quinta-feira, maio 01, 2008

Comparação indevida

A revista Veja desta semana traz como matéria de capa uma reportagem sobre a revolta do mundo islâmico ocasionada pela publicação de charges do profeta Maomé num jornal dinamarques. O texto aborda o aprofundamento do fosso entre os muçulmanos e o Ocidente e o problema do fundamentalismo religioso. Mas, “para não perder a prática”, no fim da matéria consegue dar uma “alfinetada” nos criacionistas:

“A civilização ocidental assenta-se sobre valores hoje estranhos ao mundo medieval dos fundamentalistas – tanto os muçulmanos quanto os cristãos”, escreve Diogo Schelp. “Basta um dado. Quatro em cada dez americanos rejeitam as teorias evolucionistas de Charles Darwin. Eles rejeitam a ciência em um assunto científico, preferindo aceitar a tese bíblica de que Deus criou todos os seres vivos. Isso é treva. Mas não se tem notícia de que os adeptos do criacionismo preguem a morte dos que aceitam o evolucionismo darwinista. Do lado islâmico ela é mais espessa ainda. Os fundamentalistas muçulmanos confundem opinião com ação. Isso os leva a agredir e pedir a morte de pessoas que simplesmente discordam deles mesmo que o agravo seja apenas de opinião.”

O criacionismo já foi classificado como “esquizofrenia pedagógica” pela revista Ciência Hoje; os criacionistas já foram chamados de “ignorantes”, pela Galileu e outras publicações; e o físico Marcelo Gleiser disse que “tentar entender [a criação da vida] invocando uma entidade sobrenatural é deter o conhecimento, e incluir isso no currículo escolar é um crime” (leia matéria completa). Esquizofrênicos, ignorantes e criminosos os criacionistas já eram (pelo menos para os darwinistas fundamentalistas que insistem em agredir os que pensam diferente)... Agora a Veja conseguiu ampliar o processo vexatório: criacionismo também é “treva”. Quando o jornalista Diego afirma que os criacionistas rejeitam a ciência, ecoa pela milésima vez a idéia de que a ciência está em confronto com a religião e que o darwinismo não possui lá suas incoerências e insuficiências epistêmicas, como denuncia a Teoria do Design Inteligente, que não é criacionismo.

O que esses ultradarwinistas não querem ver é que a ciência experimental nada tem contra a Bíblia e que essa ciência, na verdade, nasceu num contexto cristão bíblico, conforme escrevi na matéria "O berço da ciência".

Portanto, comparar o fundamentalismo islâmico ao criacionismo bíblico é, mais uma vez, forçar a barra e reforçar um estereótipo falso.

Michelson Borges