Terminei a leitura de Alma Sobrevivente, do escritor evangélico Philip Yancey. Fazia tempos que não lia algo declaradamente cristão, mas vindo de alguém que escreveu Decepcionados com Deus, pode-se esperar algo mais pensante do que a média das publicações evangélicas. Já conhecia Philip Yancey, do Perguntas que Precisam de Respostas, que li no período mais “xiita” de meu cristianismo. O livro é uma coletânea de artigos publicados na revista Christianity Today. Yancey, mesmo declarando sua crença nas bases do cristianismo, tem coragem de fazer perguntas que a maioria dos crentes não se permite fazer. Por exemplo...
Por que tão poucos cristãos demonstram alegria? Uma pessoa alegre seria mais parecida com a Madre Teresa ou com a Madonna?
Como pode uma religião que inclui um texto como Cantares de Salomão entre seus escritos sagrados ser conhecida como inimiga do sexo?
Como podem os evangelistas da televisão promover com tanta animação a teologia da prosperidade em um mundo cheio de injustiça e sofrimento como o nosso?
Na fase em que eu estava – de jogar fora qualquer objeto relacionado à Disney, queimar livros do Paulo Coelho (não pela qualidade literária, o que seria compreensível, mas por tratar de temas relativos a pseudo-bruxaria) e queimar fotos de baladas antigas (“as coisas velhas se passaram” e eu queria livrar-me das lembranças do pecado) – Yancey apareceu para dar uma arejada na minha mente que já estava bem estreita e alienada.
Então, Philip Yancey foi responsável por atiçar a semente questionadora, que sempre existiu em mim, e me fazer perceber que eu estava agindo como um robô. Talvez lá tenha começado o início de minha desconversão ou do meu abrir de olhos.
Dessa vez, com Alma Sobrevivente, ele me fez voltar a ter algum respeito por alguns tipos de evangélicos. No livro, que tem o subtítulo de Sou Cristão, Apesar da Igreja, o autor fala de pessoas que foram exemplos de fé para ele. A boa notícia é que ele não cita só evangélicos. Entre os nomes que fizeram com que ele compreendesse melhor a mensagem de amor do cristianismo estão Gandhi, Dostoievski, Tolstoi e a escritora católica Annie Dillard. Philip Yancey não escolhe seus exemplos de vida por causa de seus currículos de santidade, mas baseado no quanto de amor e compreensão aquelas pessoas transmitiram em suas vidas. Apesar de continuar não crendo na Bíblia ou na salvação da alma, posso afirmar que fiz um pouco as pazes com o cristianismo ao ler Alma Sobrevivente. Foi um livro que me fez lembrar que, independente da cruz de Cristo ou da remissão dos pecados, a mensagem cristã é uma mensagem de amor, humildade, compreensão e paz.
Yancey é um autor que faz com que cristãos radicais não engulam qualquer fórmula pronta vinda dos púlpitos e, ao mesmo tempo, mostra aos decepcionados com o cristianismo que existe vida inteligente no meio evangélico.
(Juliana Dacoregio, no blog Heresia Loira)
Nota: Juliana é jornalista, blogueira e criciumense. Ela diz ter abandonado a religião e abraçado o ceticismo. O que ela escreveu sobre Yancey deveria acender uma luz amarela no meio cristão. Será que a pregação do evangelho está sendo relevante para as mentes mais inquiridoras? Será que os cristãos estão mostrando ao mundo que o cristianismo de fato lhes mudou a vida, trazendo paz, alegria e uma vida mais plena? Muitos estão mais preocupados com sua vida na igreja do que com a viva comunhão com o Senhor da igreja. Resultado? Sofrem e não vivem a religião. Mostram ao mundo um arremedo de cristianismo, intolerante e sem poder de atração e convencimento. Deus nos ajude a trazer as Julianas de volta ao rebanho.[MB]