Harry Collins jamais conseguiria resolver as equações da teoria da relatividade, e deixar nas mãos dele um detector de grávitons seria receita para o desastre. Mas o sociólogo conseguiu confundir a cabeça de um time de nove físicos. Desses, sete acharam que ele também era do seu ramo e descartaram como impostor um físico de verdade, ao comparar as respostas dadas por ambos a uma série de questões cabeludas sobre ondas gravitacionais.
Em retrospecto, a missão de Collins, pesquisador da Universidade de Cardiff (País de Gales, Reino Unido), não parece tão impossível assim. Afinal, ele é sociólogo da ciência e há 30 anos estuda a comunidade de físicos de ondas gravitacionais. Mas, com sua divertida impostura, Collins considera ter demonstrado que não é preciso saber matemática avançada ou ter prática de laboratório para entender a fundo os conceitos de um ramo da ciência – coisa que muitos cientistas de verdade ainda negam. (...)
A tese de Collins era simples: um estranho no ninho da física de ondas gravitacionais, mesmo que não soubesse fazer as contas complicadas que a disciplina exige, seria capaz de adquirir a chamada “especialização interativa”, ou seja, o domínio dos conceitos por trás daquele ramo de pesquisa e a capacidade de interagir com pesquisadores e até dar sugestões ou fazer comentários. (...)
O trabalho pode ter implicações, por exemplo, para a avaliação de artigos científicos para publicação (a chamada revisão por pares), ou mesmo para a alocação de verbas. Afinal, pesquisadores de áreas diferentes podem ser tão competentes para julgar o mérito de um estudo ou projeto quanto especialistas no ramo. (...)
(Reinaldo José Lopes, da Folha de S. Paulo)
Nota: Há uns três anos, li o livro Imposturas Intelectuais (Record), dos físicos Alan Sokal e Jean Bricmont. O livro discorre sobre a publicação, em 1996, de um artigo de Sokal na respeitada publicação norte-americana de estudos culturais Social Text. O título é bem estranho: “Transgredindo as fronteiras: Em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”. Sokal sustentou suas idéias com longas citações de eminentes pensadores americanos e franceses. Pouco depois, ele revelou que o artigo era uma paródia e que seu objetivo era, usando a sátira, atacar o cada vez mais comum abuso da terminologia científica e a irresponsável extrapolação de idéias das ciências naturais para as ciências sociais. “Mais amplamente”, como diz a orelha do livro de 316 páginas, “ele queria denunciar o relativismo pós-moderno, que sustenta a tese de que a verdade objetiva não passa de uma convenção social”. A brincadeira de Sokal deflagrou intenso debate nos meios intelectuais de todo o mundo.
No prefácio, os autores advertem que “esta obra trata da mistificação da linguagem deliberadamente obscura, dos pensamentos confusos e do emprego incorreto dos conceitos científicos”. E na página 15, afirmam que “vastos setores das ciências sociais e das humanidades parecem ter adotado uma filosofia que chamaremos, à falta de melhor termo, de ‘pós-modernismo’: uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que encara a ciência como nada mais que uma ‘narração’, um ‘mito’ ou uma construção social entre muitas outras”.
A constatação de Sokal me chama a atenção pelo fato de que são os cientistas (a maioria, me parece) que acusam os religiosos de não-racionalistas. No entanto, essa “contaminação” da ciência pelo pensamento pós-moderno mostra, uma vez mais, que não importa de que lado esteja e que idéias ou métodos adote, o ser humano é um ser emocional, nem sempre lógico e muitas vezes preconceituoso – seja cientista ou não, religioso ou não.