sábado, maio 03, 2008

A darwinlatria continua

Mais um festival de preconceito e desinformação. Só posso qualificar dessa forma a matéria de capa da Veja desta semana (9/05), “A revolução sem fim de Darwin”. O “gancho” é a exposição que leva o nome do naturalista inglês, inaugurada na semana passada no Museu de Arte de São Paulo (Masp), e que permanece em cartaz até 15 de julho.

Segundo o texto assinado por Gabriela Carelli e Leoleli Camargo, com reportagem de Marcio Orsolini, “a exposição atrai sobre Darwin a atenção que ele merece como um herói da razão e um inimigo da superstição e da ignorância”. Logo de cara, eles mostram o objetivo da matéria: incensar mais uma vez o Darwin-ídolo e alfinetar os criacionistas e todos os que discordam dos pressupostos darwinistas.

O festival de desinformação começa com a seguinte afirmação: “...parece natural nos vermos habitando uma esfera que gira sobre o próprio eixo e em torno do Sol. Mas por milênios se acreditou em uma Terra plana como um campo de futebol sustentada pelos ombros fortes de um titã que se apóia sobre os cascos de tartarugas. A evolução lenta das espécies ao longo das eras formando linhagens que desembocam nos atuais seres vivos. Isso é o Darwin. Antes dele? Acreditava-se na versão religiosa segundo a qual por volta do ano 4004 a.C., de uma só tacada, Deus criou o homem, a mulher e os demais seres vivos exatamente como eles são agora. Essa visão pré-darwinista, que só sobrevive dentro dos círculos religiosos, tem conseguido ultimamente uma projeção assustadora. À luz desse retrocesso, relembrar as conquistas de Darwin torna-se um imperativo.”

Primeiramente, é bom deixar claro, mais uma vez, que o geocentrismo e o fixismo não são idéias bíblicas. O mal-entendido se deve ao fato de o catolicismo ter importado as idéias geocentristas de Aristóteles e as incorporado à sua teologia. Quando Copérnico e Galileu se insurgiram contra essa idéia, não estavam combatendo a visão bíblica, mas sim a concepção católico-aristotélica vigente. A Bíblia, na verdade, sugere a redondeza da Terra e afirma que nosso planeta está suspenso no vácuo sideral (cf. Is 40:22 e Jó 26:7). O ano 4004 a.C. para a Criação também não é bíblico e foi estabelecido pelo arcebispo James Ussher.

Quanto ao fixismo, ainda que alguns criacionistas mal informados sustentem essa idéia, ela igualmente não é bíblica. Quando Gênesis informa que Deus criou os seres vivos “segundo a sua espécie” (lembrando que o termo “espécie” aqui não tem a mesma conotação da taxonomia moderna), não está dizendo com isso que eles não poderiam passar por alterações morfológicas limitadas. Senão, como explicar a abundância de tipos de cães, por exemplo, ou mesmo as diversas etnias humanas? Ao repetir o argumento do fixismo ad nauseam, a imprensa apenas contribui para manter a ignorância acerca das idéias criacionistas.

Mais à frente, o texto de Veja afirma que os argumentos de Darwin contribuíram para que “a criação do mundo como descrita na Bíblia [fosse] desmontada”. Não sabia disso! Então é preciso avisar os inúmeros cientistas, pesquisadores e intelectuais que crêem no relato de Gênesis de que eles estão num caminho totalmente errado!

Veja cita o filósofo Philip Kitcher, da Universidade Columbia e autor do livro Living with Darwin (Vivendo com Darwin): “A publicação de A Origem das Espécies destituiu a vida humana de qualquer superioridade em relação aos animais, enterrou o conceito de divindade e pôs fim a milhares de anos de irracionalidade na comunidade científica e em parte da sociedade.” Ao dizer isso, Kitcher está chamando de irracionais os próprios "pais da ciência", que nos legaram o método científico. Senão, vejamos:

René Descartes, matemático e filósofo do século 17 – Para ele, as leis matemáticas investigadas pela ciência eram legisladas por Deus da mesma maneira que um rei determina leis para o seu reino. Em termos históricos, a ciência nasceu “de um ato inteiramente baseado na fé em que o Universo possuía uma ordem e que esta podia ser interpretada por mentes racionais” (Loren Eiseley).

Van Helmont, um dos primeiros químicos – “Creio que a natureza é o projeto de Deus, por meio do qual uma coisa é aquilo que é, fazendo ou agindo como lhe é ordenado.”

Nicolau Copérnico, astrônomo polonês – “As leis da natureza não são intrínsecas e não podem ser deduzidas a priori: antes são impostas ou infundidas por Deus”, e só podem ser conhecidas a posteriori, por meio da investigação empírica.

Galileu Galilei, físico, matemático e astrônomo italiano – Ele argumentou que não podemos presumir saber como Deus pensa; devemos sair e olhar para o mundo que Ele criou (inaugurando assim o método científico).

Isaac Newton, físico, matemático e filósofo inglês – Segundo ele, o principal objetivo da ciência é realizar uma argumentação retrospectiva ao longo da cadeia de causas e efeitos mecânicos “até chegar à primeira de todas as causas, que certamente não é mecânica”, e que, para Newton, é Deus.

“O método experimental foi mais bem-sucedido do que jamais poderia se imaginar”, observa Eiseley, “mas a fé à qual ele deve sua existência também tem uma dívida para com o conceito cristão da natureza de Deus.” A crença num Deus fidedigno e racional levou ao pressuposto de um universo racional e ordenado. E, de acordo com Eiseley, “a ciência de hoje ainda é mantida por esse pressuposto”. Irracionalidade, Veja?!

Depois, a revista de maior circulação no País traz mais duas afirmações taxativas e equivocadas: “Darwin só tem inimigos fora da ciência” e “foi necessário um século de descobertas para que a teoria da evolução de Darwin se comprovasse plenamente, em todos os seus aspectos”, nas palavras do biólogo David Mindell, da Universidade de Michigan.

Primeiramente, é bom que se saiba que há muitos cientistas que discordam de Darwin em vários aspectos. Dentro do movimento do Design Inteligente há até agnósticos, cuja motivação nada tem que ver com religião. Apenas perceberam que há insuficiências epistemológicas no darwinismo. Há muitos outros (professores universitários, inclusive) que preferem não sair do armário com receio de perder prestígio e mesmo verbas para pesquisa. E que eu saiba, nem todos os aspectos do darwinismo estão comprovados, como sustenta Mindell. É fácil dizer coisas desse tipo para leitores não afeitos às discussões intramuros no mundo dos darwinistas. Quer um exemplo?

No dia 13 de dezembro de 1998, o caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo trouxe na capa o título “Extremos da Evolução”. Nos artigos, foram abordadas as divergências entre expoentes evolucionistas como Richard Dawkins e Stephen Jay Gould. Apesar das discordâncias entre os evolucionistas, o comentário de John Maynard Smith, um dos papas da biologia moderna, é conclusivo: “Por causa da excelência de seus ensaios, [Gould] tornou-se conhecido entre não-biólogos como o mais destacado teórico da evolução. Em contraste, os biólogos evolucionistas com quem discuti seu trabalho tendem a vê-lo como um homem cujas idéias são tão confusas que quase não vale a pena ocupar-se delas, mas alguém que não se deve criticar em público por ao menos estar do nosso lado contra os criacionistas” (New York Review of Books, novembro de 1995).

Veja informa ainda que “nos Estados Unidos, onde 54% dos adultos dizem descender de Adão e Eva, segundo um levantamento recente do Instituto Harris Poll, menos da metade das pessoas crêem na teoria da evolução de Darwin”, e que “as escolas infantis russas também vêm sendo palco de campanhas contra o darwinismo. Há poucos meses, manifestando seu apoio a um grupo de pais de alunos que processou uma escola por manter apenas a teoria da evolução das espécies no currículo, o patriarca da Igreja Ortodoxa russa declarou que a teoria de Darwin é ‘baseada em argumentos deturpados’ e que ‘não há provas concretas de que uma espécie possa se transformar em outra’”. O patriarca tem razão.

E a revista conclui com esta pérola: “A fé humana já se provou resistente a todos os argumentos da lógica.”

Pois é, Newton, Galileu, Copérnico e Pascal eram todos ilógicos e irracionais...

Michelson Borges

Em tempo: o repórter Marcio Orsolini (da Veja) me ligou na quinta-feira e fez algumas perguntas sobre a editora para a qual trabalho e sobre os livros didáticos que produzimos para a rede educacional adventista e para colégios de fora da rede. Nossos livros, seguindo orientação da LDB 9.394/96 (os alunos devem criticar objetivamente as teorias científicas como construtos humanos de representação aproximada da realidade, e que essas teorias estão sujeitas a revisões e até descarte, e que o ensino médio tem entre suas finalidades habilitar o educando a ser capaz de continuar aprendendo, a ter autonomia intelectual e pensamento crítico), apresentam de forma crítica as duas visões sobre as origens (criacionismo e evolucionismo), sendo, portanto, mais completos que os livros texto convencionais. Curiosamente, não apareceu uma linha sequer na matéria de Veja sobre essas informações. Cumpri fielmente meu papel de “assessor de imprensa”, fornecendo dados e telefones. No entanto, mais uma vez fiquei desiludido com a “grande imprensa” e sua parcialidade típica...

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“Deus é o fundamento de todas as coisas. Toda verdadeira ciência está em harmonia com Suas obras; toda verdadeira educação conduz à obediência ao Seu governo. A ciência desvenda novas maravilhas à nossa vista; faz altos vôos e explora novas profundidades; mas nada traz de suas pesquisas que esteja em conflito com a revelação divina. A ignorância pode procurar apoiar opiniões falsas a respeito de Deus apelando para a ciência; mas o livro da natureza e a Palavra escrita derramam luz um sobre o outro. Somos assim levados a adorar o Criador, e a depositar uma confiança inteligente em Sua Palavra” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 115, 116).