quinta-feira, maio 01, 2008

O preço da carne

Nunca pensei que fosse tão difícil fazer essa revelação à nossa filhinha de pouco mais de dois anos. Quando minha esposa estudava a Lição da Escola Sabatina com nossa pequena, e lhe disse que há pessoas que comem peixes, ela arregalou os olhinhos e disse, indignada: “Não, não comem, não.” Para ela, os animais são nossos amigos, não alimento.

Fiquei pensativo sobre isso. Sobre nossa postura – como adventistas, criacionistas e mordomos de Deus – diante dos animais. Lembrei-me, então, de um artigo que havia lido na edição de março de 2004 da revista Superinteressante, e que forneceu o título para esta reflexão.

No texto, o jornalista Dagomir Marquezi fala sobre crueldades perpetradas contra animais. Ele menciona os famosos “mercados de vida selvagem” asiáticos. Lá, animais das mais variadas espécies dividem gaiolas apertadas e sem água nem comida – um “festival de sangue, urina e fezes”, nas palavras de Marquezi. Segundo ele, as imagens mais chocantes registram o que esses mercados fazem aos cães, que lá são tidos como finas iguarias.

Os cozinheiros desses mercados acreditam que a adrenalina no sangue dos cães amacia a carne. Quanto mais sofrimento, mais apetitoso o prato. “Em nome da carne macia, a palavra de ordem é torturar os cães até a morte”, diz o jornalista. Ele relata três incidentes macabros: o de um pastor alemão sendo enforcado na viga de uma cozinha; o de um vira-latas com as patas dianteiras amarradas para trás do corpo; e o de um cão magrinho, que foi mergulhado em água fervendo ainda vivo.

Quem deu esse direito ao ser humano? Que espécie de criatura é essa que é capaz de jogar uma lagosta viva na água fervente? Que come um peixe fatiado ainda vivo no seu prato, num restaurante japonês? Que direito temos de prender bezerros em lugares escuros, sofrendo de anemia induzida e imobilizados por toda a sua curta vida, a fim de fornecer a vitela? É justo manter galinhas espremidas numa gaiola do tamanho delas, sendo obrigadas a comer o tempo todo, com seus bicos cortados, e sem dormir? Será que nosso paladar é tão importante assim?

Como se não bastassem as crueldades contra nossos companheiros de planeta, há também o aspecto da saúde humana. A escritora Ellen White disse que chegaria o momento em que teríamos que abandonar a dieta cárnea (Conselhos Sobre Saúde, pág. 450). Fico pensando se esse tempo já não chegou. A Sars nasceu no chão imundo dos mercados chineses. A doença da vaca louca apareceu quando o gado foi obrigado a se canibalizar. Vírus mutantes saltam do sangue de aves para o dos seres humanos sem defesas naturais. Nada menos que 60 por cento das doenças humanas surgidas nos últimos 20 anos têm origem no manejo inapropriado de animais.

Para tentar controlar essas doenças, comete-se mais atrocidades: enterram-se milhões de aves vivas e afogam-se gatos selvagens em piscinas de desinfetante, por exemplo. “Provocamos o desastre e massacramos as vítimas”, diz Marquezi. “Temos um caminho inteligente” – continua ele: – “racionalizar, humanizar e diminuir cada vez mais o consumo de animais. Ou podemos continuar o banho de sangue. Aí, todos nós pagaremos o preço.”

Palavras de alguém sem motivação religiosa! E nós, que postura devemos adotar? Na verdade, conselhos sobre esse tema já nos foram dados abundante e equilibradamente há um século, pela serva do Senhor. Senão vejamos:

“O uso comum de carne de animais mortos tem tido influência deteriorante sobre a moral, bem como na constituição física. A má saúde, em uma variedade de formas, caso fosse rastreada até à causa, mostraria o seguro resultado da alimentação cárnea.” – Manuscrito 22, 1887.

“A alimentação cárnea é prejudicial ao bem-estar físico e devemos aprender a passar sem ela. Os que estão em condições de seguir o regime vegetariano, mas atêm-se às suas preferências, comendo e bebendo o que lhes apraz, a pouco e pouco se tornarão descuidosos das instruções que o Senhor lhes deu no tocante às outras verdades.” – Conselhos Sobre o Regime Alimentar, pág. 403.

“Os que têm sido instruídos com relação aos efeitos prejudiciais do uso da alimentação cárnea, do chá e do café, bem como de comidas muito condimentadas, e que estão resolvidos a fazer com Deus um concerto com sacrifício, não hão de continuar a satisfazer o seu apetite com alimentos que sabem ser prejudiciais à saúde.” – Ibidem, pág. 36.

Embora Ellen White afirme que não se deva fazer da alimentação cárnea uma prova de comunhão (CSRA, pág. 130), cabe aos líderes e aos “que estão em condições de seguir o regime vegetariano” dar exemplo nesse sentido, sendo uma influência positiva diante do povo.

E já que o regime ovolactovegetariano é, por enquanto, o mais recomendável, também podemos tomar atitudes como comprar apenas ovos caipiras, produzidos por galinhas criadas soltas, comendo o que querem com seus bicos inteiros. Quando Deus nos ordenou dominar sobre os animais (Gên. 1:28), colocou sobre nós uma grande responsabilidade, que deve ser exercida com sabedoria e benevolência.

De minha parte, tentarei explicar para minha filhinha que uma vez, há muito tempo, Deus autorizou Noé e sua família a comerem animais limpos, numa situação emergencial. Infelizmente, os homens gostaram do que experimentaram e não pararam mais de matar para comer. Mas logo isso vai acabar.

Michelson Borges