terça-feira, junho 02, 2015

Estudo sobre chocolate não passava de farsa

Pesquisa manipulada
Um estudo publicado em abril na revista científica International Archives of Medicine chegou à conclusão de que comer chocolate “aumenta significantemente” as chances de emagrecer durante uma dieta. Parecia bom demais para ser verdade. E realmente era. Na quarta-feira (27), o autor revelou, em um artigo publicado no blog “io9”, que tudo não passou de uma farsa. Seu objetivo era mostrar como estudos de péssima qualidade científica na área de dietas conseguem facilmente entrar para as manchetes de publicações da área. As conclusões tendenciosas do estudo realmente tiveram destaque em grandes meios de comunicação, entre sites, revistas e jornais de vários países. O autor da farsa é o jornalista John Bohannon. Ele se juntou a um grupo que incluía um médico e um estatístico e recrutou, pelo Facebook, 15 voluntários para participar do experimento. Cada um recebeu 150 euros para participar da pesquisa por três semanas. Eles foram divididos em três grupos. Cada um deveria seguir uma dieta diferente. Uma delas incluía comer uma barra de chocolate com alto teor de cacau por dia. No fim das contas, o grupo que comeu chocolate perdeu peso 10% mais rápido.

O dado realmente foi observado nos participantes, porém é insignificante do ponto de vista científico. Isso porque o número de pessoas testadas - apenas 15 - é muito baixo para se chegar a qualquer conclusão confiável. O grupo inventou um instituto chamado “Institute of Diet and Health”, que seria a instituição onde o estudo-farsa teria sido feito, e o submeteu à revista científica International Archives of Medicine. O artigo foi aprovado sem questionamentos, apesar de a publicação alegar que “todos os artigos submetidos à revista são revisados de maneira rigorosa”.

Bohannon conseguiu provar sua tese de que pesquisas na área de dieta conseguem ser publicadas em revistas científicas e ganhar destaque midiático mesmo se tiverem uma qualidade muito ruim. “Se um estudo nem mesmo lista quantas pessoas participaram, ou alega que é ‘estatisticamente significante’, mas não diz qual foi o efeito, você deve se perguntar por quê. Mas, na maioria das vezes, não fazemos isso.”

Antes da farsa do chocolate, Bohannon já tinha feito um trabalho para a respeitada revista Science [confira aqui] para provar que parte das revistas científicas de acesso aberto, que alegam submeter seus estudos a um rigoroso processo de revisão por pares, na verdade aceitava publicar pesquisas de qualidade mais do que duvidosa.


Nota: Infelizmente, essa notícia do chocolate não é um problema pontual. Confira neste artigo do site Notícias Naturais: “O Dr. Richard Horton, editor chefe da The Lancet, uma das revistas médicas mais respeitadas do mundo, denunciou que grande parte das pesquisas médicas publicadas não são confiáveis ou são até mesmo falsas. ‘Grande parte da literatura científica, talvez a metade, pode ser simplesmente falsa. Afetada por estudos com pequenas provas, efeitos minúsculos, análises exploratórias inválidas e flagrantes conflitos de interesse, juntamente com uma obsessão por perseguir tendências de moda de duvidosa importância; a ciência se voltou para a obscuridade.’ O mais preocupante dessa denúncia é que todos esses estudos têm sido patrocinados pela indústria, a qual os utiliza para desenvolver medicamentos e vacinas que supostamente deveriam ajudar as pessoas, ajudar na formação do pessoal médico e educar os estudantes de medicina. Horton continuou denunciando que os editores das revistas médicas ajudam e apoiam os piores comportamentos, que a quantidade de pesquisa de má qualidade é alarmante, e que os dados são manipulados para que se encaixem com as teorias a serem defendidas. Segundo o Dr. Horton, as confirmações importantes são muitas vezes rechaçadas e muito pouco é feito para corrigir as más práticas.

“Outra das vozes prestigiadas que se somam às denúncias foi a Dra. Marcia Angell, editora chefe da revista New England Medical Journal (NEMJ), considerada outra das revistas médicas mais prestigiadas do mundo: ‘Simplesmente já não é possível acreditar em grande parte da pesquisa clínica que é publicada, ou confiar no juízo dos médicos de confiança ou nas diretrizes médicas autorizadas. Não me dá nenhum prazer essa discussão, a qual entrou lentamente e com relutância ao longo das minhas duas décadas como editora da New England Journal of Medicine.’”

O livro Imposturas Intelectuais, sobre o qual comentei neste post, também trata desse problema, mas na área da física. [MB]

Legal mesmo é a história por trás do paper, contada em detalhes aqui (em inglês).