quarta-feira, maio 14, 2014

A “gospelização” está em alta

Uma igreja mundanizada
Pense num beco estreito e sombrio, com calçamento de paralelepípedo, cercado de galpões. Imagine-se entrando por uma das portas, de madrugada. Você avista jovens de jeans rasgado e camiseta preta, cabelo eriçado, bracelete, tatuagem e piercing. Com latinhas de energético à mão, eles dançam sorridentes e saltitantes. Casaizinhos em cantos escuros trocam carícias e beijos... A descrição é de um encontro evangélico (evangélico?) que está se tornando cada vez mais comum, e com o apoio das lideranças, nestes tempos pós-modernos. Estou falando da “balada gospel”, diferente da balada original, mundana, visto que foi “gospelizada” pelos seus frequentadores, pertencentes à “geração gospel”. Muitos cristãos (cristãos?) do nosso tempo têm usado o adjetivo “gospel” para “santificar” atitudes, posturas, comportamentos, condutas e eventos que outrora estavam relacionados a pessoas que não conhecem o Evangelho. Parte-se da premissa de que o crente tem liberdade para fazer o que quiser e se divertir do jeito que bem entender – mesmo que imite o mundo –, e ninguém tem nada a ver com isso.

“Não me diga que você é um daqueles protestantes retrógrados que ainda pensa que participar de festa junina é impróprio para o cristão. Deixa de ser legalista, meu chapa! Acorda, rapá!”, diria um famoso telepregador gospel. Isso mesmo: já existe o “arraiá gospel”, também conhecido como “festa jesuína”, inclusive em algumas pretensas Assembleias de Deus. O mesmo se aplica a baile e desfile de carnaval, música erotizante (que simula o ato sexual), esporte (esporte?) violento e sanguinário – cuja “bola” a ser chutada ou golpeada com a mão é a própria cabeça do “esportista” –, Halloween (conhecido como “Elohim”), “pegação”, etc.

Como se depreende da leitura deste artigo, “gospelizar” é, pretensamente, “tornar evangélico”. Uma vez “gospelizado”, o que outrora era considerado pecaminoso pode ser praticado livremente, sem peso de consciência. O lema dos crentes da “geração gospel” é: “Vamos curtir a vida. Afinal, Jesus não é careta.”

Os líderes e membros das igrejas “gospelizadas” se conformaram com o mundo. Seus cantores se inspiram em astros mundanos, como declarou, há algum tempo, o integrante de uma famosa banda gospel: “A gente ouve Bob Marley, mas só para se informar.” A tônica das mensagens “evangelísticas” pregadas nessas igrejas é: “Venha como está e fique como quiser.”

Empreguei o termo “gospelização” pela primeira vez em abril de 1994, em um texto que escrevi para o jornal Mensageiro da Paz. À época, escrevi: “Os que quiserem podem até pular carnaval, pois já existem blocos de ‘samba evangélico’. Para os apreciadores de bebidas fortes já existe a ‘cerveja gospel’, sem álcool, é claro. E não ficaremos surpresos se lançarem o ‘cigarro gospel’, sem nicotina.” Naquela época, esse texto soou como profético para os conservadores, e ácido demais para os liberais, em razão de o processo de “gospelização” ainda estar em seu início.

Não tenho conhecimento de que o “cigarro gospel” tenha sido inventado. Em compensação, hoje temos o “carnaval gospel”, o “arraiá gospel”, o “dia das bruxas gospel”, as “lutas de gladiadores gospel”, o “barzinho gospel”, a “balada gospel”, o “funk pancadão gospel”... Como diz um “meme” do Facebook, “só está faltando o inferno gospel.”

(Ciro Sanches Zibordi é pastor da Assembleia de Deus)

Nota: Certa vez, conversava com um “amigo de Twitter” que não vê mal algum em misturar o rock e estilos musicais assemelhados com música cristã, e ele procurava argumentar que a Bíblia não traz recomendação alguma sobre esse ou aquele estilo musical, sendo essa uma questão cultural. De fato, a Bíblia não fala de rock, nem poderia, é óbvio. Ela também não fala sobre sexo virtual, maconha, baladas e MMA. Mas, para quem a conhece bem (e nem precisa ser tão bem assim) e a estuda constantemente, seus princípios gerais são suficientes para mostrar que certos estilos de vida, modismos e comportamentos não são apropriados para quem quer manter a mente pura e a comunhão com Deus. Perguntei, então, ao amigo o que ele pensaria se um dia o funk carioca fosse adotado como música “evangélica”. Por que deveria haver objeção a isso? Ele me respondeu simplesmente que “Deus é quem sabe”. E a resposta dele, para ser coerente com seu pensamento, não poderia ser outra. Se tudo se trata de uma “questão cultural”, o que determina a adoção de algo é apenas sua aceitação geral e o gosto do “freguês”. E basta que não haja uma proibição explícita na Bíblia para que o uso seja “sacralizado”. No texto acima, o pastor Ciro chama atenção para um problema comum: o ato de beber em fontes duvidosas com a desculpa justificativa de que isso é “referência”, que pode servir de “inspiração”. Desde quando o apologista da maconha Bob Marley pode ser referência para cristãos? Quando Davi compunha suas músicas, suas referências eram o próprio Deus e a natureza. A alegria genuína que muitos de seus hinos revelam nascia de seus sentimentos em relação à graça de Deus, não de batidas que geram êxtase. Que se saiba, Davi não procurava ouvir músicas filisteias a fim de se inspirar. O marco de separação entre os filhos de Deus e os que não O servem sempre foi claro na Bíblia. Isso diz respeito à alimentação, ao vestuário, aos entretenimentos e, claro, também à música. Para “ganhar o mundo”, não precisamos nem devemos nos igualar a ele. Precisamos apresentar-lhe algo melhor e mais nobre. Dá para imaginar Jesus e Seus discípulos numa “balada gospel”? Deus nos livre disso! [MB]