Não há dúvidas de que a tecnologia veio para mudar nossa vida e trazer facilidades. Hoje é possível se comunicar gratuitamente com uma pessoa do outro lado do mundo, vendo o rosto dela numa tela, ao mesmo tempo em que se envia para ela um arquivo de filme (ou outra coisa qualquer) via internet. Os buscadores economizam horas de pesquisa e os blogs e redes sociais ajudaram a democratizar a informação, possibilitando ao receptor o acesso a ferramentas que facilmente o tornam, também, emissor da informação. As infovias poderiam até ser comparadas às estradas romanas do primeiro século, que facilitaram o contato das pessoas e a disseminação de informações no antigo Império Romano. Os modernos, rápidos e fáceis meios de comunicação atuais certamente estão no contexto da nova “plenitude dos tempos”, em que há plenas condições de comunicar as boas-novas da volta de Jesus ao mundo. Se Ele ainda não voltou, não foi por falta de recursos comunicacionais. Mas essa é outra discussão...
Entretanto, com as facilidades vêm também os desafios. É tanta informação disponível, que muita gente não consegue mais administrar essa avalanche. Como selecionar nessa imensa prateleira de conteúdos o que é relevante e desprezar o irrelevante? Como desenvolver essa habilidade de foco e não nos perdermos nas águas virtuais? Chegou o tempo em que os cristãos devem escolher entre o bom e o essencial. Há muita coisa boa na internet, mas se nos dedicarmos a todas elas, não mais nos sobrará tempo para o que é essencial: a comunhão com Deus, o relacionamento com a família e os amigos (afinal, “as coisas mais importantes na vida não são coisas”, como escreveu Anthony J. D’Angelo) e a missão (sim, porque nós, cristãos, não estamos aqui numa colônia de férias, mas no campo de uma batalha; e temos uma obra a concluir).
Além da tentação da perda de tempo com o que é bom, há também o perigo maior da submersão em águas turvas. Quanto mais a informação se torna acessível (ponto positivo), mais o lixo internético se aproxima, também, das pessoas (ponto negativo). Se antigamente (e “antigamente”, hoje, nestes tempos velozes, pode ser vinte anos atrás, apenas) o rapaz, para ter acesso à pornografia, tinha que se expor, fingir que era mais velho e comprar uma revista na banca de jornais, hoje, no recôndito de seu quarto, atrás de um monitor, no anonimato conveniente e à distância de apenas um clique, todo um universo imoral e viciante se lhe abre aos olhos. A armadilha é satanicamente perfeita: a sociedade apresenta moral questionável e carregada de valores invertidos; as pessoas perdem cada vez mais a capacidade de resistir à tentação e se acostumam ao pecado (Rm 12:2); então vem a serpente virtual e esfrega o fruto do pecado no nariz da vítima. É... quem disse que viver nos últimos dias seria coisa fácil?
Li recentemente um artigo interessante: “Forget Dagon, Baal, and Asherah: smartphones are the new idols”. Nele o autor fala da escravidão crescente aos smartphones, iPads, etc., e fala também do mal da distração. Aqui não pude deixar de pensar na invasão das igrejas por esses equipamentos. Tem gente que nem leva mais a Bíblia (de papel) para os cultos e isso tem gerado discussões. Talvez algo parecido tenha ocorrido quando da transição dos pergaminhos para o livro... Mas o fato é que a mudança do papel (que, ao que tudo indica e ao contrário do que alguns vaticinaram, não vai deixar de ser usado tão cedo) para o digital ainda causa certa estranheza, e o pior: o uso desses equipamentos pode acarretar distração justamente onde isso não deveria ocorrer: no local em que se prega a Palavra de Deus e em que buscamos um encontro especial com o Criador.
Para alguns, a Bíblia (em papel) ainda tem toda a simbologia de livro separado, já o celular tem a característica do secular, ferramenta do dia a dia em que se faz de tudo (até ligações telefônicas!). Usar a Bíblia no iPod ou no iPad é muito prático, mas parece ainda não ter se revestido do caráter reverente e profundamente simbólico de abrir e folhear as páginas sagradas. Para os guardadores do sábado, o sétimo dia da semana é aquele em que se usam roupas separadas/especiais, procura-se preparar um prato diferente, enfim, um dia sagrado, libertador da rotina. Não seria também o caso de se ter uma Bíblia “separada”? Caminhar pelas ruas com a Bíblia nas mãos é, também, uma maneira de dizer ao mundo que somos cristãos. Mas quem vai saber que temos a Bíblia em nosso smartphone?
Entenda bem: não estou sugerindo que o uso desses equipamentos na igreja seja pecado ou moralmente condenável. Quero apenas lembrar que a utilização deles deve ser regida pela racionalidade e pela espiritualidade. (Eu não disse que estes tempos modernos trazem maiores exigências? Inclusive de reflexão.)
Mais do que nunca, precisamos pensar nas palavras de Habacuque 2:20: “O Senhor... está no Seu santo templo; cale-se diante dEle toda a terra.” E em Malaquias 1:8 Deus “desabafa”: “Quando trazeis animal cego para o sacrificardes, não é isso mal? E, quando trazeis o coxo ou o enfermo, não é isso mal? Ora, apresenta-o ao teu governador; acaso, terá ele agrado em ti e te será favorável?, diz o Senhor dos Exércitos.” Quando nos portamos de maneira irreverente na casa de Deus, não Lhe devotando toda a nossa atenção, não consiste isso num “sacrifício imperfeito”? Paradoxalmente, muita gente, enquanto age assim diante do Criador do Universo, devota total atenção ao “time do coração”, ao seriado favorito ou às conversas com amigos.
Temos que reaprender o que é aquietar-nos para saber que Ele é Deus (Salmo 46:10).
Michelson Borges
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