Lugar comum e muito preconceito |
Em
entrevista concedida à RBS TV, o professor de pós-graduação Fernando Becker, da
UFRGS, comentou a proposta da deputada Liziane Bayer de que se ensine
criacionismo em escolas públicas (confira).
Várias vezes deixei claro aqui que muitos criacionistas, incluindo os associados
da Sociedade Criacionista Brasileira, entre os quais me incluo, discordam de
propostas dessa natureza (confira).
Mas a argumentação de Becker é por demais rasa e até injusta. Melhor seria
terem convidado um criacionista esclarecido para explicar por que o criacionismo
não deve ser ensinado em escolas públicas, e não apenas um professor cujas
opiniões revelam desconhecimento das discussões sobre o tema. Mais um exemplo
de mau jornalismo... Assista aqui e aqui aos vídeos. A seguir, quero pontuar algumas frases do professor.
Becker
começa com o lugar comum de que criacionismo é religião e deve ser relegado ao
seu “gueto”, digo, à igreja. Ainda que seja um fenômeno cultural, para Becker
ele não deve sequer ser ensinado nas escolas. Ele diz que a “função da escola é
trazer o conhecimento científico para a população”. Ok, mas instantes depois defende
o ensino de uma teoria segundo a qual a vida teria surgido da não vida, há
bilhões de anos, e se tornado mais e mais complexa ao longo do tempo. Becker
omite o fato de que essa ideia pertence ao campo da filosofia (naturalismo
filosófico), e não à ciência propriamente dita. O macroevolucionismo naturalista
não pode ser submetido à investigação científica e, portanto, seguindo o
argumento do professor, também não deveria ser ensinado em aulas de ciências.
Becker
diz que falta tempo para ensinar tantos conteúdos e que, portanto, não haveria
espaço para o criacionismo. Essa é boa! Becker é educador e deveria saber que a
melhor forma de se aprender a pensar (e não apenas memorizar conteúdos) é
analisando o contraditório. Em lugar de empurrar a teoria da evolução – com
todas as suas insuficiências epistêmicas – goela abaixo dos alunos, por que não
promover um ensino crítico da evolução? Aliás, por que não promover o ensino
crítico da própria ciência, como estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em lugar de endeusá-la?
Apoiando
o argumento de Becker, a entrevistadora diz que a ciência trabalha com
evidências e o criacionismo, com fé. E reforça o lugar comum de que o assunto
se trata da polarização entre ciência e religião. Isso é falso! Teoria da
evolução não é sinônimo de ciência, tanto quanto criacionismo não é sinônimo de
religião. A teoria da evolução conta com evidências científicas (pelo menos no
que se refere à chamada “microevolução”), mas mistura um bocado de filosofia
naturalista em seu modelo. O criacionismo tem também sua base
teológico/filosófica, mas afirmar que o modelo não conta com evidências é
desprezar as descobertas da biologia molecular e da bioquímica (que apontam
para um design inteligente e para a
complexidade irredutível) e da geologia catastrofista (que mostra evidências de
um dilúvio e de uma coluna geológica não necessariamente tão antiga), por
exemplo. Há muitos cientistas sérios discutindo essas evidências. Por que
certos setores da mídia e certos professores insistem em ignorar isso? Deixando
de lado o componente filosófico dos dois modelos (criacionista e
evolucionista), é perfeitamente possível discutir/analisar as evidências
apresentadas por ambos os lados. Dizer que a questão se resume a ciência versus religião é evitar o debate e
blindar o evolucionismo.
O
pior mesmo é Becker dizer que “a religião trabalha com o emocional e com a
crença, a ciência trabalha com a razão e a evidência”. Que absurdo! Primeiro,
porque cientistas não são máquinas. Eles possuem pressupostos, preconceitos,
subjetividades, opiniões, cosmovisões, e isso tudo certamente interfere na
forma como veem as coisas. Seria bom Becker estudar um pouco Thomas Kuhn.
Segundo, porque teólogos estudam, sim, evidências e usam e muito a razão e
ferramentas científicas. Dediquei cinco anos a um mestrado em que estudei
hermenêutica, ciência e religião, sociologia, arqueologia bíblica, antropologia
e outras disciplinas. Mestrado em quê? Teologia. Becker deve estar pensando em
certas religiões emocionalistas que não dão valor ao estudo acadêmico, e mais
uma vez cai no lugar comum.
O
professor cita o encantamento de Einstein com o fato de o Universo ser
inteligível e, sem querer, dá um tiro no pé, colocando em cheque sua defesa do
naturalismo. Essa é uma grande questão. Como explicar o fato de que nosso
cérebro, nosso intelecto consegue entender o Universo, a realidade que nos
cerca? Se somos apenas um ajuntamento fortuito de moléculas, por que devo
aceitar as conclusões desse cérebro simiesco a respeito? Por que devo crer que a
massa cinzenta de átomos e moléculas que compõem o cérebro de Becker está
fazendo uma análise correta do assunto sobre o qual está discorrendo?
Para
o docente, não há como conciliar ciência e religião. Mas ele deveria dizer isso
para Galileu, Copérnico, Kepler, Newton, Pascal, Pasteur, Collins e tantos
outros. O que ele deveria ter dito é: não se pode conciliar o naturalismo
filosófico ateísta com a cosmovisão bíblico-criacionista. Aí estaria coberto de
razão.
Mais
uma pérola beckeriana: “A biologia fala que a vida apareceu neste planeta há
três e meio bilhões de anos.” Não, a biologia não diz nada sobre isso. Os
biólogos se ocupam da vida e só podem estudar a vida que eles têm ao alcance
dos olhos, das mãos, do microscópio. Quem afirma que a vida “apareceu”
(abracadabra!) neste planeta são os evolucionistas e sua teoria. Novamente Becker
confunde um modelo hipotético com uma área da ciência empírica.
E
o professor universitário termina “apoteoticamente” sua entrevista com uma
frase de efeito, afirmando que os que os que defendem o criacionismo são “adultos
professando crenças infantis”.
Essa
entrevista quase desastrosa e totalmente parcial ajudou a firmar minha
convicção de que o criacionismo não deve mesmo ser ensinado em escolas
públicas. E um dos motivos que me convencem disso é o risco de que ele seja
ensinado por professores como Becker.
Michelson Borges