O
papa Francisco expressou [na] sexta-feira (12) seu compromisso com o pleno
respeito à tradição da Igreja, a única
habilitada a interpretar corretamente as escrituras, e rejeitou “a
interpretação subjetiva”, em seu primeiro discurso ante o Comitê da Bíblia do
Vaticano. Nessa intervenção a “especialistas” - e não apenas para fiéis, como a
maioria de seus discursos do último mês -, o papa jesuíta fez uma longa
referência a um texto do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Constituição Dei Verbum (A Palavra de Deus), sobre o
papel da Igreja. Até o momento, ao contrário de Bento XVI, o novo papa pouco
tinha mencionado o Concílio, do qual ele é o primeiro pontífice das últimas
décadas a não ter participado. Uma omissão surpreendente. “O Concílio lembrou
com grande clareza: tudo o que está relacionado com a maneira de interpretar as
Escrituras está, em última análise, sujeito ao julgamento da Igreja, que
realiza o seu mandato divino e o ministério de preservar e interpretar a Palavra
de Deus.”
Para
o papa, “há uma unidade indissolúvel entre Escritura e Tradição”, que são “conjuntas
e se comunicam entre elas”, “formando, de certa maneira, uma única coisa”,
declarou. “A Sagrada Tradição transmite a Palavra de Deus plenamente [...] Dessa
forma, a Igreja tira a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas não
só nas Sagradas Escrituras. Uma como a outra devem ser aceitas e veneradas com
sentimentos semelhantes de piedade e respeito”, disse em um discurso que revela
um papa muito respeitoso da autoridade da Igreja.
Como
resultado, “a interpretação das escrituras não pode ser apenas um esforço
intelectual individual, mas deve ser sempre confrontado, inserido e autenticado
pela tradição viva da Igreja”, argumentou. Essa declaração, na linha de Bento
XVI, não deve agradar os protestantes ou católicos contestatórios, como o suíço
Hans Küng, que reivindicam o direito de interpretar livremente as escrituras.
Para
ser claro, o papa denunciou “a insuficiência de qualquer interpretação
sugestiva, ou simplesmente limitada a uma análise incapaz de acolher o
significado global que tem sido construído há séculos pela tradição de todo o
povo de Deus”.
Nota:
Apesar de sua aura de reformador da igreja e de homem bondoso, é bom não nos
esquecermos de que por trás da veste papal bate um coração jesuíta, focado na preservação da autoridade da Igreja
Católica em detrimento das demais religiões que, se aceitarem a proposta ecumênica,
terão que reconhecer a supremacia papal. A opinião de Francisco quanto à
interpretação das Escrituras é exatamente a mesma de Bento XVI (confira).
Ao afirmar que apenas a igreja pode interpretar a Bíblia, Francisco de certa
forma retoma a visão medieval segundo a qual o povo não devia ter acesso à
Palavra de Deus. Além disso, quase que novamente torna “hereges” os cristãos
que têm visão diferente da dele, uma vez que pensam de modo diferente
justamente por interpretar a Bíblia de outro modo, em vários aspectos (não
adoração de imagens, batismo somente de adultos e por imersão, sacerdócio de
todos os crentes, não veneração de Maria, etc.). Quando o papa iguala a
Tradição à Bíblia, acaba valorizando incoerências como a crença na imortalidade
da alma e a pretensa santidade do domingo, por exemplo, dogmas oriundos
unicamente da Tradição e não das páginas das Escrituras. Com seu carisma, o
papa Francisco pode ir bem além dos esforços empreendidos por Bento XVI.[MB]