sexta-feira, maio 02, 2008

Galileu distorce fatos sobre a Bíblia

A revista Galileu deste mês (10/06) usa a velha fórmula comumente adotada pela mídia secular, quando o assunto é a Bíblia Sagrada ou a pessoa de Jesus Cristo:

NL + OTL = RS; onde:
NL = novo livro questionando a Bíblia
OTL = opinião de dois ou três teólogos liberais
RS = reportagem sensacionalista (vendedora)

O texto de Edson Franco é quase que totalmente baseado no livro O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse? – Quem mudou a Bíblia e por quê?, do norte-americano Bart Ehrman. A reportagem afirma que, “para entrar no universo que ele [Ehrman] escancara, é preciso saber que a versão original do Novo Testamento foi compilada no século 2 e em grego. Depois, na medida em que a fé cristã se propagou, cópias desses originais se fizeram necessárias. E aí a coisa pegou.”

A “coisa pega” mesmo quando se compara o subtítulo da capa da revista com o da matéria. Na capa está assim: “Um novo livro afirma que passagens da Bíblia foram alteradas para sustentar os dogmas da Igreja Católica.” Internamente, usaram este: “Novo livro mostra como copistas dos primeiros séculos depois de Cristo distorceram o Novo Testamento para justificar dogmas do cristianismo.” Se a Galileu não é capaz de perceber a diferença entre cristianismo e catolicismo, o que garante que tem autoridade para avaliar outras questões teológicas? Mesmo correndo o risco de chover no molhado, aqui vão algumas distinções:

1. O cristianismo foi fundado por Cristo e Seus discípulos, portanto, no século 1. O catolicismo surgiu no século 4.

2. Os primeiros cristãos observavam o sábado como dia sagrado (ver Lucas 23:54-56; Atos 16:13); o catolicismo adotou o domingo como dia de culto e alterou os dez mandamentos para justificar tal prática.

3. O cristianismo primitivo, assim como o judaísmo, não permitia a adoração de imagens; o catolicismo introduziu essa prática e novamente mudou a lei de Deus que a condena (Êxodo 20:4 e 5).

4. Os cristãos batizavam adultos, uma vez que os conversos precisavam crer (Marcos 16:16); o catolicismo adotou o costume de batizar crianças.

A lista é maior, mas creio que já é suficiente para se notar que, definitivamente, cristianismo e catolicismo não são sinônimos – no entanto, Galileu comete esse erro primário comum entre os que não conhecem as doutrinas bíblicas e a história eclesiástica.

Deixando esse “detalhe” revelador de lado, há uma acusação, baseada no livro de Ehrman, que merece resposta: “A falta de tarimba e o interesse em adaptar o texto a conveniências da pregação respondem por uma série de alterações que foram incluídas no texto ao longo da História.”

Mas é lá pelo meio da matéria que se acaba conhecendo mesmo a teologia liberal de Ehrman, que evidentemente “contamina” toda a pesquisa dele: “Muitas pessoas se sentem ameaçadas pelas conclusões que apresento, principalmente quando elas entendem que aquilo que têm como o fundamento maior da sua fé [a Bíblia] pode [note: “pode”] ser problemático. Por outro lado, posso dizer que muitas pessoas religiosas acharam a minha visão libertadora. Com isso, elas compreenderam que a fé em Deus não se baseia nas palavras espalhadas em um livro, mas sim na experiência pessoal que cada um tem com Deus.” Bem conveniente para o tipo de religiosidade pós-moderna, baseada nos sentimentos.

E quase no fim, a reportagem “entrega o ouro” sobre Ehrman: “Minhas convicções pessoais mudaram radicalmente nos mais de 30 anos que passei estudando os primeiros manuscritos cristãos. Comecei como um conservador cristão evangélico e, com base nos meus estudos da Bíblia, concluí que a obra não passava de um livro por demais humano. Logo me tornei um cristão mais liberal. Hoje, por essas e outras razões, sou agnóstico.” [Grifo meu.]

Preparar uma reportagem e fazer afirmações tão sérias na capa de uma revista, praticamente tendo como base as opiniões de uma pessoa que mudou seu modo de ver a religião, é, para dizer o mínimo, irresponsabilidade jornalística. E os tantos outros pesquisadores – como Lee Strobel, para mencionar apenas um – que migraram do ateísmo e do ceticismo para a crença, justamente pelo fato de estudarem as Escrituras mais a fundo e verem nela algo mais do que apenas um “livro por demais humano”? Quando vão escrever uma matéria com esse ângulo? Quando?

** O NOVO TESTAMENTO MERECE CONFIANÇA?

Antes de qualquer coisa, é bom que se diga que o Novo Testamento (NT) não é o único documento que se refere aos acontecimentos relacionados à vida de Jesus. Incluindo o historiador judeu Flávio Josefo (37-100 d.C.), existem dez outros escritores não-cristãos conhecidos que mencionam Jesus num período de até 150 anos depois de Sua morte (ex.: Tácito, Plínio, Flegon, Talo, Suetônio, etc.). Além disso, segundo o apologista Norman Geisler, os documentos do NT possuem mais manuscritos, manuscritos mais antigos e manuscritos mais abundantemente apoiados do que as dez melhores peças da literatura clássica combinadas. Para se ter uma idéia, o intervalo de tempo entre as primeiras cópias remanescentes do NT e o original é de 25 anos. Já com relação às cópias dos escritos de Demóstenes e Heródoto, por exemplo, o intervalo é de 1.400 anos.

No livro Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu (Vida), os autores – Norman Geisler e Frank Turek – dão interessante resposta para a pergunta “Se a Bíblia é realmente a Palavra de Deus, então por que Ele não preservou o original?” “Uma possibilidade”, dizem eles, “é porque Sua Palavra pode melhor ser protegida por meio de cópias do que por meio de documentos originais. Como assim? Porque, se o original estivesse de posse de alguma pessoa, essa pessoa poderia alterá-lo. Mas, se houvesse cópias espalhadas por todo o mundo antigo, não haveria maneira de um escriba ou sacerdote alterar a Palavra de Deus. ... Desse modo, ironicamente, o fato de não existirem originais pode preservar a Palavra de Deus de uma maneira melhor do que se eles existissem.”

Geisler e Turek também afirmam que nenhum outro livro antigo é tão bem autenticado. E citam o estudioso do NT e professor da Universidade de Princeton, Bruce Metzker, que estimou que o Mahabharata, do hinduísmo, foi copiado com apenas 90% de precisão e a Ilíada de Homero, com cerca de 95%. Por comparação, ele estimou que o NT é cerca de 99,5% preciso. E esse 0,5% em questão não afeta uma única doutrina da fé cristã. Galileu foi atrás disso? Não, preferiu dar apenas uma versão da história e sonegar essa informação de seus leitores.

Agora pense na acusação de que os escritores do NT teriam inventado ou exagerado os fatos relacionados com Jesus. Por que os judeus que se converteram ao cristianismo se arriscariam a sofrer perseguição, morte e, talvez, condenação eterna para começar alguma coisa que (1) não era verdadeira e (2) elevou os não-judeus ao mesmo relacionamento exclusivo que eles afirmavam ter com o Criador do Universo? Peter Kreeft escreveu: “Por que os apóstolos mentiriam [...] se eles mentiram, qual foi sua motivação, o que eles obtiveram com isso? O que eles ganharam com tudo isso foi incompreensão, rejeição, perseguição, tortura e martírio. Que bela lista de prêmios!”

“Com muita freqüência, os documentos que compõem o NT [e suas cópias, também] são automaticamente considerados tendenciosos e indignos de confiança. Isso é irônico”, afirmam Geisler e Turek, “pois aqueles que sustentam essa visão são freqüentemente tendenciosos. São tendenciosos porque não investigaram primeiramente os documentos do NT ou o contexto no qual eles foram escritos, com o objetivo de fazer uma avaliação isenta de sua probidade.” [E digo mais, são tendenciosos porque também não pesquisam o que outras autoridades e autores escreveram a respeito, como ocorreu com a matéria da Galileu.]

** QUÃO ANTIGO É O NT?

Imagine que alguém vá escrever uma reportagem sobre as Torres Gêmeas do World Trade Center. Fala sobre a construção, sobre curiosidades, etc., mas não menciona que no dia 11 de setembro de 2001 elas vieram abaixo num atentado terrorista. Quando você diria que essa reportagem teria sido preparada? Agora pense num documento escrito por judeus do primeiro século, mas que omitisse a tragédia que se abateu sobre Jerusalém no ano 70 d.C. O fato de o NT não mencionar esse acontecimento e se referir à cidade e ao templo como ainda existindo, nos leva à conclusão de que a maioria, se não todos os documentos do NT, deve ter sido escrita antes do ano 70.

Outra evidência: o livro de Atos termina abruptamente quando Paulo está numa prisão domiciliar em Roma, e não há menção de Tiago, líder da igreja de Jerusalém, ter morrido. Por meio de Clemente de Roma – que escreveu no fim do século I – e de outros pais da igreja primitiva, sabe-se que Paulo foi executado em algum momento durante o reinado de Nero, que terminou no ano 68 d.C. E Josefo informa que Tiago foi morto no ano 62 d.C. Portanto, o livro de Atos deve ter sido escrito antes do ano 62 d.C.

E mais: Lucas informa que escreveu seu evangelho antes do livro de Atos (também de sua autoria), o que indica que Lucas foi escrito lá pelo ano 60 ou antes – isto é, apenas trinta anos ou menos depois da ressurreição de Cristo. Ainda havia muitas testemunhas oculares desse fato vivas nessa época, o que impediria de se tratar de uma simples lenda ou versão manipulada (por isso mesmo, o apóstolo Paulo chama o evangelho de Lucas de Escritura, igualando-o ao Antigo Testamento. Cf. I Tim. 5:18).

“Se havia um lugar onde uma ressurreição lendária não pudesse acontecer, era Jerusalém, porque os judeus e os romanos estavam por demais ansiosos para esmagar o cristianismo e poderiam facilmente tê-lo feito apresentando o corpo de Jesus por toda a cidade”, concluem Geisler e Turek.

** A DIVINDADE DE JESUS POSTA EM CHEQUE

Uma última declaração de Ehrman que merece comentário, é esta: “Eu acredito que Ele [Jesus] era completamente humano. Um homem do primeiro século do judaísmo que pensava e ensinava nos termos que faziam sentido para os judeus daquela época. Posteriormente, a cristandade fez dEle o Salvador e o Senhor de tudo.” [E Ehrman ainda se diz cristão...]

Deixando de lado os inúmeros textos bíblicos que atestam a divindade de Jesus, uma abordagem puramente lógica é capaz de demonstrar a falsidade da crença de Ehrman:

1. Jesus afirmava ser Deus.
2. Há duas possibilidades: ou Ele era Deus, ou não era.
3. Se Ele não era Deus, ou era um mentiroso ou um lunático.
4. Mesmo os que não crêem em Sua divindade [Ehrman, entre eles], admitem que Jesus era um homem notável.
5. Então Ele só pode ser o que dizia ser: Deus.
6. Ficamos com apenas duas alternativas: ou se aceita que Jesus é Deus, ou não se aceita isso.

O único consolo diante de tanto ceticismo é saber que esse cenário já havia sido previsto por Jesus: “Quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na Terra?” Lucas 18:8.

Michelson Borges