Estrela gigante quimicamente atípica |
Equipe
internacional identifica na galáxia estrelas jovens com composição química de
velhas
A descoberta de estrelas relativamente jovens
com composição química típica de estrelas antigas prova que um método usado
para estimar a idade de estrelas longínquas da galáxia, o chamado “relógio
químico” da Via Láctea, nem sempre funciona. Essas estrelas foram identificadas
recentemente por uma equipe internacional de astrônomos coordenada pela
brasileira Cristina Chiappini e descritas em um artigo na edição de abril da
revista Astronomy & Astrophysics. A origem dessas estrelas
jovens com cara de velhas, porém, permanece um mistério.
Pesquisadora do Instituto Leibniz para
Astrofísica, em Potsdam, Alemanha, Chiappini notou a existência desses objetos
celestes incomuns quando seu aluno de doutorado Friedrich Anders lhe apresentou
uma análise de 622 estrelas de várias partes do disco da Via Láctea. Chiappini
desenvolve modelos de evolução química estelar para deduzir quando e onde
nasceram as estrelas da galáxia. Uma das previsões desses modelos é que, quanto
mais átomos de ferro uma estrela possui em relação a elementos químicos
chamados de alfa, mais jovem é a estrela.
Para verificar essa previsão, Anders comparou
a composição química das estrelas, obtida por astrônomos do levantamento
Apogee, com a idade das mesmas estrelas, calculada por pesquisadores do
telescópio espacial CoRoT. O Apogee investiga a evolução da galáxia usando instrumentos
sensíveis à luz infravermelha montados no telescópio de 2,5 metros do
observatório Sloan, no Novo México, Estados Unidos. Já o CoRoT é um satélite
desenvolvido por uma colaboração franco-europeia-brasileira que permite
investigar a estrutura interna das estrelas e determinar a idade delas.
Anders confirmou que as idades da maioria das
622 estrelas determinadas pelo CoRoT concordavam com a faixa etária sugerida
pela composição química delas. Cerca de 20 dessas estrelas, no entanto,
chamavam a atenção por terem proporcionalmente mais elementos químicos alfa do
que ferro, em relação ao que se esperaria de suas idades. “Achamos que algo
estranho estava acontecendo”, lembra Chiappini.
Anders pediu a um de seus colaboradores no
projeto CoRoT, o astrônomo Benoit Mosser, do Observatório de Paris, que
reanalisasse os dados sobre cada uma dessas estrelas em detalhe, para calcular
melhor suas idades. A confirmação da idade das estrelas pobres em ferro causou
espanto. “Elas são jovens demais”, diz Chiappini. “Uma delas, por exemplo, tem
a proporção de elementos químicos esperada para uma estrela com 10 bilhões de
anos, mas sua idade é de apenas 2 bilhões de anos.”
Exceto em circunstâncias muito especiais, os
astrônomos dificilmente conseguem determinar a idade de estrelas da Via Láctea
situadas a mais de 80 anos-luz de distância do Sol. A maioria dos telescópios
não consegue determinar as propriedades de estrelas tão distantes com a
precisão necessária para que os astrônomos consigam calcular a idade delas. Há,
porém, uma maneira menos precisa de estimar se uma estrela longínqua é muito
nova ou muito antiga examinando seus elementos químicos.
Esse método é o do “relógio químico”, que se baseia no seguinte raciocínio: as primeiras estrelas da galáxia teriam nascido a partir de nuvens de gás primordial, composto apenas por elementos químicos leves – hidrogênio, hélio e um pouco de lítio –, criados durante o Big Bang, o evento que teria originado o Universo. A morte explosiva de estrelas gigantes, com massas de 8 a 10 vezes superiores à do Sol, teria acrescentado elementos químicos mais pesados ao gás primordial, especialmente os chamados elementos alfa: oxigênio, magnésio, silício, cálcio e titânio, criados a partir da fusão de núcleos de hélio no interior dessas estrelas.
Essas explosões, conhecidas como supernovas
do tipo II, são as principais fontes desses elementos químicos na galáxia. Já a
maior parte do ferro da Via Láctea vem de outro tipo de supernova, as
variedades Ia. São estrelas anãs brancas que, depois de sugarem uma certa
quantidade de gás de uma estrela gigante vizinha, acabam explodindo e
espalhando átomos de ferro pela galáxia.
As supernovas de tipo II demoram milhões de
anos para explodir, enquanto as de tipo Ia levam muito mais, bilhões de anos.
Essa diferença entre as escalas de tempo das supernovas funciona como um
marcador temporal para estimar a data de nascimento das estrelas da Via Láctea.
Desse modo, quanto maior a abundância de elementos alfa de uma estrela em
relação à abundância de ferro, mais velha a estrela deve ser.
Até a identificação das 20 estrelas incomuns,
o método do “relógio químico” parecia funcionar sempre. Em todos os casos nos
quais havia sido possível fazer medições que permitiam calcular a idade das
estrelas, os valores a que os astrônomos chegavam correspondiam bastante bem à
estimativa obtida pelo “relógio químico”.
Em 2012, Chiappini e seus colegas chamaram a
atenção para o fato de que seria possível usar o telescópio espacial CoRoT para
obter idades de várias estrelas situadas a mais de 80 anos-luz do Sol, para as
quais não havia outro método disponível além do “relógio químico”. “O CoRoT
mede variações de brilho a partir das quais podemos obter o raio, a massa e a
distância da estrela”, ela explica. “Com esses dados, é possível calcular a
idade.”
Desde então, Chiappini vem articulando uma
colaboração entre astrônomos de especialidades que não costumam interagir.
Chamada de CoRoGEE, a colaboração é uma parceria entre pesquisadores do CoRoT,
instrumento mais conhecido por suas descobertas de exoplanetas, e pesquisadores
envolvidos com o Apogee, que também conta com a participação de brasileiros
ligados ao Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), no Rio de
Janeiro. Foi combinando os dados de estrelas observadas tanto pelo CoRoT quanto
pelo Apogee que os pesquisadores descobriram as estrelas estranhas para as
quais o relógio químico parece não funcionar.
“Seria possível formar uma estrela jovem com
abundância elevada de elementos alfa em relação à de ferro”, Chiappini sugere,
“caso uma porção de gás primordial pouco enriquecido por supernovas do tipo Ia
houvesse sobrado em algum lugar isolado, sem participar da evolução química
geral da galáxia.” Esse gás teria ficado ali por bilhões de anos, sem interagir
com o gás do resto da galáxia, e só depois teria formado estrelas.
Os dados do Corot e do Apogee também sugerem
que as 20 estrelas jovens feitas de material antigo tenham nascido em algum
lugar do disco da Via Láctea a cerca de 20 mil anos-luz do centro galáctico,
localizado perto de uma estrutura da galáxia chamada de barra. “É uma região em
que se acredita que o gás e as estrelas do disco giram com a mesma velocidade
que o gás e as estrelas da barra”, explica Chiappini. “Por essa razão, é mais
difícil haver por ali os choques entre nuvens de gás necessários para formar as
estrelas.” Se de fato se comportar assim, essa região pode ter abrigado bolsões
de gás que mantiveram as características primordiais.
Outra possibilidade é que essas estrelas tenham se formado a partir de um gás de composição primordial que teria caído na Via Láctea apenas recentemente, vindo do meio intergaláctico. “Mas é difícil entender por que isso teria acontecido mais para o centro da galáxia e não em toda parte”, diz Chiappini.
“Essa descoberta é interessante porque mostra
que há diversos processos ocorrendo na nossa galáxia, em particular próximo à
barra central”, diz a astrofísica Beatriz Barbuy, da Universidade de São Paulo
(USP), que estuda a evolução química da Via Láctea. “Sabemos, a partir da
observação de outras galáxias e de modelos dinâmicos, que as barras permitem
uma migração de gás e estrelas em dois sentidos, da barra para o disco e do
disco para a barra.”
Os pesquisadores precisam descobrir mais
dessas estrelas para entender sua origem. Isso será possível, eles esperam,
combinando os dados da missão espacial Kepler-2 com os do Apogee-2, o novo
levantamento de estrelas da Via Láctea que vem sendo realizado pelo projeto
Sloan Digital Sky Survey.
(CHIAPPINI,
C. et al. Young [Alpha/Fe]-enhanced stars discovered by CoRoT and Apogee: What is their origin? Astronomy & Astrophysics.
v. 576, L12. 10 abr. 2015; via Fapesp)