terça-feira, junho 13, 2017

A natureza numérica e os códigos inteligentes

Como ficamos fascinados ao contemplar os detalhes do mundo que nos rodeia. Nossas emoções são facilmente ativadas quando encontramos formas com estética e beleza. E são essas as características que facilmente percebemos em todas as estruturas espalhadas na natureza, sejam elas animadas ou inanimadas. Veja, por exemplo, as espiras de um girassol, as medidas das nossas mãos, a proporção das asas de uma borboleta, do desenvolvimento de um ser vivo no ventre de sua mãe, o desabrochar de uma flor ou a distribuição das estrelas em uma galáxia. Certamente todos eles têm algo de estético, pois despertam a apreciação do belo em cada indivíduo. Existe algum modo de determinar se uma forma é bela e estética?

Os gregos criaram três critérios básicos para determinar se algo era belo ou não. Devia ter ordem, simetria e proporcionalidade. E, por incrível que pareça, essas três características estavam associadas aparentemente a um único número, o número áureo, ϕ, cujo valor fixo é ϕ = 1.6180339...

O número áureo, ou número de ouro, representa a proporcionalidade de duas medidas de comprimentos, e essa relação é conhecida hoje como proporção áurea. No livro Elementos, de Euclides de Alexandria, é chamado de média e extrema razão. Lá é escrito da seguinte maneira: “Uma linha reta se diz dividida em média e extrema razão quando o todo está para o maior, assim como o maior está para o menor.”

E mais adiante, no mesmo livro, Euclides ensina o passo a passo da construção da média e extrema razão. Nós o faremos de uma forma mais simples. Veja o desenho:




Imagine uma linha reta dividida em duas partes, uma parte maior e outra menor, de modo que a razão entre o comprimento total com a maior seja exatamente igual à razão entre o comprimento maior da reta com a menor. Ou seja,


A equação acima (na verdade, são três equações) deixa claro que os comprimentos estão relacionados proporcionalmente através do número ϕ, cuja expressão numérica é dada por ϕ = (1 + 5 )/2 = 1.6180339...

Desse modo, para que dois comprimentos consecutivos sejam considerados belos e estéticos, eles devem estar relacionados proporcionalmente segundo a média e extrema razão, ou, em outras palavras, obedecendo à proporção áurea: X = ϕY; é por isso que o ϕ leva o nome de número áureo. Curiosamente, a natureza parece gostar desse número. Veja o corpo humano: ele parece inteiramente estar moldado segundo a proporção áurea; e não só nós, muitos dos seres vivos também parecem ter sido moldados segundo essa proporção.

E mais curioso ainda é o apreço da natureza pelas séries numéricas; séries como as de Fibonacci.

A sequência de Fibonacci é uma sucessão infinita de números em que cada valor é obtido somando-se apenas dois números precedentes da série. Ela começa com 0 e 1. Então, a soma de 0 e 1 resultará no próximo valor da série, o número 1. Somando-se esse resultado com o valor precedente, ou seja, 1 e 1, obtemos 2, que é o valor seguinte. O próximo valor é 3, que é a soma de 2 e 1, e assim sucessivamente. Como resultado, os valores da sucessão são

0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, ...

Podemos associar uma localização (coordenada linear) a cada valor da sequência tal qual mostra a tabela abaixo,


onde n é a coordenada e F(n), seu respectivo valor. Assim, F(4) = 3 significa que 3 é o valor numérico da série na posição 4.
           
A lei de crescimento, mencionada acima, pode ser escrita matematicamente como

F(n) =  F(n + 1) + F(n)
(I)

Ou seja, o valor em uma posição é a soma dos valores nas posições precedentes. Vamos escolher a posição n = 6, cujo valor é 8. Então, somando o valor dessa posição com o próximo, isto é, F(6) + F(7), iremos obter F(8). Ou seja, 8 + 13 = 21. E é assim que podemos encontrar todos os outros valores: 13 + 21 = 34, 21 + 34 = 55, 34 + 55 = 89, 55 + 89 = 144, ...
           
A lei de crescimento da sequência de Fibonacci, a equação (\ref{eq.I}) acima, tem muitas propriedades, mas a que mais chama a atenção é a sua relação com o número áureo. Essa propriedade diz que dividindo qualquer valor numérico da série pelo seu antecessor podemos obter resultados que convergem para o número ϕ = 1.6180339... Veja os exemplos,

3/2 = 1.5;       5/3 = 1.6666...;       8/5 = 1.6;       13/8 = 1.625;       21/13 = 1.6153846...;
34/21 = 1.6190476...;       55/34 = 1.6176470...;       89/55 = 1.61818181...

Ou seja, quanto maior for o valor numérico da série, mais próximo do ϕ será o resultado. Resumidamente, essa característica pode ser escrita simbolicamente como F(n + 1)/F(n) ≈ ϕ.
           
Acontece que a sequência de Fibonacci não é a única. Existem outras tantas. A sequência de Lucas é da mesma família de Fibonacci, pois obedece à mesma lei de crescimento e tem o mesmo número ϕ como valor de convergência. Essa sequência começa com o par de números 2 e 1. Então, a série numérica é 2, 1, 3, 4, 7, 11, 18, 29, ...
           
Tanto o número ϕ quanto a sequência de Fibonacci têm sido uma ferramenta útil e, até certo ponto, necessária para o entendimento de muitos aspectos da natureza. Ajudou a entender, por exemplo, particularidades da distribuição das sementes de um girassol. Explico isso rapidamente.
           
As sementes de girassol estão distribuídas em espirais no sentido horário e anti-horário, seguindo o padrão de espirais de Fibonacci. E o responsável por esse padrão é o hormônio chamado auxina [Matthew Pennybacker and Alan C. Newell, Phys. Rev. Lett. 110, 2013]. Esse hormônio é o responsável pelo alongamento da célula. Quando a auxina flui, as sementes crescem sendo empacotadas de modo a maximizar o acesso à luz, e o modo mais eficiente de fazer isso é seguindo o padrão das espirais de Fibonacci. A grande surpresa é que nem todos os girassóis seguem essa sequência como padrão, também seguem a sequência de Lucas; outros girassóis seguem sequências bem diferentes. Por quê? Essa questão ainda está em aberto, sem resposta. Quem sabe seja você, caro leitor, quem dará essa resposta...
           
Bom, padrões de sucessões numéricas também encontramos no couve-flor, nas pétalas das equináceas, nos pinheiros e em muitos outros lugares, que não necessariamente seguem as sequências de Fibonacci ou as de Lucas. Sendo assim, podemos generalizar a lei de crescimento da equação (I), com algumas pequenas modificações. Escrevemos essa modificação como,

F(n)αF(n + 1) + βF(n)
(II)

onde α e β são dois números reais que podem ter valores positivos ou negativos. E o valor de convergência geral para essa lei de crescimento modificada é escrita em termos de α e β.


Complicou, não é? Não. Eu explico.

A equação de crescimento (II) contém dois grupos numéricos para iniciar uma série. O primeiro grupo é o par (α, β), cujos valores estão associados às condições iniciais; o segundo grupo é o par (x0, x1), o qual chamaremos de semente. Desse modo, quando falarmos de semente estaremos nos referindo ao par de números com que a série começa.
           
Particularmente, se α = 1 e β = 1, o valor de convergência sempre será ϕ = (1 + √5 )/2 = 1.6180339..., que não é nada mais do que o número de ouro; e apenas para esse grupo obtemos inúmeras sequências, mudando apenas os valores das sementes x0 e x1. No caso em que x0 = 0 e x1 = 1, obtemos a sequência de Fibonacci. A sequência de Lucas corresponde ao caso em que x0 = 2 e x1 = 1.
           
Bom, agora você pode brincar um pouco mudando os valores de α, β, x0 e x1 e obter uma infinidade de séries particulares. E para calcular seus respectivos valores de convergência, ϕ, naturalmente, precisará de uma calculadora.
           
Outra particularidade interessante das séries que acabamos de descrever é sobre sua relação com o trapézio aritmético (o nome Trapézio Aritmético é conveniente porque a forma com que aparece não possui a “ponta” superior de um triângulo usual). Cada sequência tem apenas um único trapézio. Por exemplo, a sequência de Fibonacci está associada ao trapézio


A camada de zeros, se for eliminada, corresponde exatamente ao triângulo de Pascal. A relação do triângulo de Pascal com a sequência de Fibonacci já foi muito bem explorada e pode ser encontrada em diversas fontes na internet.
           
A sequência de Lucas está relacionada ao trapézio,


 E é aqui que a coisa fica mais interessante ainda, pois, a partir desses trapézios, podemos construir estruturas estatísticas que podem nos ajudar a entender melhor o porquê de as coisas serem como são. Infelizmente, caro leitor, não pretendo escrever agora a expressão geral para os trapézios porque não seria muito atrativo escrever tantas equações em um texto relativamente curto, até porque cada equação que escrevêssemos necessariamente mereceria alguma boa explicação. Mas isso pode ficar para outro momento.
           
Por enquanto, quero dizer que o “gosto” da natureza pelas séries numéricas parece estar relacionado com alguma eficiência. No caso do girassol, a eficiência está associada à absorção da luz solar. Mas essa absorção poderia também estar vinculada a outros fatores ambientais e nutricionais que, naturalmente, alterariam o fluxo dos hormônios responsáveis pelo crescimento de sementes na cabeça da planta, e, claro, alterariam a semente da sequência. Seria essa a razão do porquê diferentes padrões de sequências numéricas aparecem em diferentes girassóis? Não sabemos, ainda. E o mais atrativo é que esses casos não estão limitados apenas aos girassóis.
           
Porém, independentemente de qual seja a espécie e de qual seja a lei de crescimento, o certo é que a sucessão numérica está presente nesses organismos biológicos. Ela está lá. O que eu vejo em tudo isso é que, à medida que compreendemos mais como a natureza funciona, mais surpresos ficamos com o design envolvido nas estruturas de cada desenvolvimento biológico. Imagino Deus planejando tudo com antecedência. Cada detalhe de cada espécie sendo muito bem elaborado na “pasta de projetos dentro do escritório divino”, e dizendo a Seu Filho: “Perfeito. É assim que será essa espécie.” Ambos concordando e, no fim de cada dia da semana da criação, o Filho vendo que aquilo que fora feito correspondia exatamente ao que havia sido planejado. Não encontro palavras para descrever tudo isso, a não ser na frase: “E viu Deus que era bom.”

(Victor Viscarra é PhD em Física pela Unesp, na área de Partículas Elementares)