Eles admitem: é muita especulação |
Os
dinossauros costumam ser retratados como monstros aterrorizantes. As imagens
conhecidas mostram lagartos gigantescos, de garras e presas enormes, em
constante batalha pela sobrevivência. Os famosos Tiranossauros Rex e
Velociraptores aparecem – em filmes, séries, livros, documentários e museus –
como predadores implacáveis. O próprio nome dinossauro,
cunhado em 1842 a partir de palavras gregas, significa lagarto terrível. Mas o
livro All Yesterdays (“Todos
os Passados”, sem versão em português), escrito pelo paleontólogo britânico
Darren Naish, da Universidade de Southampton, e pelos artistas gráficos Mehmet
Cevdet Koseman e John Conway, propõe a superação dessa ideia. Os autores
defendem que os dinossauros poderiam ter visuais e comportamentos muito mais
variados, parecidos com os dos animais de hoje – com sua enorme gama de cores,
pelagens e plumagens.
Não
existe nenhum modo de saber com absoluta certeza como eram os dinossauros.
Todas as informações que existem sobre sua aparência vêm de fósseis com mais de
65 milhões de anos [segundo a cronologia evolucionista], deteriorados pela ação
do tempo. A maioria dos registros fósseis permite decifrar a estrutura do
esqueleto, mas nada diz sobre a pele, a gordura e os músculos desses animais.
As baleias, por exemplo, possuem camadas imensas de gordura, que seriam
difíceis de intuir para quem olhasse apenas para suas ossadas. Como apenas os
ossos são conhecidos, as ilustrações acabam se baseando demais nessa
característica, ignorando todas as outras características. “Os dinossauros
parecem ser feitos apenas de pele e osso. Eles são desenhados muito magros,
como se estivessem doentes. Mas os animais têm outros tecidos, como músculos e
gordura ao redor do esqueleto”, diz C. M. Koseman em entrevista ao site de Veja.
O
primeiro golpe na concepção visual clássica dos dinossauros veio nos anos 2000,
quando novos fósseis deram suporte a teorias que propunham que a maioria deles
era coberta por penas. Eles deixaram de ser vistos como lagartos, e passaram a
ser comparados às aves. A transformação proposta em All Yesterdays, no entanto, é mais radical. “Apesar de todas as
novas informações e teorias, achamos que ainda estamos desenhando os animais de
forma errada”, diz Koseman. As penas seriam apenas o sinal de que existe muito
mais a ser descoberto. Assim, os autores fazem um chamado à especulação – não
sobre o futuro, mas o passado da Terra.
Desde
o século 19, a imagem que o público e os cientistas têm dos dinossauros foi
moldada pelos paleoartistas: artistas que se dedicam ao desenho de temas
relacionados à paleontologia. Todas as representações desses animais, do
seriado “Família Dinossauro” ao filme “Jurassic Park”, se
embasam em suas ilustrações. “Nosso trabalho é, basicamente, reconstruir
animais extintos”, afirma Koseman.
A
maioria dos paleoartistas não possui formação na área da paleontologia. É
o caso de Koseman e John Conway, que ilustram o livro All Yesterdays. Mesmo assim, eles trabalham em parceria tão
próxima e por tanto tempo com os paleontólogos, que se tornam especialistas na
área e chegam a servir de referência para estudos científicos.
Segundo
os envolvidos, reconstruir um dinossauro é um trabalho cientificamente
rigoroso, que envolve estudos de anatomia e fisiologia. Para desenhar o corpo,
os artistas precisam analisar o esqueleto, o tamanho e a posição de cada osso.
A partir da comparação com animais mais modernos, eles podem deduzir a
localização dos músculos. “Nosso trabalho é feito a partir de uma equação que
envolve arte e ciência, especulação e conhecimento”, diz Koseman.
Apesar
de todo o rigor, a imaginação é necessária por causa das imensas lacunas que
existem no processo: os pesquisadores conhecem muito pouco sobre o tamanho dos
músculos, a distribuição da gordura, a pele, a presença de penas, pelos e
escamas e as cores dos dinossauros. Nas pranchetas dos artistas, em volta dos
ossos vão se sobrepondo camadas sucessivas de especulação. Os resultados finais
podem ser completamente diferentes – a depender da ousadia do desenhista. “Existem
muitas maneiras de desenhar um mesmo esqueleto. Normalmente, os paleoartistas
escolhem o jeito mais conservador possível”, afirma.
Os
autores propõem que essas camadas de especulação sejam preenchidas de maneira
mais imaginativa – até extravagante – pelos desenhistas. Isso deixaria os
dinossauros mais parecidos com animais de hoje em dia.
Segundo
o livro, novas descobertas fósseis mostram que a maioria dos dinossauros
menores, como os heterodontossauros, deviam viver em grupo e ter seu corpo
inteiro coberto de penas coloridas – de visual tão variado que algumas se pareceriam
com pelos. “Os maiores provavelmente não, pois, como os elefantes de hoje em
dia, são muito grandes para precisar do isolamento térmico proporcionado por
pelos e penas. Mesmo assim, poderiam ter características ‘decorativas’ no
corpo, como as cristas nas cabeças dos galos ou cores chamativas na pele, para
atrair parceiros no acasalamento”, diz Koseman.
Outra
mudança proposta diz respeito ao comportamento geralmente retratado nas
ilustrações, que mostrar os animais em movimentação constante e violenta,
fugindo ou caçando suas presas. “No filme ‘Jurassic Park’, por exemplo, os
Velociraptores e Tiranossauros estão sempre atacando as pessoas, sem muito
propósito. Sua função na narrativa é servir como obstáculos que o herói tem de
superar para salvar o dia – como os dragões das lendas antigas”, afirma o
paleoartista (a semelhança não é coincidência: os primeiros mitos sobre dragões
também surgiram a partir da descoberta de fósseis de dinossauros).
Ao
olhar para os fósseis de um dinossauro, não há como saber o som que faziam,
como se reproduziam, dormiam e brincavam. Mesmo assim, os pesquisadores dizem
que essa é uma característica essencial para compreender a vida desses animais.
Os leões, por exemplo, vão deixar registros de que são exímios predadores, mas será
impossível conhecer seu ar majestoso e seus hábitos noturnos – características
tão importantes quanto o fato de eles serem carnívoros. Assim como os
predadores atuais, os pesquisadores dizem que os dinossauros também tinham uma
vida fora das caçadas.
Ao
combinar as mudanças de visual e comportamento, os autores propõem o último
ataque à imagem de bestas monstruosas que os dinossauros adquiriram ao longo do
tempo. Segundo o livro, eles poderiam até ser fofos. “Por que um dinossauro não
pode ser bonitinho?”, diz Koseman. Quando um esqueleto é descoberto, ele
geralmente tem um visual aterrador, que não coincide necessariamente com o do
animal vivo. “Olhe para os bichos de hoje em dia, e olhe para seus esqueletos.
A ossada de um gato dá a impressão de que se trata de uma fera horrível. Mas o
gato é um dos animais mais fofos do planeta.”
Os
pesquisadores reconhecem que, como qualquer especulação mais ousada, seu
trabalho pode abrigar inúmeros erros. No futuro, novas descobertas podem
mostrar que algumas das ilustrações estão completamente erradas, enquanto
outras podem ser apenas reconstruções tímidas em face de uma realidade muito
mais bizarra. “Algumas coisas sobre o passado nunca serão conhecidas por
completo. Não devemos ter medo de especular”, diz Koseman.
(Veja)