[Há duas semanas, a revista Veja publicou na seção “Página Aberta” um artigo do presidente da
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), com o título “Deus é uma
ficção”. Algumas pessoas escreveram e-mails e eu enviei o artigo abaixo, na
doce ilusão de que fosse publicado como contraponto às ideias do ateu. Mas
percebi, mais uma vez, que as páginas da Veja
não são assim tão abertas... - MB]
Heinrich Heine (1797-1856) foi um filósofo e
poeta alemão profundamente marcado pela pessoa e obras de outro filósofo:
Friedrich Hegel. Tornou-se ardoroso defensor do ateísmo e tratava a religião e
a Deus com deboche e acidez. A famosa expressão que qualifica a religião como
“ópio do povo” – posteriormente usada por Karl Marx na Crítica da Filosofia
Hegeliana do Direito –
havia sido adiantada por Heine. Em sua obra Ludwig
Börne, Heine, com sua ironia peculiar, escreve: “Bendita seja uma religião
que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e
soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança.”
Apesar de uma vida de negação a Deus, à semelhança de Antony Flew (considerado o maior filósofo ateu do século 20 e autor de Um Ateu Garante: Deus Existe), Heine, em 1849, fez uma declaração que espantou a muitos. Ao arqueólogo Fernando Meyer que, no outono daquele ano, visitou Heine, gravemente enfermo e paralítico devido à sífilis, o filósofo declarou: “Pode acreditar, meu amigo, pois é Heinrich Heine quem lho confia em seu leito de morte, após longos anos de madura reflexão: Depois de considerar atentamente tudo quanto sobre a matéria se tem falado e escrito em todas as nações, cheguei à certeza de que existe um Deus, que é o juiz das nossas ações, de que a nossa alma é imortal [sic] e existe uma vida no além, onde o bem é premiado e o mal castigado... Não tivesse eu essa fé, persuadido da incurabilidade do meu mal, já há tempo teria posto um fim à minha miserável existência... Insensatos há que, depois de terem sido vítimas do erro durante toda a vida, e terem anteriormente manifestado tais ideias errôneas por palavra e por obra, já não têm coragem para confessar que por tanto tempo andaram enganados; eu, porém, confesso abertamente que foi um erro infame o que me manteve manietado por tão largo tempo; agora, sim, vejo claramente, e quem me conhece e me vê pode dizer que não falo por coação ou com o espírito obnubilado, mas numa hora em que as minhas faculdades estão tão robustas e arejadas como em qualquer tempo anterior” (Gespräche mit Heine [nota 153], p. 704-707; citado por Georg Siegmund, em O Ateísmo Moderno, p. 232).
Heine, Flew e mesmo o cientista diretor do Projeto Genoma e ex-ateu Francis Collins foram perseguidos por seus antigos pares e colegas de descrença. Esses e muitos outros que se atrevem a fazer o caminho do ateísmo para o teísmo descobrem que há armários de dentro dos quais a saída é tão dolorosa quanto o é para outras pessoas que sofrem o preconceito de grupos intolerantes que defendem uma liberdade localizada e limitada. Na juventude, talvez Heine fizesse parte de algum grupo ateísta militante que vive confundindo Estado laico com estado ateu e que insiste em dizer que Deus não existe, muito embora viva incomodado com Ele.
Apesar de uma vida de negação a Deus, à semelhança de Antony Flew (considerado o maior filósofo ateu do século 20 e autor de Um Ateu Garante: Deus Existe), Heine, em 1849, fez uma declaração que espantou a muitos. Ao arqueólogo Fernando Meyer que, no outono daquele ano, visitou Heine, gravemente enfermo e paralítico devido à sífilis, o filósofo declarou: “Pode acreditar, meu amigo, pois é Heinrich Heine quem lho confia em seu leito de morte, após longos anos de madura reflexão: Depois de considerar atentamente tudo quanto sobre a matéria se tem falado e escrito em todas as nações, cheguei à certeza de que existe um Deus, que é o juiz das nossas ações, de que a nossa alma é imortal [sic] e existe uma vida no além, onde o bem é premiado e o mal castigado... Não tivesse eu essa fé, persuadido da incurabilidade do meu mal, já há tempo teria posto um fim à minha miserável existência... Insensatos há que, depois de terem sido vítimas do erro durante toda a vida, e terem anteriormente manifestado tais ideias errôneas por palavra e por obra, já não têm coragem para confessar que por tanto tempo andaram enganados; eu, porém, confesso abertamente que foi um erro infame o que me manteve manietado por tão largo tempo; agora, sim, vejo claramente, e quem me conhece e me vê pode dizer que não falo por coação ou com o espírito obnubilado, mas numa hora em que as minhas faculdades estão tão robustas e arejadas como em qualquer tempo anterior” (Gespräche mit Heine [nota 153], p. 704-707; citado por Georg Siegmund, em O Ateísmo Moderno, p. 232).
Heine, Flew e mesmo o cientista diretor do Projeto Genoma e ex-ateu Francis Collins foram perseguidos por seus antigos pares e colegas de descrença. Esses e muitos outros que se atrevem a fazer o caminho do ateísmo para o teísmo descobrem que há armários de dentro dos quais a saída é tão dolorosa quanto o é para outras pessoas que sofrem o preconceito de grupos intolerantes que defendem uma liberdade localizada e limitada. Na juventude, talvez Heine fizesse parte de algum grupo ateísta militante que vive confundindo Estado laico com estado ateu e que insiste em dizer que Deus não existe, muito embora viva incomodado com Ele.
Não dá para negar que, assim como os negros e os
homossexuais, ateus assumidos também sofrem sob o preconceito dos que se
recusam ao diálogo e desrespeitam os “diferentes”. Mas também é notório que
existem outros grupos tão ou mais hostilizados do que esses citados acima. Um
exemplo são os criacionistas bíblicos, cristãos para os quais o Universo e a
vida foram criados por Deus, exatamente como descreve a Bíblia. Tente defender
essa tese sustentada por Paulo, João e pelo próprio Jesus e você verá o que é
preconceito! Aliás, o próprio fato de que certos setores da mídia privilegiam
conteúdos de cunho naturalista ou mesmo ateísta em detrimento de conteúdos
apologeticamente cristãos já é evidência suficiente de que certos “armários”
são piores do que outros. Quer um exemplo? Na semana passada, alguns jornais
estrangeiros noticiaram a prova final de que o Homem de Piltdown, tido por
muito tempo como um “elo perdido” a favor da teoria de Darwin, foi uma fraude
escandalosa. Você leu alguma linha sobre isso aqui no Brasil? Viu a notícia
estampada em alguma capa? No entanto, quando os ateus Richard Dawkins (o
“devoto de Darwin”, segundo Veja) ou
Stephen Hawking dizem algo sobre Deus, isso vira manchete quase que
instantaneamente.
O
exagero da militância ateísta é percebido e denunciado não apenas por
religiosos. Eli Vieira é um biólogo defensor ferrenho do darwinismo e ateu
declarado, ativo nas redes sociais. Em 2013, ele escreveu algo em sua página no
Facebook que revela o caráter de entidades como a Associação Brasileira de
Ateus e Agnósticos (Atea). O texto de Eli foi reproduzido no blog Kestão de
Opinião (http://goo.gl/yhmklp) e em um comentário no blog Ceticismo Político (https://goo.gl/P5gz5v).
“Quando
eu achava que a Atea não poderia descer mais ainda o nível, eles zoam uma
garota que perdeu o filho depois de uma cirurgia. Eles acharam engraçado que a
garota estava com fé em Deus que o filho fosse sobreviver, o que infelizmente
não aconteceu. A pessoa que fez essa piada está tão cega de fanatismo pelo
ateísmo que está mais interessada em tripudiar sobre o ‘fracasso’ das orações
da jovem mãe do que em respeitar seus ferimentos psicológicos da enorme dor que
é perder um filho. Talvez uma dor que um ateu cissexual, homem, heterossexual e
de classe média jamais experimentará na vida dele. Uma dor que, para enfrentar
na vida, é preciso muito mais coragem que a ‘coragem’ de afrontar uma sociedade
majoritariamente teísta com chistes hereges de baixa criatividade e péssima
qualidade, e escondendo a cara por trás de uma instituição cujo presidente
[Daniel Sottomaior] tem a pachorra de louvar o proselitismo ao melhor estilo
infantil ‘se eles podem eu quero também’, ignorando se o que eles ‘podem’ é
certo ou errado, desejável ou indesejável, de consequências positivas ou
negativas.”
Vieira
diz também que acompanhou a Atea desde antes de sua fundação e que conhece bem
seus fundadores, e afirma que eles não falam por ateus humanistas como ele. “Sua
página no Facebook é uma vergonha, sua atuação positiva é eclipsada por essa
atuação negativa constante, e a imagem que a Atea criou dos ateus me
entristece, me envergonha, me revolta e me enoja”, conclui.
Me
causam enjoo, também, os argumentos superficiais e requentados usados por
pessoas como Sottomaior. Na edição de 17 de agosto da revista Veja, o presidente da Atea “força a
barra” ao dizer que, biblicamente falando, ímpio é sinônimo de ateu. Nada mais
falso. Quem lê a Bíblia sabe que a maioria dos ímpios mencionados em suas
páginas são, na verdade, religiosos hipócritas que negam a fé que professam ao
agir em desacordo com os preceitos da religião. Saul, Anás, Caifás, Herodes
eram “crentes” e ímpios. A palavra “ímpio”, originalmente, vem de “sem
piedade”, desumano, cruel. No original grego é anomos, “sem lei”, “fora da lei”. E esse tipo de gente pode ser
encontrado entre ateus e crentes, infelizmente.
Sottomaior
afirma, ainda, que “quanto mais religioso é um país, piores são seus índices
sociais”. Argumento bastante frágil esse. Os Estados Unidos são um dos países
mais religiosos do mundo, e a Coreia do Norte, um dos mais ateus. Os países
nórdicos têm tradição protestante, os do leste europeu viveram à sombra do
comunismo ateu. Precisa dizer mais alguma coisa? E, se quisermos também forçar
a barra, podemos dizer que os regimes ateístas, como o da antiga União Soviética, foram responsáveis por matanças que deixariam os inquisidores
medievais morrendo de inveja.
Mas
é claro que não é justo culpar os ateus pelo que fizeram os regimes políticos
de orientação ateísta, tanto quanto não é justo culpar Deus ou a religião
bíblica pelo que religiosos ímpios fizeram e têm feito em nome dEle.
Na
verdade, ateus e crentes somente existem porque o Criador de ambos lhes dá a
liberdade para crer no que quiserem. É exatamente essa liberdade conquistada no
Ocidente judaico-cristão que permite a crença e a descrença, e a própria existência
dos ateus que merecem, sim, um lugar ao sol. Ateus, graças a Deus.
Para
concluir, é interessante notar como a militância ateísta, por mais que tente,
não consegue enterrar o Deus que creem estar morto. O presidente da Atea se chama
Daniel, um nome bíblico que significa “Deus é o meu Juiz” (sugestivo, não?). E
seu artigo foi publicado em uma edição de Veja
em que aparece na capa uma imagem de Cristo...
Michelson Borges