Às
vésperas da Rio+20, talvez a história da ciência e a filosofia possam ensinar
algo sobre o planeta e os humanos. Se uma pesquisa tivesse sido feita no final
do século 19 entre os grandes nomes da física, é bem provável que aqueles
luminares aceitassem, como realidade incontroversa, a existência do éter (meio com propriedades tanto esquisitas quanto
paradoxais que serviria de suporte para a propagação da luz). Em 1905, Albert
Einstein (1879-1955), com sua teoria da relatividade, descartaria essa “propriedade”
do espaço. Cerca de 20 anos depois, porém, ainda havia cientista que
acreditasse em tal suporte. Conceitos
científicos arraigados são difíceis de matar. O físico alemão Max Planck
(1859-1947) dizia que uma verdade
científica não triunfa pelo convencimento de seus oponentes, mas, sim, porque
estes últimos acabam morrendo, e ela se torna familiar a uma nova geração. O
historiador marxista britânico Eric Hobsbawm põe a ciência como a forma de
cultura mais influente do século 20. Para o bem e para o mal.
Ao
longo da história, cientistas obtiveram resultados grandiosos - um deles é, sem
dúvida, a teoria da relatividade, que permitiu o primeiro modelo cosmológico de
base científica. Mas produziram fraudes e pseudociência - esta última quando o
cientista crê que aquilo que obteve é verdadeiro.
Ciência está longe de
ser pura, imaculada, como às vezes é vendida. Ciência tem muito de marketing.
Quando um novo campo científico nasce (por exemplo, engenharia genética e
nanotecnologia), ele traz sua carga de promessas. Nessas horas, cientistas,
incensados pela mídia, desfilam
futurologias (do bem, obviamente) [e “preteriologias” também], pois sabem
que isso traz visibilidade (e financiamento) para seus laboratórios ou seus
projetos.
A
história da ciência, no entanto, ensina: o cemitério das promessas científicas
está cheio de covas profundas e esquecidas - grande parte delas preenchidas com
medicamentos e vacinas contra males ainda incuráveis.
Fraudes, pseudociência,
aceitação forçada de paradigmas, medo da discordância e do debate franco...
todas mazelas criadas em nome do prestígio, da vaidade, de egos exacerbados, da
competição, do medo de macular a carreira, da pressa em publicar, etc.
Mas
o que tudo isso tem a ver com a Rio+20? Vejamos.
O
filósofo alemão Jürgen Habermas diz que um dos traços das democracias modernas
é que o público tem que lidar com políticas como “pacotes fechados”, dizendo
apenas se é a favor ou contra eles, sem discussões mais aprofundadas.
Se
pudermos estender essa característica política às tendências ambientalistas,
então o caso emblemático de “pacote fechado” talvez seja a questão do aquecimento
global ou das mudanças climáticas - a escolha vai depender dos interesses
políticos e econômicos do sujeito, como já revelaram pesquisas. O leitor
acredita em qual pacote? Crê no aquecimento global ou é cético?
A
impenetrabilidade de Habermas aponta um caminho perigoso: grandes teorias científicas, por sua complexidade, acabam sendo aceitas
como dogma. Ou rejeitadas como um. Na questão climática, o “sim”
(aceitação) preponderou até agora - afinal, é difícil, mesmo para um cientista,
levantar a voz contra um documento, o relatório do IPCC (sigla em inglês para
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que traz a assinatura de
mais ou menos 2.500 especialistas com doutorado.
Mas,
agora, parece brotar certo desconforto entre os próprios cientistas. Caso
emblemático: 16 deles, todos renomados, publicaram manifesto nas páginas do The Wall Street Journal (26/1/12) com o
sugestivo título “Não é preciso se apavorar com o aquecimento global” [mais de
500 cientistas com PhD também publicaram manifestocontra o darwinismo, mas a grande mídia ainda não “descobriu” isso].
Basicamente, dizem que não é necessário tomar medidas drásticas, no curto
prazo, contra o aquecimento global, que o gás carbônico não é poluente e que as evidências do fenômeno não podem ser
consideradas incontroversas (essas últimas são palavras de um Nobel de
Física). [...]
A mídia tem culpa na
solidificação de paradigmas na ciência. Costuma - pela própria essência do jornalismo sobre ciência -
privilegiar resultados e profecias em detrimento de dúvidas e reveses. Ciência,
por sinal, nas palavras do filósofo britânico John Gray, é, hoje, o terreno das
certezas; as dúvidas, diz ele, ficaram para a religião.
Nos jornais, há crítica
de teatro, literatura, cinema, artes, música, gastronomia... E de ciência?
Afinal, ela não é uma forma de cultura, a mais influente do século passado,
segundo Hobsbawm?
Parte
do esclarecimento (certezas e, principalmente, dúvidas) deveria vir dos
próprios cientistas. Mas a verdade é que eles são resistentes em falar com um
público que mal entende um fenômeno básico do cotidiano e titubeia perante
matemática simples. O debate darwinismo versus
criacionismo (e também ciência versus
esoterismo) corrobora o dito acima.
À
beira da Rio+20, o “Manifesto dos 16” foi pancada forte. Mas o que fraquejou
pernas e esvaziou pulmões científicos foi a revelação, há poucos anos, de
mensagens de um especialista da área em que estava confessa a manipulação de
dados pró-aquecimento - é o lado humano (sem aspas) dessa atividade. O
vazamento abalou profundamente a crença pública - e a de cientistas - em um
conhecimento reunido arduamente nas últimas décadas.
É improvável que 2.500
especialistas estejam errados. Mas vale ter em mente o caso do éter, que abre
este texto. [...]
(Cassio Leite Vieira é
jornalista do Instituto Ciência Hoje; artigo publicado na Folha
de S. Paulo do dia 5 de junho e
republicado pelo Jornal da Ciência)
Nota:
Releia os trechos grifados no texto acima, tendo em mente o darwinismo.[MB]