Como
ficamos fascinados ao contemplar os detalhes do mundo que nos rodeia. Nossas
emoções são facilmente ativadas quando encontramos formas com estética e
beleza. E são essas as características que facilmente percebemos em todas as
estruturas espalhadas na natureza, sejam elas animadas ou inanimadas. Veja, por
exemplo, as espiras de um girassol, as medidas das nossas mãos, a proporção das
asas de uma borboleta, do desenvolvimento de um ser vivo no ventre de sua mãe,
o desabrochar de uma flor ou a distribuição das estrelas em uma galáxia.
Certamente todos eles têm algo de estético, pois despertam a apreciação do belo
em cada indivíduo. Existe algum modo de determinar se uma forma é bela e
estética?
Os gregos
criaram três critérios básicos para determinar se algo era belo ou não. Devia
ter ordem, simetria e proporcionalidade. E, por incrível que pareça, essas três
características estavam associadas aparentemente a um único número, o número
áureo, ϕ, cujo valor fixo é ϕ = 1.6180339...
O número
áureo, ou número de ouro, representa a proporcionalidade de duas medidas de
comprimentos, e essa relação é conhecida hoje como proporção áurea. No
livro Elementos, de Euclides de
Alexandria, é chamado de média e extrema razão. Lá é escrito da seguinte
maneira: “Uma linha reta se diz
dividida em média e extrema razão quando o todo está para o maior, assim como o
maior está para o menor.”
E mais
adiante, no mesmo livro, Euclides ensina o passo a passo da construção da média
e extrema razão. Nós o faremos de uma forma mais simples. Veja o desenho:
Imagine uma
linha reta dividida em duas partes, uma parte maior e outra menor, de modo que
a razão entre o comprimento total com a maior seja exatamente igual à razão
entre o comprimento maior da reta com a menor. Ou seja,
A equação
acima (na verdade, são três equações) deixa claro que os comprimentos estão
relacionados proporcionalmente através do número ϕ, cuja expressão numérica é
dada por ϕ = (1 + √5 )/2 = 1.6180339...
Desse modo,
para que dois comprimentos consecutivos sejam considerados belos e estéticos,
eles devem estar relacionados proporcionalmente segundo a média e extrema
razão, ou, em outras palavras, obedecendo à proporção áurea: X = ϕY; é por isso que o ϕ leva o nome de número áureo.
Curiosamente, a natureza parece gostar desse número. Veja o corpo humano: ele parece
inteiramente estar moldado segundo a proporção áurea; e não só nós, muitos dos
seres vivos também parecem ter sido moldados segundo essa proporção.
E mais
curioso ainda é o apreço da natureza pelas séries numéricas; séries como as de
Fibonacci.
A sequência
de Fibonacci é uma sucessão infinita de números em que cada valor é obtido
somando-se apenas dois números precedentes da série. Ela começa com 0 e 1.
Então, a soma de 0 e 1 resultará no próximo valor da série, o número 1.
Somando-se esse resultado com o valor precedente, ou seja, 1 e 1, obtemos 2,
que é o valor seguinte. O próximo valor é 3, que é a soma de 2 e 1, e assim
sucessivamente. Como resultado, os valores da sucessão são
0, 1, 1, 2,
3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, ...
Podemos
associar uma localização (coordenada linear) a cada valor da sequência tal qual
mostra a tabela abaixo,
onde n
é a coordenada e F(n), seu respectivo valor. Assim, F(4) = 3 significa que 3 é o valor
numérico da série na posição 4.
A lei de
crescimento, mencionada acima, pode ser escrita matematicamente como
F(n) = F(n + 1) + F(n)
|
(I)
|
Ou seja, o
valor em uma posição é a soma dos valores nas posições precedentes. Vamos
escolher a posição n = 6, cujo valor é 8. Então, somando o valor dessa
posição com o próximo, isto é, F(6)
+ F(7), iremos obter F(8). Ou seja, 8 + 13 = 21. E é assim
que podemos encontrar todos os outros valores: 13 + 21 = 34, 21 + 34 = 55, 34 +
55 = 89, 55 + 89 = 144, ...
A lei de
crescimento da sequência de Fibonacci, a equação (\ref{eq.I}) acima, tem muitas
propriedades, mas a que mais chama a atenção é a sua relação com o número
áureo. Essa propriedade diz que dividindo qualquer valor numérico da série pelo
seu antecessor podemos obter resultados que convergem para o número ϕ =
1.6180339... Veja os exemplos,
3/2 =
1.5; 5/3 = 1.6666...; 8/5 = 1.6; 13/8 = 1.625; 21/13 = 1.6153846...;
34/21 =
1.6190476...; 55/34 =
1.6176470...; 89/55 = 1.61818181...
Ou seja,
quanto maior for o valor numérico da série, mais próximo do ϕ será o resultado.
Resumidamente, essa característica pode ser escrita simbolicamente como F(n + 1)/F(n) ≈
ϕ.
Acontece
que a sequência de Fibonacci não é a única. Existem outras tantas. A sequência
de Lucas é da mesma família de Fibonacci, pois obedece à mesma lei de
crescimento e tem o mesmo número ϕ como valor de convergência. Essa sequência
começa com o par de números 2 e 1. Então, a série numérica é 2, 1, 3, 4, 7, 11,
18, 29, ...
Tanto o
número ϕ quanto a sequência de Fibonacci têm sido uma ferramenta útil e, até
certo ponto, necessária para o entendimento de muitos aspectos da natureza.
Ajudou a entender, por exemplo, particularidades da distribuição das sementes
de um girassol. Explico isso rapidamente.
As sementes
de girassol estão distribuídas em espirais no sentido horário e anti-horário,
seguindo o padrão de espirais de Fibonacci. E o responsável por esse padrão é o
hormônio chamado auxina [Matthew Pennybacker and Alan C. Newell, Phys.
Rev. Lett. 110, 2013]. Esse hormônio é o responsável pelo alongamento da
célula. Quando a auxina flui, as sementes crescem sendo empacotadas de modo a
maximizar o acesso à luz, e o modo mais eficiente de fazer isso é seguindo o
padrão das espirais de Fibonacci. A grande surpresa é que nem todos os
girassóis seguem essa sequência como padrão, também seguem a sequência de
Lucas; outros girassóis seguem sequências bem diferentes. Por quê? Essa questão
ainda está em aberto, sem resposta. Quem sabe seja você, caro leitor, quem dará
essa resposta...
Bom,
padrões de sucessões numéricas também encontramos no couve-flor, nas pétalas
das equináceas, nos pinheiros e em muitos outros lugares, que não
necessariamente seguem as sequências de Fibonacci ou as de Lucas. Sendo assim,
podemos generalizar a lei de crescimento da equação (I), com algumas pequenas
modificações. Escrevemos essa modificação como,
F(n)
= αF(n + 1)
+ βF(n)
|
(II)
|
onde α e β são dois números reais
que podem ter valores positivos ou negativos. E o valor de convergência geral
para essa lei de crescimento modificada é escrita em termos de α e β.
Complicou,
não é? Não. Eu explico.
A equação
de crescimento (II) contém dois grupos numéricos para iniciar uma série. O
primeiro grupo é o par (α, β), cujos valores estão associados às condições
iniciais; o segundo grupo é o par (x0, x1),
o qual chamaremos de semente.
Desse modo, quando falarmos de semente estaremos nos referindo ao par de
números com que a série começa.
Particularmente,
se α
= 1 e β = 1, o valor de convergência sempre será ϕ = (1 + √5 )/2 = 1.6180339..., que não é
nada mais do que o número de ouro; e apenas para esse grupo obtemos inúmeras
sequências, mudando apenas os valores das sementes x0 e x1.
No caso em que x0 = 0 e x1 = 1, obtemos a
sequência de Fibonacci. A sequência de Lucas corresponde ao caso em que x0
= 2 e x1 = 1.
Bom, agora
você pode brincar um pouco mudando os valores de α, β, x0 e x1
e obter uma infinidade de séries particulares. E para calcular seus respectivos
valores de convergência, ϕ, naturalmente, precisará de uma calculadora.
Outra
particularidade interessante das séries que acabamos de descrever é sobre sua
relação com o trapézio aritmético (o nome Trapézio Aritmético é conveniente
porque a forma com que aparece não possui a “ponta” superior de um triângulo
usual). Cada sequência tem apenas um único trapézio. Por exemplo, a sequência
de Fibonacci está associada ao trapézio
A camada
de zeros, se for eliminada, corresponde exatamente ao triângulo de Pascal. A
relação do triângulo de Pascal com a sequência de Fibonacci já foi muito bem
explorada e pode ser encontrada em diversas fontes na internet.
A sequência
de Lucas está relacionada ao trapézio,
E é aqui
que a coisa fica mais interessante ainda, pois, a partir desses trapézios,
podemos construir estruturas estatísticas que podem nos ajudar a entender
melhor o porquê de as coisas serem como são. Infelizmente, caro leitor, não
pretendo escrever agora a expressão geral para os trapézios porque não seria
muito atrativo escrever tantas equações em um texto relativamente curto, até
porque cada equação que escrevêssemos necessariamente mereceria alguma boa
explicação. Mas isso pode ficar para outro momento.
Por
enquanto, quero dizer que o “gosto” da natureza pelas séries numéricas parece
estar relacionado com alguma eficiência. No caso do girassol, a eficiência está
associada à absorção da luz solar. Mas essa absorção poderia também estar
vinculada a outros fatores ambientais e nutricionais que, naturalmente,
alterariam o fluxo dos hormônios responsáveis pelo crescimento de sementes na
cabeça da planta, e, claro, alterariam a semente da sequência. Seria
essa a razão do porquê diferentes padrões de sequências numéricas aparecem em
diferentes girassóis? Não sabemos, ainda. E o mais atrativo é que esses casos
não estão limitados apenas aos girassóis.
Porém,
independentemente de qual seja a espécie e de qual seja a lei de crescimento, o
certo é que a sucessão numérica está presente nesses organismos biológicos. Ela
está lá. O que eu vejo em tudo isso é que, à medida que compreendemos mais como
a natureza funciona, mais surpresos ficamos com o design envolvido nas
estruturas de cada desenvolvimento biológico. Imagino Deus planejando tudo com
antecedência. Cada detalhe de cada espécie sendo muito bem elaborado na “pasta
de projetos dentro do escritório divino”, e dizendo a Seu Filho: “Perfeito. É
assim que será essa espécie.” Ambos concordando e, no fim de cada dia da semana
da criação, o Filho vendo que aquilo que fora feito correspondia exatamente ao
que havia sido planejado. Não encontro palavras para descrever tudo isso, a não
ser na frase: “E viu Deus que era bom.”
(Victor Viscarra é PhD em Física pela Unesp, na área de Partículas
Elementares)