“Você vai compreender melhor esta reportagem se fizer um pequeno exercício mental: esqueça de que é um membro da espécie Homo sapiens sapiens – a espécie humana – e adote um ponto de vista neutro. Imagine, por exemplo, que você é um alienígena enviado ao nosso planeta para estudar um bicho que, ao longo de sua evolução, desenvolveu características que o colocaram numa posição privilegiada na cadeia alimentar e reprodutiva do planeta. Ele tem a capacidade de comer quase tudo e se reproduz em qualquer tipo de ecossistema e clima, graças principalmente a algumas propriedades muito particulares de seu enorme e complexo cérebro. Esse bicho se autonomeou ‘humano’.”
Assim começa a matéria de capa da revista Terra deste mês, com o título “Planeta dos macacos”. O texto de Vinícius Romanini insiste em fazer o leitor tentar observar as semelhanças entre humanos e símios de uma perspectiva neutra – como a de um suposto alienígena –, mas oferece apenas a versão darwinista da história e se baseia unicamente em quatro livros: O Macaco Nu, A Mulher Nua, Guerra de Esperma e O Mapa do Amor, todos de autores declaradamente evolucionistas.
A neutralidade acaba quando a matéria insiste em idéias como estas (tentando como que convencer o “alienígena”, antes de deixá-lo julgar os fatos por si mesmo):
“Não somos seres destacados do resto da vida biológica da Terra, mas a continuidade de uma linhagem que começa com o próprio surgimento da vida e que se estende até os dias de hoje. Antes de sermos humanos, somos bichos.”
Se déssemos um pouco de tempo para o nosso amigo “alienígena” pesquisar, ele perceberia que a tal “linhagem até o surgimento da vida” ainda não foi provada (os elos perdidos continuam perdidos) e é alvo de muitas controvérsias (leia o texto “Cientista questiona teoria da criação da vida de Darwin”).
“Se um zoólogo alienígena usasse os mesmos pressupostos que usamos quando classificamos os animais que descobrimos”, insiste Vinícius, “não resta dúvida de que seríamos catalogados por nossas características mais óbvias e aparentes. A primeira conclusão a que esse observador neutro chegaria é que o homem é uma espécie de macaco, ou parente muito próximo dos atuais chimpanzés.”
Então, já que o “alienígena” é neutro, eu gostaria de apresentar-lhe outras informações, extraídas da entrevista que fiz com o matemático e pesquisador Orlando Rubem Ritter, publicada em meu livro Por Que Creio, da Casa Publicadora Brasileira (www.cpb.com.br).
** A SUPERIORIDADE HUMANA
Pense na moça ou no rapaz mais bonito que você conhece. Agora imagine um chimpanzé ou um orangotango... São parecidos? Apresente-os ao nossos amigo “alienígena”. Será que ele os consideraria “primos”? Bem, tirando o fato de que ambos – humanos e símios – têm muitas semelhanças estruturais (duas pernas, dois braços, dois olhos...) e biológicas, a comparação não pode ir muito mais longe. Os seres humanos são a obra-prima da criação de Deus, e como tal, devem ser muito superiores aos animais.
Segundo o Professor Ritter, há um grande número de atributos que conferem ao homem status singular que jamais poderia ter se desenvolvido gradualmente a partir de atributos animalescos. Tampouco poderiam existir num mundo sem significado ou propósito. Mostremos alguns ao “alienígena”:
Capacidade para raciocínio abstrato e para o uso de linguagem complexa. As línguas possuem uma subestrutura universal que compreende a gramática, o vocabulário e, eventualmente, a fonologia. Por isso, não existem “línguas primitivas” ou “pré-línguas”, mesmo entre os povos considerados atrasados. Os seres humanos estão, portanto, pré-programados para a fala, o que é em si forte evidência de desígnio.
Capacidade de produzir cultura “cultivando” a mente ao prover-lhe conhecimento e ao interagir com outros nos modos de pensar, crer, relacionar-se e comportar-se.
Senso de história e temporalidade. É próprio do ser humano descobrir-se imerso no tempo, “datado”, sentindo o presente, o hoje, sem a ele ficar preso, podendo atingir o ontem, o passado, e reconhecer o amanhã, o futuro.
Senso de responsabilidade e dever. Tremenda é a peculiar capacidade humana de possuir e de poder desenvolver uma consciência que o dirige ao que é certo, de acordo com códigos morais que o homem pode conhecer, entender, cumprir e ele mesmo elaborar.
Transcendência. O ser humano, embora consciente da realidade objetiva na qual se situa e imerso na matéria, é capaz de libertar-se da unidimensionalidade e do seu senso de finitude e transcender ao sobrenatural e ao espiritual. (Tratei disso no artigo “Por que creio”.)
Capacidade de fazer escolhas livres. Outro grande atributo do ser humano que normalmente possui o senso de que “existe” e não meramente de que “vive” ou “acontece”. Ele é capaz de defrontar escolhas e opções, refletir antes de agir, e depois de haver optado e já tendo agido, bem ou mal, sente ainda que poderia ter agido diferente.
Apreciação da beleza e gratificação estética são outras marcas essencialmente humanas. Apenas um ser muito singular em toda a natureza seria capaz de extasiar-se ante um amanhecer, ante uma noite estrelada ou na contemplação de uma paisagem calma. Somente o ser humano é capaz de apreciar a beleza. Interessante... há a beleza que parece propositalmente existir para ser apreciada e há o ser humano que, de propósito, parece feito para apreciá-la, desde o ciciar da brisa mansa até os acordes de uma Nona Sinfonia.
Feitos incríveis da humanidade. Em todos os domínios do conhecimento e das realizações, são notáveis as realizações humanas, alcançadas em decorrência da tremenda força do espírito humano, capaz de enfrentar obstáculos e desafios os mais diversos e atingir alturas quase inimagináveis.
O que será que nosso amigo “alienígena” concluiria, ao se defrontar com essas e outras informações que apontam para a singularidade e superioridade humana?
** O CÉREBRO E AS SAFADEZAS HUMANAS
A matéria da Terra afirma ainda que o complexo cérebro humano surgiu devido à necessidade de maior processamento de informação, condizente com os desafios que os “ancestrais do macaco-pelado enfrentavam”, e que o tamanho do cérebro humano é o “necessário para realizar as tarefas que sua natureza exige”. Mas aqui podemos perguntar: Por que, então, o cérebro humano tem uma capacidade ociosa muito maior do que aquela efetivamente utilizada? Há quem diga que os mais sábios de nós chegaram a usar apenas dez por cento de sua capacidade mental. Por que esse esbanjamento de “hardware”, se ele não seria plenamente utilizado? Ou a seleção natural trabalharia como uma espécie de “vidente”, dotando o ser humano de algo que ele só viria eventualmente utilizar num futuro distante? A tremenda capacidade não utilizada do cérebro parece apontar para uma criação perfeita que, por um motivo explicado no livro bíblico de Gênesis, acabou degenerando com o tempo.
Terra contribui também para justificar biologicamente comportamentos condenáveis, como a traição. “A infidelidade é um desses mecanismos, usado tanto pelo homem quanto pela mulher, mas com grandes diferenças de estratégias... Devido ao mesmo mecanismo evolutivo, a mulher tende a trair seu parceiro durante o período fértil, aumentando as chances de ter um filho do amante.” Muito conveniente essa explicação, não? Se o amigo “alienígena” fosse monogâmico e fiel, acharia que nossa espécie faz coisas erradas e tenta encontrar justificativas “científicas” para tanto...
** GENÉTICA
Vinícius faz uso da genética, repetindo uma informação questionável para tentar explicar a semelhança entre humanos e chimpanzés. Diz ele que o estudo do código genético humano “comprovou” que os genes do ser humano são 98 por cento idênticos aos de seus “parentes” mais próximos, “isso significa que entre 5 e 7 milhões de anos ambos tiveram um ancestral comum, uma espécie de tataravô primitivo”.
Não é bem assim. De fato, não faz muito tempo, os meios de comunicação anunciaram a suposta semelhança genética entre homens e chimpanzés e afirmaram que ambos partilham 99,4 por cento de seu DNA. Mas o que ocorreu foi que a equipe de pesquisadores, dirigida por Morris Goodman, da Faculdade de Medicina da Wayne State University, comparou 97 genes de seres humanos, chimpanzés, gorilas, orangotangos e camundongos. Os pesquisadores concluíram que os genes de chimpanzés e bonobos (gênero Pan) têm mais em comum com os genes humanos do que com os de quaisquer outros primatas.
Dificilmente esses dados seriam suficientes para sustentar uma conclusão tão radical. Os pesquisadores compararam apenas 97 genes, porém o genoma humano (que foi mapeado em sua totalidade de uma maneira muito “geral”) tem pelo menos 30 mil genes – portanto eles compararam apenas 0,03 por cento do total. Além disso, os genomas dos primatas não foram nem sequer mapeados de maneira aproximada. Assim, qualquer tentativa de comparar o DNA total atualmente é apenas uma conjectura.
Como, de fato, os chimpanzés são mais semelhantes aos seres humanos do que outros macacos ou símios, por que isso não se refletiria em alguns de seus genes? Não é surpresa que a anatomia similar refletisse genes similares, porém isso nada tem a ver com a origem das similaridades, seja no nível anatômico, seja no nível genético. A questão da ancestralidade comum versus projeto comum não se decide pelo grau de similaridade.
O problema é que, embora equivocado, o número de 99,4 por cento (ou 98, segundo Terra) chama a atenção. O público em geral é levado a interpretar as reportagens como tendo dito que os chimpanzés são “99,4 por cento humanos”. Mesmo antes que esse percentual de similaridade total tivesse sido rebaixado para 95 por cento, a sociedade criacionista australiana “Answers in Genesis” já havia ressaltado a falácia dessa lógica. Isso foi feito citando o professor evolucionista Steven Jones, que afirmara que as bananas compartilham 50 por cento de seus genes com os seres humanos, mas que isso não torna as bananas 50 por cento humanas!
** QUE O ALIENÍGENA TIRE SUAS CONCLUSÕES
Bem, se queremos que o “alienígena” da revista Terra faça realmente uma análise neutra de nossa origem e semelhança com outros seres criados, devemos dar-lhe todas as informações necessárias e permitir que ele chegue às próprias conclusões.
Dizer que “o homem é, basicamente, um macaco que se tornou agressivo”, que “a religião parece ser uma derivação da ancestral submissão que o grupo de macacos sentia pelo ‘macaco-chefe’ ou macho dominante”, e que o hábito humano de ir ao cabeleireiro advém do costume dos macacos de “catar-se mutuamente, retirando piolhos, escamações da pele e sujeiras de seus vizinhos”, é tentar manipular a opinião do “visitante de outro planeta” (como bem faz a mídia em nosso).
Como esse ser imaginário não terá lido A Origem das Espécies e não terá sofrido a influência do naturalismo e do materialismo, talvez sua conclusão a respeito da humanidade surpreenda – e decepcione alguns.
P.S.: Fica aqui uma frase de Mário Quintana, para a gente pensar: "O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro."
Michelson Borges