Ao
folhear a edição 2.491 da revista Veja,
de 17 de agosto de 2016, minha atenção foi capturada pelo título provocativo da
seção “Página Aberta”: “Deus é uma ficção”. A ousadia admirável da frase me
animou a ler o artigo, pois, embora seja cristão, aprecio a exposição racional
das ideias que costumam marcar os debates que giram em torno da disputa ateísmo
x teísmo. Tendo isso em mente, esperava encontrar um conjunto razoável de
argumentações que pretendessem levar o leitor a questionar a existência de
Deus. No entanto, o que prometia ser uma crítica destemida à Divindade,
mostrou-se um festival de exageros e lamúrias, dignas do mais dramático
folhetim mexicano. No ímpeto de defender a tese de que os ateus são obrigados a
conviver com o medo de expor sua ausência de fé, o autor cria situações
surreais de retaliação, que seriam comparáveis ao racismo enfrentado pelos
negros norte-americanos na década de 1950, tais como o risco de “perder o
emprego”, tornar-se alvo de “violência física” e até mesmo ser “expulso de
casa” por declarar-se ateu. O grau de “vitimismo” foi tão exagerado que cheguei
a acreditar que, em algum momento do texto, o biólogo inglês e ateu militante
Richard Dawkins seria comparado a Martin Luther King.
Em
outro exemplo de extrapolação argumentativa, o autor se esforça para
correlacionar a quantidade de ateus de um país ao seu grau de desenvolvimento
social. Pela sua lógica, os 10% de ateus australianos seriam os grandes
responsáveis pelos altos índices sociais do país, enquanto o Brasil, com apenas
1%, amargaria uma situação comparável à da Nigéria, por causa do excesso de fé.
De
fato, existe uma correlação entre a condição social da população e o seu grau
de religiosidade, mas ela ocorre na ordem inversa à proposta pelo autor. Não é
a fé que afeta o desenvolvimento de uma nação, mas as dificuldades sociais
enfrentadas pelo povo que o levam a buscar conforto e esperança nas promessas
contidas na Bíblia. Afinal de contas, qualquer professor de geografia (mesmo
ateu) ensina seus alunos que os países subdesenvolvidos se encontram nessa
condição por terem sido explorados como fonte de recursos durante a maior parte
de sua história, e não porque a população decidiu acreditar em um Ser
sobrenatural.
Talvez
a prova mais gritante contra a hipótese levantada pelo autor seja o fato de os
Estados Unidos terem sido fundados como colônia de povoamento, ocupados
originalmente por protestantes ingleses, e carregando, até hoje, os dizeres “em
Deus confiamos” em suas valiosas cédulas de dólar. Aliás, a história está
repleta de exemplos de sociedades altamente organizadas e desenvolvidas que
eram profundamente religiosas, como o caso das dinastias egípcias, as cidades-estado
gregas, o Império Romano e a civilização Asteca. A tentativa desesperada de
estabelecer o subdesenvolvimento como resultado direto do exercício da fé não
encontra a menor base plausível, seja do ponto de vista histórico ou social.
A
triste realidade percebida no artigo é que a militância proposta pelo autor não
está fundamentada na defesa da cosmovisão ateísta, mas, sim, na necessidade de
se opor a toda manifestação de religião na sociedade. Ironicamente, ele usa o
argumento da intolerância como justificativa para inibir a fé alheia.
No
fim das contas, me decepcionei com um texto raso, do ponto de vista filosófico
e científico. Minha sugestão é que, em seu próximo artigo, ele procure
responder questões mais significativas para a defesa de sua ideologia, como,
por exemplo: Por que é tão difícil dissociar o ser humano dessa busca
incansável para se ligar a algo sobrenatural e transcendental? De onde vem esse
desejo? Por que parecemos programados a perseguir um propósito para nossa
existência, que vá além dos limites do mundo físico.
(Alexandre Nunes Lima é engenheiro de produção nas Usinas Nucleares de Angra dos Reis)
Nota: Enviei
hoje este e-mail para a revista Veja:
“Ao diretor de Redação da revista Veja: Bom dia. Meu nome é Michelson
Borges, sou jornalista e mestre em teologia, além de criador e mantenedor do
blog criacionismo.com.br. Li o artigo do Daniel Sottomaior, na Veja
desta semana, na seção Página Aberta, e resolvi escrever o que considero um
contraponto à opinião dele. Acreditando que o Página Aberta seja um convite à
reflexão e à exposição de ideias, envio meu texto (anexo) para a análise de vocês,
com vistas à possível publicação. Muito obrigado.”
Vamos
ver no que vai dar. Se não publicarem lá, posto aqui. [MB]