“Mídia” é uma palavra que vem do inglês mass (massa) e do plural neutro latino media (meio). Portanto, mídia significa meios de comunicação de massa. Há quem considere a mídia o “quarto poder”. Pode até ser meio exagerada essa definição, mas o fato é que os meios de comunicação detêm, sim, grande poder de formar (e deformar) opiniões.
No que diz respeito à ciência, a mídia acaba contribuindo para fortalecer certas mistificações, tais como: (1) ciência e fé são inimigas; (2) ciência e técnica são a mesma coisa; (3) o cientificismo nasceu no coração da ciência; (4) a lógica matemática descobriu tudo. Se a matemática não descobre o “Teorema de Deus”, é porque Deus não existe; (5) a ciência descobriu tudo. Se não descobre Deus, é porque Deus não existe; e (6) não existem problemas de nenhum tipo na evolução biológica, só certezas científicas.
Os meios de comunicação raramente esclarecem termos e definições importantes para a compreensão da ciência. Exemplo disso é a confusão que se faz entre teorias e leis científicas. Notemos o que escreveram autores evolucionistas a esse respeito:
“Teorias científicas são supostamente testáveis e devem ser refutadas se elas não descrevem a realidade” (Marcelo Gleiser, A Dança do Universo, pág. 18).
“Em ciência, se um fenômeno não se repete ele não pode ser confirmado” (Carl Sagan, Veja, 27/03/96, pág. 89).
“Qualquer teoria científica pode inicialmente ser divulgada por razões estéticas ou metafísicas, mas o teste real é verificar se ela é capaz de fazer previsões que empatem com as observações” (Stephen Hawking, Uma Breve História do Tempo, pág. 163).
Seria bastante apropriado que esses tipos de esclarecimentos fossem, volta e meia, recordados pelos meios de comunicação de massa, mas não é o que ocorre.
A mídia também peca por não divulgar informações como esta: “Nenhum dos trabalhos publicados no Journal of Molecular Evolution durante todo o curso de sua vida editorial propôs um modelo detalhado através do qual um sistema bioquímico complexo poderia ter sido produzido à maneira darwiniana, passo a passo, gradualmente”, e “nunca houve conferência, livro ou artigo sobre detalhes da evolução de sistemas bioquímicos complexos” (Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin, págs. 179 e 183). Behe informa ainda que “numerosos estudantes aprendem em seus livros a ver o mundo através de uma lente evolucionista. Eles, contudo, não aprendem como a evolução darwiniana poderia ter produzido qualquer um dos sistemas bioquímicos notavelmente complicados que tais textos descrevem” (pág. 187).
Em julho do ano 2002, a revista Superinteressante, num artigo sobre evolucionismo, afirmou que, “com a publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, o fosso entre a ciência e a religião aumentou”. Mas será essa a realidade? O presidente da Federação Mundial de Cientistas, o físico Antonino Zichichi, discorda dessa idéia amplamente difundida e reforçada pela Super e outras tantas revistas. Em seu livro Por Que Acredito Naquele Que Fez o Mundo, pág. 16, Zichichi escreveu: “Nem a matemática nem a ciência podem descobrir Deus pelo simples fato de que estas duas conquistas do intelecto humano agem no imanente e jamais poderiam chegar ao Transcendente.” Portanto, ciência e religião não precisam ser excludentes. Ariel Roth, no livro Origens, pág. 51, sustenta que “a verdade precisa ser buscada, e devia fazer sentido em todos os campos. Devido a ser tão ampla, a verdade abrange toda a realidade; e nossos esforços para encontrá-la deveriam também ser amplos”. E David Berlinski, em The Advent of the Algorithm, págs. 249 e 250, diz que “um desconfortável senso de nulidade prevalece e tem prevalecido por tanto tempo, que uma visão puramente física ou material do Universo é algo incompleto; não pode abranger os fatos familiares e inescapáveis da vida ordinária”.
Como é uma construção humana, a ciência tem, sim, suas limitações. O matemático austríaco Kurt Gödel demonstrou que nenhum sistema de pensamento, mesmo científico, pode ser legitimado por qualquer coisa dentro do próprio sistema. Faz-se necessário sair de dentro do sistema e contemplá-lo de uma perspectiva mais ampla e diferente a fim de avaliá-lo. Exemplo: Como podem os seres humanos estudar objetivamente o ato de pensar, quando têm somente o ato de pensar para fazê-lo? Julgar a razão pela própria razão é como definir uma palavra usando a própria palavra como sua definição (tipo: “A casa é vermelha porque é vermelha”). Isso é uma tautologia e tautologias nada provam.
Como se pode sair de um sistema para uma estrutura de referência mais ampla quando o próprio sistema se arroga abranger toda a realidade? O que acontece quando atingimos as margens do Universo? O que há além? Se houvesse uma estrutura de referência mais ampla a partir de onde julgá-lo (talvez Deus), então o próprio sistema não seria todo-abrangente, como o materialismo científico muitas vezes alega.
Outro equívoco propagado pelos meios de comunicação diz respeito à crença dos cientistas. Dá-se a impressão de que praticamente todos os pesquisadores das ciências exatas e biológicas são evolucionistas ou céticos. Não é bem assim. Em 1916, cientistas americanos participaram de uma pesquisa sobre suas crenças religiosas. A mesma pesquisa foi repetida em 1996. Surpreendentemente houve pouca mudança nesses 80 anos. Em ambos os casos, cerca de 40 por cento dos cientistas disseram acreditar em um Deus pessoal, 45 por cento disseram não acreditar nisso e 15 por cento não responderam. (Ariel Roth, “Inteligent Design”, Perspective Digest, vol. 6, nº 3, 2001.) Por que, mesmo com o tremendo avanço da ciência desde o início do século passado até hoje, esses percentuais permanecem praticamente os mesmos? Parece que o abismo da Super é fictício... Michael Behe, na página 241 de seu livro já citado aqui, garante que “cientistas que acreditam em Deus ou numa realidade além da natureza são muito mais comuns do que a mídia nos leva a crer”.
Outro detalhe que deveria ser tornado claro é que o ponto de vista filosófico de uma pessoa tem poderosa influência no modo como ela interpreta suas observações. Fato que é amplamente reconhecido, mas freqüentemente ignorado. É como naquele poema de John Saxe, segundo o qual professores cegos do Industão tentam definir um elefante, mas não conseguem fazê-lo apenas a partir do tato, já que com isso têm uma noção limitada do objeto em análise.
Como bem afirmou José Luiz Goldfarb, presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência, “nenhum cientista entra no laboratório sem uma visão de mundo mais complexa. O fato de a ciência funcionar em bases experimentais não significa que o cientista não tenha crenças ou pressupostos sobre a realidade” (Revista Época, 27/12/99).
Um bom exemplo desse tipo de subjetivismo é a pergunta: “Um átomo de hélio é ou não uma molécula?” Para o químico, é uma molécula porque se comporta como tal do ponto de vista da teoria cinética dos gases. Para o físico, o hélio não é uma molécula porque não apresenta espectro molecular. “Suas experiências [do químico e do físico] na resolução de problemas indicaram-lhes o que uma molécula deve ser”, explica Thomas Kuhn, em A Estrutura das Revoluções Científicas, pág. 76.
** MÍDIA PRECONCEITUOSA
Em agosto de 1999, a revista Isto é (25/08) publicou um artigo de Peter Moon, comentando a decisão da Comissão de Educação do Kansas (EUA) de retirar o evolucionismo dos currículos escolares. Sem entrar em detalhes sobre o fato em si, analisemos a declaração bastante tendenciosa e preconceituosa do articulista: “De fato, 40 por cento dos americanos... acreditam que Deus criou a Terra, as plantas, os animais e Adão à Sua imagem e semelhança. E fez tudo isso há menos de dez mil anos, uma bobagem sem tamanho!” Na edição seguinte da mesma revista (01/09), foram publicadas 8 cartas de leitores comentando o assunto. Sete delas eram contra as opiniões de Moon. Por que bobagem? Quem decide isso? É um bom exemplo de mau jornalismo, isso sim.
No dia 13 de dezembro de 1998, o caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo trouxe na capa o título “Extremos da Evolução”. Nos artigos, foram abordadas as divergências entre expoentes evolucionistas como Richard Dawkins e Stephen Jay Gould. Apesar das discordâncias, o comentário de John Maynard Smith, um dos papas da biologia moderna, é conclusivo: “Por causa da excelência de seus ensaios, [Gould] tornou-se conhecido entre não-biólogos como o mais destacado teórico da evolução. Em contraste, os biólogos evolucionistas com quem discuti seu trabalho tendem a vê-lo como um homem cujas idéias são tão confusas que quase não vale a pena ocupar-se delas, mas alguém que não se deve criticar em público por ao menos estar do nosso lado contra os criacionistas” (New York Review of Books, novembro de 1995). Bastante esclarecedoras estas palavras...
A revista Galileu, de agosto de 2001, chama os criacionistas de fundamentalistas e movimento populista antiintelectual. Uma das entrevistadas, Vassiliki Betty Smocovitis, professora de história da ciência da Universidade da Flórida, chegou a declarar que “é irritante ver esses ‘especialistas autoproclamados’ fazendo pronunciamentos sobre a estrutura e legitimidade da biologia evolutiva, quando eles não têm absolutamente nenhuma credencial, treinamento ou reconhecimento na área”. Na época, senti-me desafiado e motivado a entrevistar pesquisadores criacionistas sérios, no Brasil (com exceção de Michael Behe, que é norte-americano e não é criacionista), a fim de demonstrar que a afirmação de Smocovitis era irresponsável. Esse esforço rendeu um livro, lançado pela Casa Publicadora Brasileira, com o título Por Que Creio – Doze pesquisadores falam sobre ciência e religião.
Nas semanas seguintes à publicação da matéria da Galileu assistiu-se a uma tremenda polêmica em torno da controvérsia criacionismo x evolucionismo. Cheguei a ser convidado pelos editores da Galileu para participar de um chat, no site da publicação. Quando me dirigia para o local combinado, em São Paulo, fui informado pelo celular de que o provedor da Globo estava com problemas e que o chat seria adiado. Nunca mais fui contatado, embora tenha enviado carta e e-mail à redação da revista e o anúncio do chat, com minha foto, tenha permanecido no ar por vários dias.
** POLÊMICA NO RIO
A decisão da governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, de implantar aulas de religião nas escolas do Estado reacendeu a polêmica sobre as origens, e fez com que isso ocupasse espaço nas páginas de jornais e revistas do País, no fim do mês de maio de 2004. A partir do segundo semestre, 1,7 milhão de alunos passaram a ter aulas de ensino religioso separados por credo. Até aí, tudo mais ou menos bem. A polêmica surgiu mesmo pelo fato de se incluir no currículo o ensino do criacionismo bíblico.
Mais uma vez ficou claro que a mídia, de um modo quase geral, está mais disposta a sustentar paradigmas do que a alimentar debates aprofundados, no que diz respeito à controvérsia sobre as origens. Outro bom exemplo desse tipo de polêmica tratada com superficialismo foi a notícia sobre a aparente semelhança genética entre o ser humano e os chimpanzés. A mídia deu grande ênfase a isso nos últimos meses. No entanto, a pesquisa dos cientistas do Centro de Ciências Genômicas Riken, do Japão, recentemente publicada na revista Nature, e que demonstra que embora nosso código genético seja bastante semelhante, as proteínas que produzimos são muito diferentes, não recebeu o mesmo destaque.
No livro Grandes Debates da Ciência (Editora Unesp), Hal Hellman afirma que, “ao contrário dos erros tecnológicos, erros em ciência raramente são notícia. Em conseqüência, o público poucas vezes toma conhecimento dos caminhos equivocados pelos quais os cientistas muitas vezes enveredam. Mesmo no caso em que se divulga uma idéia científica incorreta, ninguém sabe que ela é incorreta; e quando se chega à idéia correta, ela é apresentada como uma nova descoberta, e a velha idéia é simplesmente esquecida. Mesmo em revistas científicas, relatos de resultados negativos raramente chegam a ser impressos, a despeito do fato de que possam ser muito úteis para os que trabalham na área”.
O que se percebe é a tendência explícita de se defender a posição evolucionista, e ironia (e mesmo desconhecimento de causa) ao se tratar do criacionismo. As revistas científicas populares, via de regra, apenas estimulam a polaridade entre os dois modelos. Passam a idéia de que o criacionismo se trata de um antievolucionismo, e ignoram totalmente as pesquisas feitas por institutos científicos respeitáveis, como o Geoscience Research Institute (www.grisda.org), por exemplo.
** BASTIDORES DE UMA REPORTAGEM
Professor de Física no Unasp, campus São Paulo, Urias Takatohi afirma que “quanto ao ensino de criação em aulas de educação religiosa não há porque os cientistas ficarem alarmados. Os defensores do Naturalismo sempre afirmaram que o criacionismo tem inspiração religiosa e, portanto, não deve ser ensinado em aulas de ciências”.
De mesma opinião, Marcia Oliveira de Paula, doutora em microbiologia e coordenadora do NEO (www.iae-sp.br/campus/neo), diz que “se a intenção fosse ensinar criacionismo nas aulas de Ciências, eu até entenderia o alarme que estão fazendo. Mas se o espaço é na aula de Religião, qual é o problema de se falar sobre a Criação, que nada mais é do que um dos temas principais da Bíblia?”
Comentando especificamente a matéria publicada pela revista Época, a Dra. Marcia afirma que o texto é “muito ruim e extremamente parcial”. “A repórter conversou horas com a gente, recebeu um monte de material sobre criacionismo e pinçou apenas o que ela queria para dar uma impressão negativa do assunto.”
Marcia diz ainda que a repórter de Época lhe pediu os nomes de duas alunas do curso de Biologia para serem entrevistadas. A professora indicou uma adventista e outra não. No entanto, a repórter só entrevistou a não-adventista, em conversa de meia hora, por telefone, e a única frase que foi colocada é que “o seu contato com a teoria da evolução acontece apenas superficialmente”. A garota disse, depois, para a classe, que suas palavras haviam sido distorcidas e que ela só havia falado coisas boas do curso.
A Dra. Marcia explicou à repórter que no curso de Biologia do Unasp o aluno tem a disciplina de Evolução e a de Ciência das Origens, o que faz com que ele saia ganhando, pois obtém as duas visões e aprende mais do que o MEC exige. “Ela não citou a disciplina de Evolução e resumiu: ‘O resultado é que o aluno aprende mais do que o MEC exige.’ Ela leu essa frase para mim, pelo telefone, e eu pedi que ela a rescrevesse conforme eu havia dito, mas não adiantou nada”, desabafa Marcia.
Para o Dr. Urias, o pior de tudo foi atribuírem erroneamente a ele e ao NEO um gráfico com um cronograma dos principais eventos históricos, a partir da Criação, que acabou conferindo uma visão caricata ao criacionismo. “Aprendi com essa entrevista que a imprensa gosta mesmo é de polêmica”, diz ele. “Publicar assuntos sobre os quais todos concordam não parece interessante para ela.”
Sobre o currículo ideal, o vice-presidente da SCB, engenheiro Rui Corrêa Vieira sugeriu e o jornal O Estado de S. Paulo publicou: “Os colégios devem dar espaço ao criacionismo e ao evolucionismo em igualdade de condições, e os professores devem oferecer bibliografia séria e científica para os alunos pesquisarem, para que eles escolham em qual delas devem acreditar.”
** CONCLUSÃO
Muitos consideram o criacionismo como estando no campo da metafísica (e, em certo sentido, têm razão), mas quando a ciência extrapola seus limites (experimentação, repetição, previsões de acordo com as observações, etc.) ao afirmar que Deus é uma impossibilidade lógica e a Criação, um absurdo, não está (a ciência) também invadindo um espaço que não lhe diz respeito?
Acho curioso o fato de haver muitos cientistas respeitadíssimos que se consideram “crentes” (como também há os muitos ateus). Se a existência de Deus fosse uma constatação do domínio científico, creio que todos os cientistas seriam crédulos. E o contrário também seria verificado: sendo Deus uma impossibilidade científica, todos aqueles que se pautam pelo método científico seriam ateus. Mas não é assim.
O jornalismo científico foge às suas propostas (elogiáveis) de esclarecimento quando divulga artigos carregados de preconceito e premissas questionáveis, formando opiniões unilaterais. “O cientista disse que Deus é um absurdo, então deve ser assim mesmo”, é a conclusão popular.
A polêmica em torno da decisão do governo do Rio de Janeiro de incluir criacionismo nas aulas de religião das escolas estaduais, mostrou mais uma vez a tendenciosidade da imprensa quando o assunto é Origens. De modo geral, as revistas e jornais que deram espaço para o assunto apresentaram os criacionistas como religiosos fanáticos e o evolucionismo – como sempre – sinônimo de ciência. Ficaram claros o despreparo e a parcialidade dos repórteres da grande imprensa.
Anseio ver o dia em que a mídia secular possa abrir espaço para a publicação de artigos criacionistas sérios, escritos por bons autores e pesquisadores criacionistas, e não apenas a interpretação do que seja criacionismo, do ponto de vista evolucionista. Talvez, se houvesse um debate mais aberto e respeitoso, ainda que não se chegasse a um consenso, haveria maior clareza com relação ao que ambos os lados pensam e pregam. Se a ciência e a imprensa se detivessem aos fatos, deixando o juízo de valores (ou as conclusões quanto às origens) aos leitores, estariam cumprindo de forma mais efetiva seu papel.
Michelson Borges