quinta-feira, abril 18, 2013

“Apenas a igreja é capaz de interpretar as Escrituras”

O papa Francisco expressou [na] sexta-feira (12) seu compromisso com o pleno respeito à tradição da Igreja, a única habilitada a interpretar corretamente as escrituras, e rejeitou “a interpretação subjetiva”, em seu primeiro discurso ante o Comitê da Bíblia do Vaticano. Nessa intervenção a “especialistas” - e não apenas para fiéis, como a maioria de seus discursos do último mês -, o papa jesuíta fez uma longa referência a um texto do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Constituição Dei Verbum (A Palavra de Deus), sobre o papel da Igreja. Até o momento, ao contrário de Bento XVI, o novo papa pouco tinha mencionado o Concílio, do qual ele é o primeiro pontífice das últimas décadas a não ter participado. Uma omissão surpreendente. “O Concílio lembrou com grande clareza: tudo o que está relacionado com a maneira de interpretar as Escrituras está, em última análise, sujeito ao julgamento da Igreja, que realiza o seu mandato divino e o ministério de preservar e interpretar a Palavra de Deus.”

Para o papa, “há uma unidade indissolúvel entre Escritura e Tradição”, que são “conjuntas e se comunicam entre elas”, “formando, de certa maneira, uma única coisa”, declarou. “A Sagrada Tradição transmite a Palavra de Deus plenamente [...] Dessa forma, a Igreja tira a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas não só nas Sagradas Escrituras. Uma como a outra devem ser aceitas e veneradas com sentimentos semelhantes de piedade e respeito”, disse em um discurso que revela um papa muito respeitoso da autoridade da Igreja.

Como resultado, “a interpretação das escrituras não pode ser apenas um esforço intelectual individual, mas deve ser sempre confrontado, inserido e autenticado pela tradição viva da Igreja”, argumentou. Essa declaração, na linha de Bento XVI, não deve agradar os protestantes ou católicos contestatórios, como o suíço Hans Küng, que reivindicam o direito de interpretar livremente as escrituras.

Para ser claro, o papa denunciou “a insuficiência de qualquer interpretação sugestiva, ou simplesmente limitada a uma análise incapaz de acolher o significado global que tem sido construído há séculos pela tradição de todo o povo de Deus”.


Nota: Apesar de sua aura de reformador da igreja e de homem bondoso, é bom não nos esquecermos de que por trás da veste papal bate um coração jesuíta, focado na preservação da autoridade da Igreja Católica em detrimento das demais religiões que, se aceitarem a proposta ecumênica, terão que reconhecer a supremacia papal. A opinião de Francisco quanto à interpretação das Escrituras é exatamente a mesma de Bento XVI (confira). Ao afirmar que apenas a igreja pode interpretar a Bíblia, Francisco de certa forma retoma a visão medieval segundo a qual o povo não devia ter acesso à Palavra de Deus. Além disso, quase que novamente torna “hereges” os cristãos que têm visão diferente da dele, uma vez que pensam de modo diferente justamente por interpretar a Bíblia de outro modo, em vários aspectos (não adoração de imagens, batismo somente de adultos e por imersão, sacerdócio de todos os crentes, não veneração de Maria, etc.). Quando o papa iguala a Tradição à Bíblia, acaba valorizando incoerências como a crença na imortalidade da alma e a pretensa santidade do domingo, por exemplo, dogmas oriundos unicamente da Tradição e não das páginas das Escrituras. Com seu carisma, o papa Francisco pode ir bem além dos esforços empreendidos por Bento XVI.[MB]