terça-feira, maio 06, 2014

Deus, por que fazemos isso?

Injustiça com as próprias mãos
Caminhamos para tempos cada vez mais sombrios e dantescos. Barbáries e comportamentos estarrecedores aparecem aqui e ali, no mundo inteiro, revelando a marca da natureza perversa do homem. Talvez seja preferível viver no “reino dos macacos” do que na sociedade dos humanos - estes sempre surpreendentemente cruéis. Recentemente, numa livraria, deparei-me com A parte obscura de nós mesmos – uma história dos perversos, obra escrita pela conhecida historiadora da Psicanálise, a francesa Elisabeth Roudinesco. O livro constitui uma pequena amostra do que é a natureza humana: um reino obscuro de múltiplas crueldades. Como “humanos” (sim, entre aspas) nossa situação é realmente vergonhosa e doentia. Basta um atento olhar para dentro de nós mesmos para perceber que “desde a planta dos pés até o alto da cabeça não existe nada são; somente machucaduras, vergões e ferimentos sangrando que não foram limpos nem atados” (Isaías 1:6). Pessoalmente, tenho sido acometido de profundo espanto por causa da condição da sociedade contemporânea: enferma, enlouquecida, fraquejada, decaída. Pergunto-me: Haverá esperança para nós?

Não sou admirador de Renato Russo, mas o fragmento de uma de suas canções, nesse contexto, cabe bem: “Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação / Serão noites inteiras talvez por medo da escuridão / Ficaremos acordados imaginando alguma solução / Pra que esse nosso egoísmo não destrua nosso coração. / Será só imaginação? / Será que nada vai acontecer? / Será que é tudo isso em vão? / Será que vamos conseguir vencer?” Será?

Horizontalmente não vejo saída real. Sou cético no que tange à esperança humanista. Verticalmente? Bom, é uma questão de fé. Ainda a tenho para poder suportar este cenário de angústia social cada vez mais crescente e escuro. Chorei diante da triste imagem reveladora de nosso lado desumano e, por que não dizer, demoníaco. Perante quadro tão infeliz, impotência e frustração é o que, temporariamente, sinto; além de dó. Tenho pena de todos nós, sejamos os agredidos ou os agressores, e espero que as vozes justas e misericordiosas e as boas mãos deste mundo se levantem num esforço para fazer retroceder a onda de violência que arrasa nossas sociedades. Creio na vitória do Bem, ainda que ele saia machucado pelo mal.

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)

Nota 1: “É com muita tristeza que deixo meus sentimentos de pêsames à família da Fabiane Maria de Jesus, esposa e mãe de dois filhos, vítima de um ato cruel e desumano de linchamento em via pública, o que levou à sua morte. É lamentável que fatos como estes aconteçam nos dias atuais e em nossa cidade. Eu, particularmente, a conhecia da igreja, éramos da mesma comunidade e morávamos no mesmo bairro, no Morrinhos. A Fabiane era uma boa moça, sofria de problemas psiquiátricos e passou por um problema de depressão pós-parto. Ela participou do grupo de jovens católicos e todos que a conheceram sabem que ela seria incapaz fazer mal a alguém.” Foi assim que a prefeita do Guarujá, Maria Antonieta de Brito, descreveu a jovem Fabiane. Ambas fizeram parte do Grupo de Jovens da Igreja de São João Batista, no bairro em que moravam. Fabiane morreu aos 33 anos, depois de ser xingada, humilhada e torturada pelas ruas de Morrinhos, em Guarujá. Acusada de sequestrar e de praticar atos de magia negra contra crianças, Fabiane foi encurralada no último sábado em uma rua do bairro e morta por um grupo de pessoas que lhe desferiu socos no rosto, marretadas na cabeça e pontapés. Já inerte, o corpo foi jogado em uma vala.

Nota 2: Fabiane havia voltado para casa para pegar uma Bíblia, quando foi confundida com a sequestradora praticante de magia negra. Ao ver a foto acima, pude identificar a edição da Bíblia Ave Maria, no chão. Fui eu quem desenhou a capa dessa edição, quando tinha 18 anos de idade. Espero que Fabiane tenha encontrado esperança naquelas páginas. [MB]