quinta-feira, maio 01, 2008

IstoÉ e os dois grandes erros

No best-seller O Grande Conflito, cuja tiragem ultrapassa 20 milhões de exemplares, em vários idiomas, a escritora norte-americana Ellen White aponta os “dois grandes erros” que tomarão conta do mundo pouco antes da volta de Jesus.

“Mediante os dois grandes erros – a imortalidade da alma e a santidade do domingo – Satanás há de enredar o povo em suas malhas”, escreveu ela, no capítulo 36. “Enquanto o primeiro lança o fundamento do espiritismo, o último cria um laço de simpatia com Roma. Os protestantes dos Estados Unidos serão os primeiros a estender as mãos através da voragem para apanhar a mão do espiritismo; estender-se-ão por sobre o abismo para dar mãos ao poder romano; e, sob a influência desta tríplice união, este país seguirá as pegadas de Roma, conculcando os direitos da consciência.”

Enquanto lia a última edição de 2005 da revista IstoÉ (28/12), com a retrospectiva do ano e com a manchete de capa “A ciência encontra Deus” (típico título alavancador de vendagem), pude perceber claramente como o mundo anda inebriado com esses dois grandes erros aos quais Ellen White se refere. A matéria principal se esforça para demonstrar, em seis páginas, que a fé em Deus é apenas uma questão de genética e que o criacionismo e o design inteligente são teorias retrógradas e falhas. No primeiro “olho” do artigo, IstoÉ sentencia: “Apesar de a ciência não ter mais dúvidas de que humanos e macacos tiveram um mesmo ancestral, há milhões de anos, algumas escolas do Brasil e dos EUA ensinam uma teoria diferente sobre a criação. Chamada de ‘desenho inteligente’, ela propõe que a origem do Universo é mais bem explicada pela existência de um agente criador. É uma forma de encontrar as digitais de Deus e deixar de escanteio a teoria evolucionista de Charles Darwin, de que há um processo de seleção natural das espécies.”

Em primeiro lugar, os criacionistas bem informados não duvidam de que haja seleção natural, mas criticam, sim, a suposta origem comum de todas as espécies, coisa que nunca foi provada. E se de fato não houvesse mais dúvidas quanto à suposta origem comum dos homens e macacos, não haveria sequer um cientista denunciando a insuficiência epistêmica do evolucionismo – e há muitos deles. IstoÉ trata o assunto com muita superficialidade, dando como resolvida uma questão que tem sido alvo de acalorados debates científicos em anos recentes. Perdeu (ou ignorou, como tem feito a imprensa de modo quase geral) boa oportunidade de tratar da polêmica sobre as origens e mostrar os argumentos de ambos os lados da controvérsia: o criacionismo e o evolucionismo.

Nas páginas 102 e 103, há uma entrevista com o biólogo norte-americano Dean Hamer, autor de O Gene de Deus, e defensor da idéia de que os genes podem determinar a fé e a espiritualidade de uma pessoa (idéia igualmente defendida pelo texto da IstoÉ). Dean afirma que “os genes influenciam vários aspectos da nossa personalidade. Calculo que haja 200 genes relacionados à espiritualidade, sobre os quais não sabemos nada. Ainda veremos muitas relações entre genética, saúde e comportamento. Todo mundo nasce com capacidade espiritual. Só que, para alguns, isso é mais fácil”. Para o biólogo, a religião é uma espécie de “muleta” que ajuda a trazer conforto para enfrentar a morte e otimismo para viver. E isso é tudo uma questão de química cerebral.

Mas como explicar os efeitos da oração intercessória, por exemplo? Pesquisadores constataram que grupos de pessoas doentes pelas quais outras pessoas oraram, sem que aquelas soubessem, se restabeleceram mais rápido do que doentes pelos quais não foram feitas orações. Qual a explicação científica para isso? Que a religião traga benefícios físicos para o seu praticante, é até algo lógico e provável (as endorfinas que o digam), mas é impossível negar o componente sobrenatural da espiritualidade, sob o risco de tentar explicar o inexplicável, do ponto de vista científico.

No fim do texto, outra frase denuncia o preconceito da revista (ou da autora da matéria, Darlene Menconi): “Apesar de tantos avanços, nem sempre é pacífica a relação entre teologia e razão.” Quer dizer que os teólogos são irracionais? Que somente a mentalidade dita científica é racional?

Ironicamente, a mesma revista dedica quatro páginas para uma entrevista bem “racional” com o médium paulista Robério Alexandre Bavelone. Apesar de mencionar erros crassos do médium que previu a eleição de um papa africano e que Daiane dos Santos ganharia medalha de ouro em Atenas, IstoÉ divulga abertamente as novas “previsões” de Robério (anote aí: o Brasil perderá a Copa e o próximo presidente poderá ser uma mulher; talvez a Heloísa Helena...).

A certa altura da entrevista, o repórter Eduardo Marini é informado de que “espíritos” ou “entidades” estão presentes no recinto – Ogum e um caboclo chamado Vaporé. Eduardo pergunta: “Bom, e como devo me comportar, já que somos mais do que dois aqui?” Ou seja, o repórter assume como real a presença dos seres espirituais.

Ao responder como será o ano 2006, Robério diz que “teremos a influência marcante e majoritária de uma entidade chamada Oxaguiam, uma espécie de Oxalá. Oxaguiam é do tipo família, carinhoso, mas também enérgico e determinado. Não admite que você o procure e o cultue somente nos momentos de dificuldades, abandonando-o depois para voltar somente em outro momento de aperto. É protetor, mas não aquele pai que o recebe, dá a grana de que você precisa, o vê partir e voltar tempos depois apenas para pedir algo uma vez mais, entende? Ele quer contato, devoção freqüente”.

IstoÉ concedeu um palanque (para não usar a palavra púlpito) ao médium. E ele aproveitou ao máximo a oportunidade de fazer sua “pregação”.

Não precisa muito esforço para perceber que a imprensa não tem nada de imparcial quando o assunto é religião. Muito embora a Bíblia Sagrada jamais tenha errado em suas profecias – algumas das quais feitas séculos antes de Cristo –, quase sempre que é citada em alguma reportagem acaba sendo alvo de críticas ou mesmo de zombaria. Quem dera o mesmo espaço e o mesmo tratamento dados ao médium fossem concedidos a um teólogo sério, para falar sobre a importância das Escrituras Sagradas e sobre suas profecias exatas.

Para mim, essa edição da IstoÉ é uma evidência de que aquilo que Ellen White escreveu há um século está de fato ocorrendo. O criacionismo aponta para o Deus Criador e para o sábado, como o memorial da Criação. Ao desprezar o criacionismo como uma teoria ilógica e anticientífica, a imprensa está, na verdade, ajudando a preparar o caminho para a imposição do domingo como dia de repouso. E o destaque dado a crenças espiritualistas só ajuda a sedimentar ainda mais o erro da imortalidade da alma.

Os dois grandes erros estão dominando o mundo.

Michelson Borges