terça-feira, abril 02, 2013

A agonia de Cassandra - ou: a triste sina de Confuso

Talvez a parte mais estressante dos chamados filmes-catástrofe (terremotos, tubarões, maremotos, piranhas, polvos, aliens e asteroides) não seja a tragédia em si, mas o clichê que a precede: pessoas anônimas, sem grande credibilidade, buscam advertir as autoridades quanto à tragédia iminente, mas, por uma série interminável e previsível de motivos, ninguém lhes dá a mínima. Até que a desgraça desaba sobre os soberbos e, principalmente, sobre os inocentes. Parece-me que o apelo catártico desse tipo de filme não é o voyeurismo macabro que se costuma manifestar diante do sofrimento alheio - voyeurismo facilmente identificável na bem-sucedida indústria de tabloides e pasquins de “notícias populares”, que escorrem sangue. Talvez o mote do filme-catástrofe seja o desagravo de quem se preocupa com o semelhante e busca sua segurança - por que não dizer “salvação”? - empregando tempo e recursos, suportando o escárnio e o deboche, com evidente prejuízo para si.

Lembro-me desse tema sempre que ouço certos políticos e personalidades públicas tachando de “Cassandras” aqueles que recomendam prudência e ponderação em contraste com suas previsões progressistas (“liberem o aborto, as drogas, os casamentos mistos e múltiplos e adentraremos triunfantes na Era de Aquário!”).

Mas voltemos: a ignorância cultural e a falta de senso crítico da imprensa é o que mais salta aos olhos diante dessa rotulação grosseira. Ninguém percebe ou aponta que o termo “Cassandra” não designa um pessimista que sempre faz previsões furadas. Uma visita à mitologia grega, ainda que através da mendicante e tendenciosa Wikipédia, pode trazer luz à questão (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassandra):

Cassandra foi uma princesa troiana habilitada desde a infância a ouvir as vozes dos deuses após uma serpente lamber seus ouvidos enquanto ela dormia no Templo de Apolo. Posteriormente, agora uma moça extremamente bela, passou a servir fielmente a Apolo, que se apaixonou por ela e ensinou-lhe os segredos da profecia. Uma vez profetiza, Cassandra negou-se a deitar-se com ele, sendo por isso amaldiçoada: ninguém acreditaria em suas profecias. Dito e feito: prevendo que o Cavalo de Madeira deixado nos portões de Troia causaria a destruição da cidade, alertou seus pais, o rei Príamo e a rainha Hécuba. Não lhe deram ouvidos e Troia acabou sendo invadida e arrasada. 

Assim, o rótulo Cassandra não se aplica a catastrofistas alucinados que sempre quebram a cara, mas à pessoa que, antevendo a danação se aproximar, adverte, em vão, as futuras vítimas do desastre.

Na minha infância, eu costumava assistir a um desenho muito divertido, “Carangos e Motocas”, em que um fusquinha simpaticíssimo era atazanado por uma gangue de motocicletas. Entre essas, havia uma motoquinha barulhenta chamada Confuso. Confuso sempre aconselhava o líder da quadrilha a desistir de seus “planos infalíveis”. E sempre levava um chega-pra-lá do grandalhão. Resultado: o plano gorava, as motocas se davam mal e ainda tinham que aguentar a cantilena de Confuso: “Eu te disse, eu te disse, eu te disse! Mas eu te disse!” Era o final recorrente dos episódios.

Em tempos de hedonismo alucinado, da busca pelo êxtase espiritual em detrimento da verdadeira experiência com Deus através oração particular e do estudo aplicado das doutrinas da Bíblia Sagrada - sem falar na troca de Yavé por Mamom por exigência de “pastores” da Teologia da Rapacidade, resta mais que evidente que qualquer Cassandra moderna ou seu epígono infantil não conseguirá atrair muitos para a Arca de Noé, símbolo da graça de Cristo. O que não justifica negligenciarmos nossas responsabilidades.

(Marco Dourado, analista de sistemas formado pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)