sexta-feira, maio 02, 2008

A força da fé

A fé voltou a ser tema de capa da revista Veja. A reportagem de Okky de Souza – “Como a fé desempatou o jogo” – traz como subtítulo: “Os antepassados humanos que desenvolveram a capacidade de crer foram os únicos a sobreviver à Idade do Gelo. Isso explica por que a fé resiste mesmo quando a ciência prova que o sobrenatural nada mais é do que química e eletricidade.” [A ciência prova o sobrenatural? Essa é boa! Sempre pensei que a ciência fosse puramente empírica...]

Pergunto: O fato de terem descoberto que as emoções fazem parte da neuroquímica cerebral fez com que o amor não existisse ou se tratasse apenas de uma ilusão bioquímica? Para variar, Veja não cumpriu o dever de casa e deixou de entrevistar pesquisadores que discordam desse tipo de opinião reducionista, como o médico Raul Marino Jr., um dos maiores especialistas em neurocirurgia do Brasil. Em seu livro A Religião do Cérebro ele discute a existência de Deus. Mas não se limita a discutir o tema apenas no campo teórico. Ele conduz o leitor a uma viagem pelo cérebro humano e revela como determinadas regiões de sua anatomia funcionam como se fossem "antenas" que, por meio das crenças e religiões, captam as "vibrações de Deus". Para o autor, a melhor maneira de se comprovar a existência de Deus é justamente por meio da razão. Portanto, a antiga crença de que a espiritualidade começa onde a ciência termina é um grave engano, diz ele. (Leia também “Programados para Deus”.)

A matéria de Veja diz que “o núcleo duro [ou seria cabeça dura?] da melhor ciência [melhor ciência?!] despreza a noção de Deus. Da mesma maneira, os metafísicos de todos os sabores e cores não enxergam utilidade alguma no método científico [o problema é deles, pois é inegável a utilidade do método científico quando bem aplicado]. ... apesar dos avanços cada vez mais espetaculares da ciência, permanecem intactas as emoções humanas, as sensações de tremor diante do infinitamente pequeno ou do infinitamente grande. Por mais que se explique com crescente precisão como funciona o mundo natural, persiste para a maioria das pessoas a crença de que existe algo mais poderoso ainda”.

A reportagem prossegue dizendo que “muitos biólogos evolucionistas acreditam que as religiões – e tudo o que elas envolvem como instituições organizadas – surgiram como uma superadaptação do homem ao meio ambiente e prosperaram por conferir vantagens a seus praticantes. A crença no sobrenatural ajudou a convivência do grupo e, portanto, seria a gênese da civilização”.

A biologia é o estudo de coisas complicadas que dão a impressão de terem sido projetadas, conforme define o "bright" Dawkins. Como pesquisadores ateus como ele excluem a priori qualquer outra possível explicação, o naturalismo passa ser a “resposta” para a origem de tudo, inclusive da religião. O que não significa que não exista outra explicação.

Agora note o estilo “lavagem cerebral” da matéria: primeiro Veja diz que “muitos biólogos evolucionistas acreditam [portanto, têm fé] que as religiões surgiram como uma superadaptação do homem ao meio ambiente”. Depois afirma que “o fato [a fé virou fato] de a espiritualidade acompanhar o homem em sua evolução é, provavelmente, o motivo pelo qual o conceito de Deus surge em todas as sociedades humanas desde tempos imemoriais, mesmo entre as mais isoladas”.

Interessante mesmo é a entrevista com o biólogo norte-americano David Sloan Wilson, da Universidade Binghamton, autor do livro Darwin's Cathedral. Na obra, ele também sustenta que a fé evolui com o homem porque, como outras características da espécie, confere vantagens àqueles que a desenvolvem.

Wilson admite que “sempre haverá espaço para a fé, e ela não está necessariamente limitada à religião. Há muita fé na ciência. Eu, por exemplo, não entendo muito bem a teoria da relatividade de Einstein, mas acredito nela. Quando se pensa na enorme quantidade de descobertas científicas das últimas décadas, conclui-se que os cientistas, de todas as áreas, precisam ter fé nas teorias uns dos outros para seguir pesquisando”.

Bem, é o que sempre tenho dito aqui: é preciso muita fé para crer na macroevolução e em muitos aspectos do darwinismo. Também é necessária muita fé para ser ateu. Isso, sim, é a força da fé.

Michelson Borges

Nota: Leia também o comentário de Enézio E. de Almeida Filho, no blog Desafiando a Nomenklatura Científica.