sexta-feira, junho 01, 2012

Dawkins, espertinho, recomenda leitura da Bíblia

Em artigo traduzido e publicado pelo site Folha.com, o ateu militante Richard Dawkins recomenda que as crianças devem ler a Bíblia King James (a tradução autorizada da Bíblia feita sob o reinado de James I). De início, vindo dele, parece algo surpreendente. Mas, como escritor esperto que é, ele usa um bom “gancho” para atrair atenção para seu texto. Inicialmente, ele afirma que “Eclesiastes, na tradução de 1611 [a KJ], é uma das glórias da literatura inglesa (já me disseram que é muito bom também no original hebraico). Toda a Bíblia do rei James é repleta de alusões literárias, quase tantas quanto Shakespeare”. Parece um elogio, né? E tem mais: Dawkins enfatiza expressões e pensamentos que pertencem à cultura popular, mas são oriundos da Bíblia. Exemplos dele: “o sal da terra; se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas; lavo minhas mãos; lobo em pele de cordeiro; como uma imagem imperfeita, num espelho embaçado; esconder uma lâmpada sob um cesto; não há paz para os ímpios; como caíram os poderosos.”

Para Dawkins, “um anglófono nativo que nunca ouviu uma palavra da Bíblia do rei James beira a barbárie”. Ele menciona uma pesquisa com pessoas que tinham assinalado serem cristãs, realizada pela Fundação Reino Unido e encomendada à Ipsos Mori. “Entre outras coisas, pedimos a elas que identificassem o primeiro livro do Novo Testamento, sendo as opções Mateus, Gênesis, Atos dos Apóstolos, Salmos, ‘não sei’ e ‘prefiro não dizer’. Apenas 35% escolheram ‘Mateus’, enquanto 39% selecionaram ‘não sei’ (e 1%, por razões desconhecidas, optaram por ‘prefiro não dizer’)”, diz o biólogo ateu.

Os elogios param por aí e, então, Dawkins começa a destilar seu veneno (tava demorando...): “Pessoas que não conhecem bem a Bíblia foram induzidas a pensar que o livro é um bom guia de moralidade. [...] Já ouvi até mesmo a opinião cinicamente misantrópica de que, sem a Bíblia como norte moral, as pessoas não teriam impedimentos a cometer assassinatos, roubos e agressões [mas esse tipo de coisa não é típico da sobrevivência evolutiva tão defendida por Dawkins? E quem estabelece o que é moralmente condenável?]. A maneira mais segura de livrar-se dessa falsidade perniciosa é ler a própria Bíblia.”

Por isso ele quer que as pessoas leiam a Bíblia. Ele pensa que elas abraçarão as mesmas ideias que ele defende, motivado, possivelmente, por um ódio infantil (ele mesmo admite ter sido abusado por um professor religioso). O livro E Se Jesus Não Tivesse Nascido, de D. James Kennedy, fala das consequências para o mundo, se não tivesse havido cristianismo. Apesar dos maus exemplos de uma religião específica (como as Cruzadas e a Inquisição), o mundo ocidental deve muito de sua moralidade (ainda restante) à visão judaico-cristã. Outro livro que trata desse assunto é O Cristianismo é Bom Para o Mundo? (clique aqui). Talvez Dawkins preferisse uma cultura pagã, politeísta e com sacrifícios humanos, ou antropofágica. (Sem os “freios” do cristianismo, podem ser defendidas ideias absurdas.)

Em seguida, Dawkins menciona alguns dos dez mandamentos: “‘Honra a teu pai e tua mãe.’ Ótimo. Mas honra a teus filhos? Não se Deus, como fez com Abraão para testar a lealdade dele, mandar você matar seu filho amado, fazendo dele uma oferenda queimada [quanta incompreensão!]. A lição é clara: em última análise, a obediência a Deus tem precedência sobre a decência humana.” Por acaso, Deus permitiu que Isaque morresse, como morriam queimados os filhos dos cananeus pagãos? Deus procedeu com indecência em relação ao Seu filho Abraão, ou o tornou honrado por toda a história como homem fiel e pai de uma grande nação?

Falando em cananeus, Dawkins não perde a chance de bater na tecla gasta desse aparentemente injusto genocídio. “Matar cananeus, midianitas, jebuseus, heveus etc., especialmente se eles tivessem o azar de viver na ‘Lebensraum’ Prometida, não era problema algum”, diz ele. (Leia este texto e este para compreender melhor esse assunto.)

Voltando sua metralhadora giratória para o Novo Testamento, Dawkins escreve: “O dogma central do Novo Testamento é que Jesus morreu como bode expiatório do pecado de Adão e dos pecados que todos nós, gerações então ainda não nascidas, pudéssemos contemplar cometer no futuro. O pecado de Adão talvez seja mitigado por uma circunstância atenuante: ele não existiu.” Assim crê Dawkins, que, por outro lado, acredita que tenha existido uma célula “primitiva” hipotética da qual toda a vida na Terra teria evoluído. Dawkins – com sua fé seletiva – despreza estudos sobre a tradição adâmica e as “coincidências” relacionadas com a criação, registradas em inúmeras culturas ancestrais e que muito provavelmente ecoam o relato original (leia o livro Escavando a Verdade para conhecer algumas dessas “coincidências”). 

“De qualquer maneira”, arremata Dawkins, “seu [de Adão] pecado limitou-se a roubar uma fruta.” Que minimalismo! O pecado de Adão e Eva consistiu em dar ouvidos ao enganador e desprezar a palavra de Deus. O Senhor havia advertido ao casal, a fim de que se precavessem da tentação (um teste de lealdade) e os privou unicamente de uma árvore entre todas as da Terra. O assunto do grande conflito é muito mais profundo, mas seria muito esperar que alguém que lê a Bíblia com tamanho preconceito (concedendo-lhe unicamente a chance de ser boa literatura) pudesse entender o assunto. Infelizmente, a plateia que aplaude Dawkins conhece ainda menos a Bíblia do que os cristãos nominais que participaram da pesquisa.

Se Dawkins lesse 1 Coríntios 1:21-25 como mais do que apenas literatura, talvez se desse conta de que seu problema é a arrogância e o preconceito: “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria. Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.”

Dawkins conclui sua peça de esperteza com estas palavras: “Seja o que for que a Bíblia possa ser - e ela realmente é uma grande obra de literatura -, não é um livro moral, e as crianças precisam aprender esse fato importante porque muito frequentemente lhes é dito o contrário. Os exemplos que citei são a ponta de um iceberg muito grande e desagradável. Uma boa maneira de descobrir o que está em um livro é ler o livro; por isso eu recomendo que se leia a Bíblia.”

Mas que bom que ele faz essa recomendação a seus fãs! Quem sabe alguns deles, com a mente e o coração mais abertos, descubram a “pérola de grande preço” (expressão que, para os que a conhecem na prática, é mais do que literatura), afinal, “a lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos símplices” (Salmo 19:7).

Dawkins quis dar uma de espertinho. Seus leitores podem se tornar sábios.

Michelson Borges

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