domingo, maio 04, 2008

O material que Veja não publicou

Além do contato que fez comigo, enquanto preparavam a matéria de capa da Veja de 9/05, o repórter Marcio Orsolini trocou alguns e-mails com a Dra. Marcia Oliveira de Paula, bióloga pela USP e professora do Unasp, campus São Paulo. Com autorização da Dra. Marcia, reproduzo aqui a entrevista concedida por ela ao repórter de Veja . Nenhuma linha do material foi utilizada na matéria:

1. Como surgiu o seu interesse pelo Criacionismo?

Nasci numa família evangélica e tive uma educação religiosa. Por isso, minha visão de mundo é construída sobre os pressupostos de que o mais fundamental é a existência de um Deus que é o criador de todas as coisas. Durante toda a minha vida tem sido natural acreditar na existência de um Deus criador para explicar toda a grande variedade de seres vivos que existem na natureza.

Ao entrar na faculdade (fiz o curso de Ciências Biológicas), tive aulas de Evolução e passei a ter interesse em um estudo mais aprofundado e crítico sobre o assunto. Nessa época, comecei a procurar materiais sobre criacionismo publicados nos EUA e no Brasil.

2. Qual é a importância da divulgação e ensino do criacionismo?

Entender o que é criacionismo é importante para pessoas que valorizam o texto bíblico. É preciso entender como relacionar o que as ciências históricas propõem para as origens da vida e diversidade biológica com a proposta bíblica de origens e qual o objetivo da proposta bíblica de origens.

3. A senhora é formada em Microbiologia pela USP, certo? Acredito que tenha estudado a teoria de Darwin. O que fez a senhora seguir para a corrente do criacionismo?

Esta pergunta está respondida junto com a 1.

4. Como via a teoria darwinista na época da faculdade? Como a vê hoje?

A minha maneira de ver a teoria da evolução não mudou muito da época da faculdade até hoje. Ninguém pode tirar o mérito de Darwin pelo seu trabalho, que inclui a idéia da seleção natural, a qual explica como organismos que possuem características mais vantajosas podem sobreviver em um determinado ambiente, em detrimento de outros organismos que não a possuem, e passar essa característica para os seus descendentes. Porém, o grande problema de Darwin e de outros evolucionistas é que eles se baseiam em pequenas mudanças plausíveis, que são observadas na natureza, ou seja, surgimento de novas espécies a partir de uma espécie ancestral e extrapolam que mudanças muito maiores, nunca observadas na natureza e nem experimentalmente, seriam possíveis, bastando apenas ter ocorrido em milhões ou bilhões de anos.

5. Para a senhora, qual a importância da teoria da evolução (de Darwin)? Ela também deve ser ensinada aos estudantes?

A teoria atualmente aceita pela ciência não é o Darwinismo, mas sim o Neodarwinismo ou Teoria Sintética da Evolução, que consiste em uma reinterpretação à luz de novos dados provindos da genética e outras áreas do conhecimento biológico (botânica, zoologia, paleontologia e ecologia), dos conceitos obtidos a partir do Darwinismo.
Acho que a teoria da evolução deve ser ensinada nas escolas, já que essa teoria é aceita pela comunidade científica atualmente para explicar as origens. Porém, o aluno deve ser esclarecido sobre as bases da teoria e sobre suas limitações. O estudante deve conhecer a teoria da evolução, mesmo que decida não se posicionar a favor dela.

6. Como desenvolver pesquisas sobre a origem das espécies baseada no criacionismo?

Da mesma forma como qualquer cientista faz. Desenvolver pesquisas sobre a variabilidade dentro das espécies e sobre a origem de novas espécies é fácil, para criacionistas e evolucionistas, porque podemos ver que essas coisas estão acontecendo atualmente, como já explicado em outra pergunta.

Entretanto, acho que a sua pergunta tinha intenção de ser direcionada a pontos mais controversos, que envolvem, por exemplo, o registro fóssil. Veja o material que o Prof. Dr. Urias Takatohi escreveu para outra entrevista. Ele responde a sua pergunta.

7. Nas suas aulas, a senhora explica a evolução sem citar Darwin? Como?

Eu ensino as disciplinas Genética I, Genética II e Evolução no Ensino Superior, no Curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário Adventista de São Paulo. A minha disciplina Evolução consiste em quatro aulas semanais, durante um semestre. Obviamente, é impossível ensinar evolução sem falar de Darwin. Meus alunos aprendem todo o conteúdo de evolução como em qualquer outra universidade.

Nas aulas de Evolução eu não ensino criacionismo. Ensino evolução de forma crítica. Ou seja, discutimos os pontos fortes e fracos da teoria.

Os alunos do Curso de Ciências Biológicas do Unasp têm, além da disciplina Evolução, duas disciplinas denominadas Ciência e Religião e Ciência das Origens (2h semanais cada), atualmente ministradas pelo Prof. Dr. Urias Echterhoff Takatohi. Nessas disciplinas se discute a interação entre Ciência e Religião, sendo feita uma comparação crítica entre as especulações da ciência sobre as origens com as idéias da visão de mundo teísta cristã.

8. Há questionamento por parte dos alunos da teoria darwinista?

Sim. Temos questionamento de ambas as partes, tanto de alunos que se consideram criacionistas como dos que se consideram evolucionistas. Por outro lado, há espaço nas aulas de Ciências das Origens para que eles possam também questionar o criacionismo.

9. A senhora acredita que o ideal seria que todas as escolas ensinassem criacionismo e evolucionismo, possibilitando aos estudantes o conhecimento das duas correntes de pensamento?

O mais importante é que as escolas ensinem Ciência de boa qualidade, o que não tem sido feito de uma forma satisfatória no Brasil. Conforme já coloquei acima, acho que a teoria da evolução deve ser ensinada nas escolas, já que essa teoria é aceita pela comunidade científica atualmente para explicar as origens. Porém, o aluno deve ser esclarecido sobre as bases da teoria e sobre suas limitações. O estudante deve conhecer a teoria da evolução, mesmo que decida não se posicionar a favor dela.

Em relação ao criacionismo, o que acontece é que este tem, como pressuposto central, a existência de um Deus criador que atuou de forma sobrenatural na criação do mundo. A ciência atual não aceita a presença do sobrenatural e tenta explicar tudo por mecanismos naturais. Os cientistas procuram explicar o comportamento do universo físico em termos de causas puramente físicas e materiais, sem invocar o sobrenatural. Por isso fica difícil, na minha opinião, colocar o ensino do criacionismo nas aulas de Ciências ou de Biologia.

Se a escola for confessional e tiver aulas de ensino religioso, não vejo problemas em abordar, nessas aulas, entre outros tópicos que podem ser ensinados, a Criação, já que esse é um dos temas principais da Bíblia.

10. Li que durante as aulas tenta-se mostrar as falhas da teoria evolucionista. Como? Quais são essas falhas?

Como em todas as aulas de Ciências, os alunos têm que aprender a questionar as teorias. Por isso, tento ensinar a teoria de evolução de uma forma crítica aos alunos. Seguem abaixo alguns dos problemas da Teoria da Evolução:

>> A teoria da evolução não consegue explicar a origem da vida por processos naturais, a partir de matéria não viva.

>> Também não consegue explicar a origem da informação genética nem de sistemas irredutivelmente complexos.

>> Também não consegue explicar o aumento de complexidade que teria acontecido nos organismo durante o processo evolutivo. Ou seja, não consegue explicar a origem de novos órgãos, sistemas de órgãos e novos planos corporais.

Em relação ao registro fóssil:

>> A teoria da evolução não consegue explicar a Explosão Cambriana.

>> Também não consegue explicar a falta de formas de transição entre os principais grupos de organismos

Por outro lado, a teoria da evolução explica muito bem processos como a microevolução e especiação (processo de formação de novas espécies).

Tudo aqui foi colocado de uma forma muito resumida, pois para discorrer melhor sobre esses assuntos é necessário muito espaço.

11. Os criacionistas aceitam a evolução até certo ponto, não é? Que ponto é esse? Há exemplos?

Uma das definições do termo evolução é: "Mudanças nas freqüências gênicas e genotípicas das populações" e eu aceito plenamente essa idéia. Esse tipo de evolução pode ser constatado nas populações naturais e eu não vejo nenhum problema com ele. Eu e vários outros criacionistas aceitamos a microevolução (processos que levam à origem de novas raças e até novas espécies). Aceitamos até parcialmente a macroevolução, no que concerne à origem de novos gêneros.

Existem relatos feitos por cientistas do surgimento de novas espécies de animais em períodos que variaram de centenas a milhares de anos. James Gibson (Anais do IV Encontro Nacional de Criacionistas) faz a seguinte citação: "Numerosos exemplos de mudança nas espécies já foram observados. Por exemplo, uma nova espécie de copépode formou-se no Mar Salton, no sul da Califórnia, em menos de 30 anos. O Havaí não tinha bananeiras até cerca de mil anos atrás, no entanto, há mariposas havaianas nativas que só se alimentam de bananeiras. Essas novas espécies surgiram em menos de mil anos. Uma população de macacos verdes viveu na ilha de St Kitts, no Caribe, por menos de 100 anos, mas desenvolveu aspectos morfológicos equivalentes a uma nova espécie. A capacidade de mudanças rápidas está confirmada tanto por experimentação como por observação da natureza."

Os criacionistas aceitam a seleção natural, mutação, deriva genética e outros chamados fatores evolutivos. O que não aceitamos, e que também a teoria da evolução não consegue demonstrar, é que esses fatores podem levar ao aumento de complexidade nos organismos com o surgimento de novos órgãos.

12. Mesmo o Brasil sendo a maior nação católica do mundo, o evolucionismo tem mais importância nas instituições de ensino. Por que a senhora acha que isso acontece?

A Igreja Católica aceita a teoria da evolução. A posição dessa igreja, assim como de outras igrejas evangélicas, é evolucionista teísta. Ou seja, de uma forma resumida, Deus teria criado o mundo usando a evolução como instrumento. Isso contraria a literalidade do livro de Gênesis na Bíblia.

Porém, acredito que o fato de o evolucionismo ter mais importância nas instituições de ensino tem a ver com o fato de a teoria da evolução ser aceita pelo meio científico atual.

13. A senhora poderia deixar mais claro quais são as diferenças entre criacionismo científico e criacionismo bíblico?

Particularmente, eu não gosto muito do termo ciência criacionista ou criacionismo científico. A teoria da evolução é baseada na filosofia do naturalismo e não considera qualquer hipótese que envolva a intervenção divina na história do Universo. O naturalismo passou a fazer parte da ciência atual. Assim, a ciência tenta explicar todos os fenômenos com base em processos naturais. Como o criacionismo aceita a presença do sobrenatural, ele não poderia ser denominado "científico", de acordo com a definição da ciência moderna.

Por outro lado, a existência de Deus é um postulado fundamental para um criacionista bíblico. Todo raciocínio parte do pressuposto de que Deus existe, que criou tudo e que o ser humano é criação especial de Deus e que Deus se relaciona com o ser humano.
O crente dos séculos 20 e 21 às vezes sente-se pressionado a querer justificar seu postulado fundamental pressuposto com argumentação científica. Isso acontece porque a pressão da ciência como principal fonte de conhecimento é muito grande. Porém, acredito que ter crenças religiosas e procurar entender seu mundo dentro do contexto de suas crenças é uma atividade intelectual legítima. Todo mundo que pensa faz um pouco disso.

Gostaria de ressaltar que cientistas criacionistas podem produzir trabalhos científicos de qualidade. As suas crenças religiosas, a meu ver, não atrapalham em nada a sua qualificação científica.

14. A senhora participou da fundação do Núcleo de Estudo das Origens (NEO)? Ele existe há oito anos, certo?

Sim, o NEO foi fundado em 1999 e tenho participado dele desde a sua fundação. Atualmente sou a coordenadora do grupo. Mais detalhes sobre o grupo você pode encontrar em nossa homepage.