Em
artigo traduzido e publicado pelo site Folha.com,
o ateu militante Richard Dawkins recomenda que as crianças devem ler a Bíblia
King James (a tradução autorizada da Bíblia feita sob o reinado de James
I). De início, vindo dele, parece algo surpreendente. Mas, como escritor
esperto que é, ele usa um bom “gancho” para atrair atenção para seu texto.
Inicialmente, ele afirma que “Eclesiastes, na tradução de 1611 [a KJ], é uma
das glórias da literatura inglesa (já me disseram que é muito bom também no
original hebraico). Toda a Bíblia do rei James é repleta de alusões literárias,
quase tantas quanto Shakespeare”. Parece um elogio, né? E tem mais: Dawkins enfatiza
expressões e pensamentos que pertencem à cultura popular, mas são oriundos da
Bíblia. Exemplos dele: “o sal da terra; se qualquer te obrigar a caminhar uma
milha, vai com ele duas; lavo minhas mãos; lobo em pele de cordeiro; como uma
imagem imperfeita, num espelho embaçado; esconder uma lâmpada sob um cesto; não
há paz para os ímpios; como caíram os poderosos.”
Para
Dawkins, “um anglófono nativo que nunca ouviu uma palavra da Bíblia do rei
James beira a barbárie”. Ele menciona uma pesquisa com pessoas que tinham
assinalado serem cristãs, realizada pela Fundação Reino Unido e encomendada à
Ipsos Mori. “Entre outras coisas, pedimos a elas que identificassem o primeiro
livro do Novo Testamento, sendo as opções Mateus, Gênesis, Atos dos Apóstolos,
Salmos, ‘não sei’ e ‘prefiro não dizer’. Apenas 35% escolheram ‘Mateus’,
enquanto 39% selecionaram ‘não sei’ (e 1%, por razões desconhecidas, optaram
por ‘prefiro não dizer’)”, diz o biólogo ateu.
Os
elogios param por aí e, então, Dawkins começa a destilar seu veneno (tava
demorando...): “Pessoas que não conhecem bem a Bíblia foram induzidas a pensar
que o livro é um bom guia de moralidade. [...] Já ouvi até mesmo a opinião cinicamente
misantrópica de que, sem a Bíblia como norte moral, as pessoas não teriam
impedimentos a cometer assassinatos, roubos e agressões [mas esse tipo de coisa
não é típico da sobrevivência evolutiva tão defendida por Dawkins? E quem
estabelece o que é moralmente condenável?]. A maneira mais segura de livrar-se
dessa falsidade perniciosa é ler a própria Bíblia.”
Por
isso ele quer que as pessoas leiam a Bíblia. Ele pensa que elas abraçarão as
mesmas ideias que ele defende, motivado, possivelmente, por um ódio infantil
(ele mesmo admite ter sido abusado por um professor religioso). O livro E Se Jesus Não Tivesse Nascido, de D.
James Kennedy, fala das consequências para o mundo, se não tivesse havido
cristianismo. Apesar dos maus exemplos de uma religião específica (como as
Cruzadas e a Inquisição), o mundo ocidental deve muito de sua moralidade (ainda
restante) à visão judaico-cristã. Outro livro que trata desse assunto é O Cristianismo é Bom Para o Mundo? (clique
aqui). Talvez Dawkins preferisse uma cultura pagã, politeísta e com
sacrifícios humanos, ou antropofágica. (Sem os “freios” do cristianismo, podem
ser defendidas
ideias absurdas.)
Em
seguida, Dawkins menciona alguns dos dez mandamentos: “‘Honra a teu pai e tua
mãe.’ Ótimo. Mas honra a teus filhos? Não se Deus, como fez com Abraão para
testar a lealdade dele, mandar você matar seu filho amado, fazendo dele uma
oferenda queimada [quanta incompreensão!]. A lição é clara: em última análise,
a obediência a Deus tem precedência sobre a decência humana.” Por acaso, Deus
permitiu que Isaque morresse, como morriam queimados os filhos dos cananeus
pagãos? Deus procedeu com indecência em relação ao Seu filho Abraão, ou o
tornou honrado por toda a história como homem fiel e pai de uma grande nação?
Falando
em cananeus, Dawkins não perde a chance de bater na tecla gasta desse
aparentemente injusto genocídio. “Matar cananeus, midianitas, jebuseus, heveus
etc., especialmente se eles tivessem o azar de viver na ‘Lebensraum’ Prometida,
não era problema algum”, diz ele. (Leia
este texto e este para
compreender melhor esse assunto.)
Voltando
sua metralhadora giratória para o Novo Testamento, Dawkins escreve: “O dogma
central do Novo Testamento é que Jesus morreu como bode expiatório do pecado de
Adão e dos pecados que todos nós, gerações então ainda não nascidas, pudéssemos
contemplar cometer no futuro. O pecado de Adão talvez seja mitigado por uma
circunstância atenuante: ele não existiu.” Assim crê Dawkins, que, por outro
lado, acredita que tenha existido uma célula “primitiva” hipotética da qual
toda a vida na Terra teria evoluído. Dawkins – com sua fé seletiva – despreza
estudos sobre a tradição adâmica e as “coincidências” relacionadas com a
criação, registradas em inúmeras culturas ancestrais e que muito provavelmente
ecoam o relato original (leia o livro Escavando
a Verdade para conhecer algumas dessas “coincidências”).
“De
qualquer maneira”, arremata Dawkins, “seu [de Adão] pecado limitou-se a roubar
uma fruta.” Que minimalismo! O pecado de Adão e Eva consistiu em dar ouvidos ao
enganador e desprezar a palavra de Deus. O Senhor havia advertido ao casal, a
fim de que se precavessem da tentação (um teste de lealdade) e os privou
unicamente de uma árvore entre todas as da Terra. O assunto do grande conflito
é muito mais profundo, mas seria muito esperar que alguém que lê a Bíblia com
tamanho preconceito (concedendo-lhe unicamente a chance de ser boa literatura)
pudesse entender o assunto. Infelizmente, a plateia que aplaude Dawkins conhece
ainda menos a Bíblia do que os cristãos nominais que participaram da pesquisa.
Se
Dawkins lesse 1 Coríntios 1:21-25 como mais do que apenas literatura, talvez se
desse conta de que seu problema é a arrogância e o preconceito: “Visto como na
sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a
Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal,
e os gregos buscam sabedoria. Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é
escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são
chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e
sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a
fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.”
Dawkins
conclui sua peça de esperteza com estas palavras: “Seja o que for que a Bíblia
possa ser - e ela realmente é uma grande obra de literatura -, não é um livro
moral, e as crianças precisam aprender esse fato importante porque muito
frequentemente lhes é dito o contrário. Os exemplos que citei são a ponta de um
iceberg muito grande e desagradável. Uma boa maneira de descobrir o que está em
um livro é ler o livro; por isso eu recomendo que se leia a Bíblia.”
Mas
que bom que ele faz essa recomendação a seus fãs! Quem sabe alguns deles, com a
mente e o coração mais abertos, descubram a “pérola de grande preço” (expressão
que, para os que a conhecem na prática, é mais do que literatura), afinal, “a lei do Senhor é
perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos
símplices” (Salmo 19:7).
Dawkins quis dar uma de
espertinho. Seus leitores podem se tornar sábios.
Michelson Borges
Saiba mais: digite a palavra “Dawkins” no buscador lá em cima, à
direita, para ler mais postagens sobre o ateu mais famoso da atualidade.