alvorecer. / Vai a noite ainda alta, ou já vem o amanhecer? / Viajor, ó,
sim, desperta ao romper do arrebol! / Fica em pé e põe-te alerta. Eia, pois que
surge o Sol!”
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)